domingo, dezembro 04, 2005

NINE INCH NAILS

Ainda estou surpreso com a vinda do Nine Inch Nails ao Brasil. Como já havia escrito num post lá embaixo, a banda de Trent Reznor nunca foi bem assessorada por estas plagas, com os parcos lançamentos tendo sido muito mal divulgados, à exceção óbvia de “With Teeth”, seu mais recente petardo, justo por conta do show no Festival Claro Que É Rock. A julgar pelas palavras de um fã que, desde 1991 ouve com devoção, gasta os tubos com lançamentos importados e/ou edições limitadas de EPs, singles e DVDs (até um box set eu tenho!), é deveras esquisito que esta tal pessoa não tenha ido a este show, certo?. Pois é, são coisas da (minha) vida, que não dizem nada à respeito do assunto em questão, mas que por motivos de força maior fizeram com que este que vos escreve tenha perdido o show de “uma-das-bandas-de-minha-vida-entre-mais-cinco-ou-seis”. Mas me sinto vingado. São 15 anos ouvindo sozinho este (e muitos outros mais) som sem que praticamente ninguém (as poucas exceções sabem que eu sei quem são) desse a devida e merecida atenção. Aos notívagos no universo de Trent Reznor & Cia., as resenhas de toda a sua (econômica, diga-se) discografia, escrita por quem – sem falsa modéstia – sabe do assunto.

*Eu não sou daqueles fãs que sabem a cor da cueca do Reznor, por favor! O que vem a seguir é um relato pessoal, dentro do possível tecendo críticas justas, sem babações desnecessárias.

Os anos 80 e todo os seus exageros estético-visuais estavam com o prazo de validade esgotado, naquele longínquo 1988. Os poucos artistas que produziam algo de bom naqueles tempos procuravam enterrar de vez aquela década o quanto antes. Um deles, porém, era o paradoxo do futuro iminente coagindo com o passado intermitente. Quem era aquele cara que criou uma banda formada tão somente por sua pessoa, que praticava o tipo de música mais futurista que havia no momento, e que ao mesmo tempo absorvia na maior cara-de-pau as melodias daquela década tão abnegada? Trent Reznor surgiu do underground conceitual da música industrial/EBM, tão em voga naqueles tempos. Porém, possuía neurônios muito mais ativos e que o faziam enxergar tocando em grandes palcos e não em pequenos clubes esfumaçados lotados de gente esquisita. O cara tinha visão, mas também era dotado de um talento extraordinário. Sozinho, juntou duas ou três vias já existentes e criou a sua própria estrada.

“Pretty Hate Machine”, à época de seu lançamento, assustava por um estreante apresentar tamanha qualidade de produção sonora que, não por menos, ficou à cargo de gênios de estúdio como Adrian Sherwood e Flood - o primeiro famoso por investidas vanguardistas nos terrenos do dub e do industrial, o outro por seus trabalhos com Depeche Mode e U2, além do próprio Reznor. Mas o senso melódico do dono da banda mostra a sua cara logo na abertura, “Head Like a Hole”, um autêntico clássico cyberpunk, com eletrônica pesada, letra forte e melodias marcantes. “Terrible Lie”, com seu mix improvável de Prince e Skinny Puppy, segue o disco promovendo uma inquisição de sentimentos engasgados na garganta de seu autor. “Down In It” é um cyber-rap pesado, enquanto que “Sanctified” colide uma batida eletrônica reta com um baixo meio disco, climas sombrios (estes permeiam todo o álbum) e letra/melodia de arrepiar. A viagem segue abismo abaixo com a estupenda balada “Something I Can Never Have”, de rara e sinistra beleza. O lado B (estou me baseando na fita K7!) puxa o beat para cima com “Kinda I Want You”, um rock electro-dançante de conteúdo altamente sexual/subversivo. “Sin” possui um doce sabor 80’s, dançante e com timbres típicos, mas a letra e a melodia cáusticas assopram a afetação para longe. “That’s What I Get” e “The Only Time” são duas quase baladas cujas funções melódicas resistem ao tempo, pois seus timbres eletrônicos realmente soam datados. “Ringfinger”, por incrível que pareça, fecha o disco num clima bem dançante e para cima, com direito até a uns scratchezinhos. Após tantas sombras e dor, um pouco de amenidade para aliviar.
*”Pretty Hate Machine” é um álbum essencialmente eletrônico, com os demais elementos aparecendo de forma mais discreta, porém incisiva. Na lista de agradecimentos do encarte, Reznor cita influências díspares como Prince, Clive Barker (sim, o cineasta famoso por filmes de terror), Jane’s Addiction, Public Enemy e This Mortal Coil. Tudo faz sentido.
**Por conta deste disco, o NIN recebeu o convite para participar da primeira edição do festival itinerante Lollapallooza, em 1991. Reznor & Cia.(ele montou uma banda “de verdade” para tal), ao que consta, roubaram a cena com shows eletronicamente subversivos (era o início da quebra de teclados no palco e coisas do tipo), saindo de lá aclamados e fazendo com que o disco de estréia ultrapassasse a barreira do milhão de cópias vendidas.

