segunda-feira, março 28, 2005

Açougue Rock and Roll


Fotos by Kalunga

O Butchers Orchestra é a melhor banda de rock and roll do Brasil. Não são poucos aqueles que dizem isso de boca cheia. Muita gente nem os conhece, talvez por eles fazerem parte do circuito alternativo, por cantarem em inglês, ou por simplesmente não darem a mínima para as FMs jabazeiras. O Butchers Orchestra é a melhor banda de rock and roll do Brasil. Tocaram no último domingo (27/03/2005) como se fosse o último show de suas vidas. Subiram no teto do Bar Entre Amigos 2, trocaram de instrumentos entre si, empunharam as guitarras no meio da platéia. E fizeram uma apresentação incendiária e competente, mesmo sabendo que não ganhariam praticamente nada de grana para isso, mesmo tendo uma platéia pouco numerosa à sua frente. Enfim, mesmo diante de todas as adversidades. O Butchers Orchestra é a melhor banda de rock and roll do Brasil, porra!

Antes de descrever como foi o resto da balada, é bom salientar que o evento, que contou com as apresentações de Ócio (que abriu a noite, com pouca ou nenhuma expressão no palco, mesmo tendo melhorado bastante o seu som neo-grunge), Os Pedreros, Thee Butchers Orchestra e Motosierra, quase não aconteceu. Tudo por conta do velho preconceito contra o maldito rock and roll. O resumo deste enrolo foi que os shows, inicialmente programados para o Clube Centenário, embaçaram geral por conta do detentor de uma noite de forró no mesmo local que simplesmente não liberou o espaço, justamente no momento em que o aluguel do lugar iria ser pago (com uma semana de antecedência!)- o que acabou gerando um mal estar tremendo entre o pessoal do Antimofo – que imaginava estar tudo acertado há dois meses atrás – e o tal dono da forrozeira. Eis que o caô que vos escreve aqui teve que bancar o empresário das bandas desesperado, com o intuito de reverter a situação. Não teve conversa: o cara não liberou, tocou para frente sua domingueira para poucos gatos pingados, e ainda disparou impropérios de todo o tipo para “aquele bando de drogados indisciplinados”. Feito isso, o evento foi transferido para o bar Entre Amigos 2, em Vila Velha. Era isso ou o cancelamento e a queima total do filme de algo que está apenas começando.

Pois é, o Entre Amigos 2 contou com uma lotação muito aquém do nível sonoro ali apresentado. Fossem algumas bandas de hardcore-chulé-emotivo-de-merda, o recinto estaria lotado. Há várias teorizações sobre o ocorrido. Não há segmento no nosso underground que fuja do metal podrão e do HC chorão de sempre. É por isso que bandas excepcionais como Forgotten Boys e os próprios Butchers Orchestra são recebidas com um misto de indiferença e embasbacamento – neguinho ali não sabe o que está ouvindo! Mesmo os Pedreiros sendo uma puta banda de rock and roll e os mesmos contando com total adoração do público local, acredito que boa parte desta receptividade provém da fama conquistada pelo HC toscão da banda titular dos caras – o Mukeka Di Rato – do que de seu som propriamente dito. Caralho, será que o rock and roll puro e simples não tem espaço por aqui???

Independente do clima de prejuízo eminente (Mozine, da banda em questão, era um dos organizadores), os Pedreiros ligaram os presentes na tomada! Um conselho: mesmo que você odeie aquele tipo de som, assista ao show dos caras! Letras absurdas, punk rock tradicional e hard rock farofa e muita esculhambação no palco. Porra, me diverti pra cacete! O Butchers entrou logo em seguida e, como foi dito no primeiro parágrafo, fizeram história por estas plagas – pelo menos na minha cabeça e na de muitos presentes e atenciosos na ocasião. Quatro álbuns lançados no Brasil e no exterior, turnês idem, duas guitarras, bateria, sem baixo, todos vocalistas, Stooges, MC5 e Jon Spencer Blues Explosion juntos no mesmo caldeirão: o resultado disso é arrasador! Destruíram tudo e, segundo Mozine, piraram por aqui e prometeram voltar sempre.