Quisera o Trent Reznor não ter caído na lorota do selo TVT Records, pois os tais impuseram um contrato falcatrua ao cara, deixando-o quase como um escravo que não podia usufruir da fama e da grana obtidas com seu álbum de estréia. Foram mais de três anos de batalhas judiciais e um quase assassinato - o cara invadiu o escritório da gravadora com uma faca na mão!, o que influiu no processo de composição do EP “Broken”, em 1992. O som do disco é pesadíssimo, lotado de guitarras raivosas e eletronicamente alteradas. Foi bastante comparado ao Ministry na época, mas estava mais mesmo era para o noise-industrial de raiz roqueira (e não metaleira, como a banda de Al Jourgensen) dos suíços Young Gods, com tudo, obviamente, sendo direcionado pela marca registrada de Reznor e que surgia cada vez mais forte. São seis faixas matadoras, com outros dois interlúdios instrumentais postos a dar um freio na locomotiva para que esta pudesse voltar atropelando tudo pela frente. “Pinion” precede o esporro dançante de “Wish”, que é sucedida pela quase heavy metal “Last”. “Help Me, I’m In Hell”, instrumental sinistra e de nome sugestivo, abre caminho para a pancadaria industrial de “Happiness In Slavery”, cujo videoclipe mostra toda a sorte de mutilações e sadomasoquismo. “Gave Up” é quase um hard rock - quase, pois Reznor jogou tudo no caldeirão e dali saíram uma bateria eletrônica nervosa, um refrão poderoso, e um solo de sintetizador! Como bônus, o EP, em sua versão original, apresenta num mini-CD a redhotchillipepperiana “Suck” (tudo bem, o refrão explode tudo...) e a pesada e arrastada “Physical”, com camadas e mais camadas de guitarras e sintetizadores. “Broken”, até o momento, é o disco mais pesado de Reznor.

“The Downward Spiral” é o auge da criatividade de Trent Reznor, deixando por definitivo sua marca na música pop. Pop?!? Pois é, acreditem, mas a sonoridade nem um pouco comum deste álbum fez a banda galgar altas posições nas paradas e chover convites para trilhas sonoras e participações nos maiores festivais da época (1994/95). A fórmula NIN definitiva é composta de muita, mas muita barulheira industrial, riffs de guitarras pesados, computadorizados e alterados, e melodias marcantes, indo do mais sombrio ao mais doce e palatável. É difícil apontar destaques neste disco, pois praticamente todas as suas faixas viraram hits. Fãs de “Broken” se identificarão com as pancadarias de “Mr Self Destruct” (e seu final inaudível), “March of The Pigs” (batida quase hardcore e pianos a lá Faith No More), “I Do Not Want This” (batida abafada, refrão explosivo) e “Big Man With a Gun” (num crescente de guitarras e synths). O beat se torna mais dançante nas excepcionais “Heresy” (EBM com vocais em falsete), “The Becoming” (festa de synths, violões e melodias grudentas) e no mega-hit “Closer” (de melodia doce e letra subversiva). As estranhezas surgem ainda mais fortes no peso arrastado de “Reptile”, nos instrumentais quase ambient de “Downward Spiral” e “Warm Place”, e na jazzy “Piggy”. “Hurt”, uma balada de letra e melodia fantásticas, fecha o caos de “The Downward Spiral” da forma mais inusitada possível.
*Depois deste disco, tudo o que levava o rótulo de “industrial” acabou sugando até a alma do NIN. A lista é extensa, pois até mesmo medalhões pop buscavam por algo parecido.