O Butchers foi a melhor atração musical da noite, mas os uruguaios do Motosierra foram os que mais agitaram a platéia. Já conhecidos do público capixaba, estes quatro desequilibrados injetaram mais velocidade no recinto com o seu punk rock misturado com hardcore clássico (Exploited, GBH), e também instalaram o clima de quebradeira e diversão sem limites. Os caras vieram para cá com a péssima fama de destruírem os equipamentos no palco, o que causou calafrios constantes no dono do som, o folclórico Beto “Suado”. O Motosierra não quebrou nada fisicamente, mas bem que poderia ter encerrado a noite rompendo a barreira na cabeça das novas gerações e que impede desta galera ouvir algo mais consistente. Se algum resultado for obtido, podemos seriamente sonhar com a vinda de gente como Matanza, Mavericks, MQN... Rock and roll, porra!!
+ fotos:

Thee Butchers Orchestra

Thee Butchers Orchestra

Thee Butchers Orchestra

Motosierra

Motosierra

Os Pedreros

Os Pedreros

quarta-feira, março 16, 2005

Emo de Cú é Trator de Rôla!


Sempre embaçado?
Foto by Kalunga

Emocore. O que significa isso? Para os leigos, é mais ou menos aquilo que o CPM 22 toca, ou seja: hardcore (a vertente mais rápida e agressiva do punk rock, ou pelo menos deveria ser) de cunho emotivo, com letras e melodias, digamos, mais sensíveis. Desprezar um estilo musical por completo às vezes pode soar como uma atitude arbitrária e burra mesmo. Logicamente há os ícones do estilo, aquelas bandas que possuem um caráter fundamental naquele terreno. Dizem que Jimmy Eat World, Dashboard Confessional e Sunny Day Real State são os top de linha da parada. Todo gênero musical possui os seus.

Que mané emocore é o caralho! Puta que pariu, mas que gênero musical (já repararam quantas vezes eu me utilizei de “itálico” para sugerir “ambigüidade questionável” neste texto?) mais chato, vazio, ruim mesmo, ô porra! É som de guri metido a sensível, de garotinha que pinta o cabelo de rosa e é fã de “Dawson’s Creek” (deve existir outra série preferida mais atual – estou ficando velho!). É som de criança – meu deus, como eu posso estar perdendo meu tempo escrevendo sobre esta merda??? Deixem esta molecadinha crescer mais, porra! Não faço parte disso, tenho quase trinta anos e não sei porque me irrito com isso! É simples. Precisei lembrar do emocore para poder publicamente dar o braço a torcer para alguns amigos meus. Em parte, que fique bem claro.

O Tractor Billy é uma banda foda! Junto deles, aqui no Estado, só os Pedreiros se equiparam. No momento em que o Tractor ganha em senso melódico, a banda de Mozine supera-os no seu sarcasmo e na sua postura inoclasta. Uma coisa poderia completar a outra, traduzindo-se em shows conjuntos e que conseqüentemente poderiam educar a molecada com sons menos irritantes. Imaginem a gurizada de piercings, cabelos coloridos e mochilas de ursinhos de pelúcia (putz!) de repente passasse a se interessar por The Cramps, Misfits, Motorhead, Ramones, The Clash e também por Motley Crue, Def Leppard ou mesmo o The Darkness. Esta pivetada bem nascida está crescendo sem saber o que é sexo, drogas e rock and roll!!! Clichezão, eu sei. Mas falta putaria, falta cerveja, falta o politicamente incorreto nesta porra toda! Não quero incentivar ninguém a se viciar em pó, por exemplo (se tua cabeça for fraca, azar o teu...). Na verdade, que se fodam vocês também. O motivo deste texto é outro mesmo...

Eu sempre detonei o Tractor Billy por mera tiração de sarro para com meus amigos. Sim, eles são meus amigos. E por isso mesmo eu não poderia elogiá-los gratuitamente. Aliás, minha zoação com eles também continha um fundo de verdade, justamente por achar que a banda deveria se empenhar mais para tocar, para educar o público com sons melhores e assim incentivar novas gerações a crescerem com vergonha na cara para produzir algo que realmente prestasse. Na boa, o som do Tractor é excelente, mas eles são muito apáticos com esta banda. Não quero dizer que venham a tentar viver de música, da sua música especificamente (que utopia!), mas... deixa pra lá. Nem todo mundo tem disposição de mover montanhas - e por tabela fazer papel de otário na maioria dos casos.

Fosse um texto para uma instituição jornalística que prestasse (elas existem no Estado? Eu sei que existem bons jornalistas, mas...) e eu tivesse que fazer uma resenha crítica sobre um show de emocore onde a banda-dos-meus-amigos estivesse tocando, minhas palavras viriam com mais fundamentação e teorização para simplesmente detonar ou elogiar quem eu julgasse merecedor de tal. Mas, como isto aqui é um blogg pessoal, onde eu dito as regras para mim mesmo, que a ética vá para as favas! A verdade é que terei sempre que me submeter a eventos emocore para poder assistir aos meus-amigos-da-banda-foda-e-preguiçosa ao vivo? Se bem que, no ritmo deles, sempre serão os primeiros a tocar e eu não terei que suportar os emos se lamentando no palco, pois darei linha o mais rápido possível após o show do Tractor. E vocês sabem o porquê de uma banda estar abrindo um evento com cinco ou dez outras atrações diferentes na mesma noite. As repostas podem ser: a) a banda é ruim; b) ninguém conhece a banda; c) a banda é amiga dos organizadores do evento; d) a banda é ruim, ninguém conhece a banda e a banda é amiga dos organizadores do evento; e) a banda é o Tractor Billy.

segunda-feira, março 14, 2005

Rave On U - parte II

A maior besteira que já li sobre as raves era de que tal cultura se tratava de uma versão “anos 90” do movimento hippie, argumentando-se que a psicodelia e o clima de “paz e amor" estavam de volta na forma de música eletrônica e de uma nova droga sintética – o ecstasy. De fato, reuniões de dezenas de milhares de cabeças em prol da dança e de uma suposta comunhão de interesses pacíficos e de celebração acabou incentivando inúmeros espertinhos a apelarem para tal comparação. Por mais que você despreze o ideal hippie nos dias de hoje (e eu o desprezo!), há de se reconhecer que os tempos eram outros, de que havia uma guerra em andamento (a do Vietnã), e que a música naquela época se transformara num complemento perfeito para mudanças de comportamento bastante sérias como a liberação sexual, o crescimento dos movimentos feministas e anti-racismo e, obviamente, o uso de drogas. Aliás, neste último ponto os ravers se assemelham bastante aos hippies de outrora: drogas e mais drogas, neurônios perdidos no espaço e muita alienação no ar. A busca pela “liberdade” muitas vezes se dissipa em atitudes meramente vazias.

O filme “24 Hours Party People” (no Brasil, “A Festa Nunca Acaba”) exemplificou bem a mudança de comportamento do público inglês quando as bandas de rock perderam espaço para os DJs. De repente, letras e posturas de preocupação coletiva foram deixadas de lado em prol da dança e do transe hipnótico individual – ainda que vários corpos estivessem juntos no mesmo espaço, estava cada um em sua trip solitária, comunicando-se com o cosmos ou algo do tipo. É neste ponto que reside minha maior crítica ao universo rave: não há troca de energia verdadeira entre os indivíduos a partir do momento em que substâncias químicas produzidas em laboratório ditam suas ações. Como havia escrito na primeira parte deste texto, o coletivo sorridente e aparentemente feliz numa pista de dança na verdade esconde uma realidade individualista e, por que não, vazia de conceitos. O espírito chamado de “PLUR” (Peace, Love, Union and Respect), tão presente em flyers de festas do gênero, acaba quando a onda do ecstasy vai embora. Sorrisos, liberdade, união na pista de dança... a bala se dissolve no suor e cada qual parte de volta ao seu mundinho.

Logicamente há exceções – argumento este que já fora terrivelmente utilizado até para nazistas, diga-se de passagem. Na própria Europa, berço desta cultura, as raves são consideradas um importante instrumento de mobilização cultural e social. Desde meros desafios às autoridades (raves ilegais com mais de 60 mil pessoas, durante três dias e sem nenhum poder público sabendo disso), até o fortalecimento de sociedades alternativas (os squaters, que invadem imóveis abandonados e instalam modos de viver peculiares, por exemplo) e de meios de comunicação sóbrios e ao mesmo tempo inovadores (um grupo raver criou um canal de TV independente na França, onde a divulgação de suas festas divide espaço com campanhas de prevenção à Aids, pró-aborto e pró-minorias étnicas). Particularmente nos países do Leste Europeu, as raves se tornaram um instrumento de liberdade individual, social e cultural como eles nunca o tiveram, sendo comparável (sim!) ao movimento hippie dos anos sessenta na América do Norte. Trata-se, enfim, de uma cultura com raízes muito profundas na Europa e, portanto, dotada certamente de uma carga política bem consistente.

No Brasil, como não poderia deixar de ser, os valores são outros. Qualquer cultura importada do exterior passa primeiramente (e, às vezes, não sai dali) pelas mãos de classes mais abastadas, que contam com um acesso maior à informação de fora. E nossas contradições sociais se afloram também neste universo. As festas rave são direcionadas a um público maioral das classes A e B, com poder econômico suficiente para pagar ingressos caríssimos para os padrões comuns brasileiros. Artifícios ecológicos e espirituais são constantemente ligados aos eventos do tipo. O público consome isso com avidez impressionante, mas parece não aprender absolutamente nada. Festas na beira da praia ou ao lado de cachoeiras lindíssimas são o supra-sumo do desejo raver. Mas a quantidade de gente mordendo a orelha nas pistas dificilmente estará se preocupando com o meio ambiente local. Uma atitude puramente alienante, vindo justamente de uma faixa de público privilegiada e que teve acesso à boa educação e à informação.

O fio condutor desta história descamba para o exagero. Muita gente na cena, muita droga rolando, muitos pais se indignando. O fato é que, de uns três anos para cá, as raves têm se tornado o “Inimigo Número Um da Família Brasileira”, dados os excessos cometidos pela maioria. No Rio de Janeiro e em Santa Catarina as raves estão simplesmente proibidas. Telejornais de grande audiência vez ou outra despejam matérias de cunho sensacionalista na cara de todo mundo – se bem que é muito fácil filmar gente cheirando, fumando e entornando substâncias ilegais numa rave, pois quase todo mundo o faz! A Liga das Senhoras Católicas de Nazaré está pronta para invadir as raves e jogar água benta nas almas perdidas da música eletrônica!! É engraçado, é irônico, é triste também.

Bem ou mal, o fato é que as raves aqui no Brasil têm sido cada vez mais forçadas a assumir posturas mais sérias diante das autoridades. Parece que estão cortando o barato da galera que só quer se divertir. Mas, quando traficantes de ecstasy, ácido, maconha e cocaína bancam a realização de grandes festas, é sinal de que algo está desandando. Infelizmente, para muita gente de fora deste meio, rave é sinônimo de diversão perigosa, alienada e sem futuro para ninguém. Quando eu disse na primeira parte do texto que “alguma coisa mudou em minha vida”, queria afirmar que um tipo de diversão, que fora outrora uma descoberta tão legal para mim, não poderia levar um fim tão sinistro. Ainda adoro a idéia de me divertir dançando num lugar paradisíaco, viajando numa decoração alucinante e sem preocupações com o mundo. Mas, ao mesmo tempo, há uns três anos que eu não me sinto bem numa rave, pelo simples fato de não conseguir arrumar amizades ou mesmo estabelecer qualquer tipo de comunicação mais profunda com quase ninguém neste ambiente. É uma pena.

domingo, março 13, 2005

Rave On U - parte I


Esta foto é da primeira festa trance que fizemos na Fazenda Camping Barra do Jucu - abril de 2001
Foto by Kalunga

Lembro-me como se fosse hoje: carnaval de 98, Trancoso, sul da Bahia. De um grupo de mais ou menos dez amigos que estavam ali, a maioria esmagadora curtia rock and roll e torcia o nariz para a música eletrônica. A hipótese de alguém ir para uma rave à beira da praia comigo e com o Turco seduziu apenas ao brother Mentor, que imaginara não ter nada a perder e tudo a acrescentar – não custava nada, literalmente (a rave era gratuita), conhecer algo novo até então. Um doce na cabeça (eu e o Turco, apenas), algumas doses de cachaça de jararaca (sim, tinha uma cobra dentro da garrafa) e lá fomos nós, no meio do escuro, em direção ao bar Vegetal. Chegando perto, o tum-tum-tum eletrônico foi ficando mais intenso, mas ao mesmo tempo não víamos nada. Mais alguns minutos e, de repente, enxergamos algo como um disco voador no meio do mato, com dragões e Ets fluorescentes brilhando com o efeito da luz negra. O pico estava cheio, mais de gringos do que de brasileiros. Performances pirofágicas espetaculares elevavam o nível de adreanlina dos presentes. O som – que som era aquele?? – era repetitivo, pesado, hipnótico, psicodélico. Apesar de todas as idéias pré-concebidas, nós realmente nos surpreendemos com o que vimos. De minha parte, pelo menos, algo mudou em minha vida.

Ver o Sol nascer numa praia paradisíaca naquela ocasião foi algo fantástico. Nós três quase não dançamos. Ficamos observando as pessoas, sacando o som, pirando na decoração, tentando entender que tipo de vibração era aquela. Para mim, a música eletrônica não era nenhum mistério há tempos. Mas fiquei surpreso com o conjunto de fatores apresentados em Trancoso de uma vez só. O trance que eu conhecia era algo mais viajandão, melódico, mas nunca com o peso quase industrial que aqueles franceses (os caras do Total Eclipse, como fiquei sabendo depois) estavam tocando. Pude perceber que havia uma espécie de conduta padrão no público ali presente: camisetas fluorescentes, dança ininterrupta, sorrisos estampados constantemente, pouco álcool, muita água e maconha. E também a ausência quase que total de comunicação verbal entre os presentes, ainda que rodinhas de dança se formassem a todo momento. Pouco ou nada do hedonismo a que tanto falavam sobre o público raver.

Confesso que, num primeiro momento, fiquei empolgado além da conta com aquilo tudo. Eu e o Turco já vínhamos agitando o som em festinhas particulares de amigos, misturando rock, hip-hop e alguns breakbeats, mas sempre sonhando em tocarmos um repertório basicamente eletrônico e que pudesse se expandir em algo maior, com mais público e mais acessível. A música eletrônica no Espírito Santo carregava, até então, a pecha de som de viado, entre outras categorizações preconceituosas do tipo. Era muito gueto para o público em geral. Pois o trance encaixava-se como uma luva para esta pretensa expansão que sonhávamos. O som era envolvente, balançado e não possuía aqueles vocais de divas exagerados ao extremo e que queimavam o filme da música eletrônica para os ouvidos menos acostumados.

Embalados por uma típica inocência de quem acabara de descobrir um brinquedo novo, nós fomos à luta para fazer acontecer algo do tipo no Estado. Encontramos com o Pablo, que tinha toda a disposição e recursos para tal empreitada (chamavámos o cara de “O Homem-Rave”), e fizemos umas festinhas memoráveis. A cada balada, o público ia aumentando. O apelo visual das festas contava muitos pontos a favor. Alguns ainda se assustavam com o peso do som. Outros afirmavam que era preciso importar de Trancoso um ônibus cheio de malucos doidos de bala para corromper a inibição do público que insistia em ficar parado, observando. Para mim, bastava minha cervejinha gelada... Foi tudo muito divertido, inocente e marcante – pelo menos para nós. Sem apelar para a nostalgia barata, mas foram tempos que não voltaram mais. E que fique assim.

Continua...

quarta-feira, março 02, 2005

Um Anthrax De Leve no Capixabismo

Falar mal do Espírito Santo é chutar cachorro morto. É batido, é obvio, é inútil. Tão inútil, aliás, quanto aquele mural horrível que polui,ops, existe em homenagem a Roberto Carlos, lá em Cachoeiro de Itapemirim. Nossa! Imaginem só que o veneno escorre até para o morro do Penedo – uma tentativa frustrada de A Mãe Natureza construir uma versão capixaba do carioquíssimo e famosíssimo Pão de Açúcar. Porra, não me contive! Acabei caindo no óbvio e falando mal do nosso Estado! Que merda! É um cachorro correndo atrás do próprio rabo: não vai dar em nada! Pois é, aqui as coisas até acontecem, mas sempre acabam... em nada!

Manimal, congo, reggae, Ilha, moqueca, Edu Henning... cara, isso sim que é um conjunto de palavras já surradas, sacanaeadas pelo gosto comum de quem possui um pingo de opinião própria. Tão enfadonho que é louvar estes sinônimos locais quanto também é inválido apenas criticar, cuspir, zoar, rir disso tudo. Sim, pois – como já havia citado ali em cima - o cachorro vai comer o próprio rabo... ou mijar no teu pé! De tanto ser detonado, o capixabismo acaba por minar suas pretensões profissionais, intelectuais, amorosas até. Involuntariamente acontece e você nem percebe o quanto está afundado nisso. Como havia dito, genericamente, meu grande amigo Júlio Caldeira, o Mentor: “em Vitória as coisas não passam da média. Salários medianos, funções medianas, oportunidades medianas, serviços medianos”. Para cair na mediocridade é um pulo. Um salto no mangue capixabista, onde até caranguejo é mediano – vocês já viram o tamanho das puãs dos crustáceos baianos??!!

Por essas e outras que quem não se conforma com tamanha cultura mediana acaba por dar linha daqui, como o próprio Roberto Carlos, a Maísa, o Sérgio Sampaio... quem mais? Quantos mais que nasceram na terra de Gratz e que triunfaram fora daqui omitindo suas origens? Tem tanto capixaba famoso por aí que ninguém sabe... Outra hipótese é arrumar um trampo burocrático, tipo concurso público. Não enxergo demérito algum nisso, que fique bem entendido! Ter um emprego que pague um salário acima da média (que no parâmetro capixaba não precisa ser muito...) é uma vantagem absurda neste lugar, pois a qualidade de vida que se pode conquistar em Vitória, por exemplo, faz você se dar conta do quanto nossa capital é bonita, barato de se morar e de se comer. Dá até para comer moqueca sem ser turista! Nossa, falei agora igual a um secretário de cultura local qualquer...

A última hipótese a ser considerada no Espírito Santo é de remar contra a maré – ou contra a puxada de rede. Aí, meu amigo, você viverá momentos de ascensão e queda tão vertiginosos que parecerão lenda para os ouvidos de forasteiros. É muito fácil ganhar destaque no Estado, basta ter um pingo de originalidade e/ou ousadia. A mídia abre as portas para suas idéias, o público consome com avidez aguda as novidades, até o céu se abre para os lampejos de criatividade sempre raros por aqui. Até que um dia a novidade se dissipe na onda dos maria-vai-com-as-outras, da rejeição provinciana típica de cidades com menos de 10 mil habitantes. Aí você pode tentar reinventar-se, trocar de pseudônimo, lançar novas idéias que contenham os mesmos conceitos. A luta se restabelece, sempre contra a maré. Maré esta que enche e seca, assim como os neurônios que se alimentam do paupérrimo conteúdo que permanece em solo capixaba. É Miguel Fallabella no lugar de José Celso. É Cid Guerreiro no lugar de Nação Zumbi. É Bohemia Weiss descendo quadrada neste calor infernal que azeda qualquer moqueca. Vez ou outra ocorre um Anthrax ou um De Leve no mesmo final de semana. Seria o caso de jogar um Anthrax De Leve naqueles que tanto reclamam e nada fazem? Poderia ser uma boa-idéia-inútil, assim como o cachorro que corre atrás do seu próprio rabo e ainda mija no teu pé.