“The Fragile” é um ótimo disco. Mas o inevitável aconteceu: a sonoridade do NIN encontrava-se em franco desgaste. Afinal, foram cinco anos em que deus e o mundo usurparam das fórmulas criadas por Trent Reznor. O disco (duplo) em questão revela-se um beco sem saída para quem procurava por termos como inovador e original, tão comumentemente associados à obra do NIN. Se a sonoridade do disco soa como uma versão domesticada de “The Downward Spiral” (menos sujeira, menos caos, mais coesão na mistura), as letras de Reznor revelam-se mais maduras e introspectivas, o que reflete diretamente nas melodias. Poderia se dizer que “The Fragile” é um disco mais, digamos, bonito de se ouvir, vide os arroubos de agressividade dosados com beleza pura de “The Wretched”, “Where In This Together” (com seu tocante videoclipe) e “The Mark Has Been Made” que, logicamente, não são os únicos destaques. Para o fã convicto do NIN, este álbum duplo soa como uma coletânea de músicas inéditas da banda, que compilam perfeitamente as três fases anteriores – eletrônica, peso e caos. “The Fragile” é o disco mais acessível, o que o torna uma excelente porta de entrada para o universo musical de Trent Reznor.

E o ano de 2005 está aí com disco novo do NIN na praça. E, querem saber de uma coisa? Vão comprar (ou baixar) e tirar suas próprias conclusões, seus bastardos embalistas de última hora! Afinal, a banda tocou num grande festival e agora todo mundo quer ser fã do NIN desde criancinha, né não? Enquanto isso, vou ouvindo sossegado – e sozinho – minha cópia em CD-R (presente daquele indie gordo e peludo do Taylor) de “With Teeth”, pensando em adqüirir logo o disco original para completar o buraco na minha coleção.

Bônus – EPs, Singles, Ao Vivo, Remixes, Bootlegs, Videos, etc.

Dos singles, sempre há coisa boa de sobra de estúdio inédita ou coisa assim. Eu destaco a excepcional versão de “Get Down Make Love”, do Queen entre os remixes de “Sin”, e o cover do Soft Cell, “Memorabilia”, em “Closer to God” – ambas as faixas completamente vertidas ao estilo do NIN. Os discos de remixes do NIN – é tradição eles lançarem as remixagens um tempinho depois após os álbuns “normais” – são um tanto quanto chatos, pois a maioria das versões descamba para a barulheira industrial pura, sobrando um ou outro destaque entre tais tranqueiras – procure que você os acha, vide os remixes de “Happiness In Slavery” (do EP “Fixed”) e “Mr Self Destruct” (de “Further Down The Spiral”), além de sempre conterem algumas faixas inéditas perdidas na bagunça. E nas trilhas sonoras você acaba encontrando algumas das melhores músicas da banda. É o caso de “Burn” (do filme “Natural Born Killers”), “Perfect Drug” (“de “Lost Highway”) e o fantástico cover de “Dead Souls”, dos baluartes pós-punk/gótico do Joy Division.

O álbum/DVD ao vivo “And All That Could Have Been” é excelente, pois capta a banda na sua essência do palco. Ouvir o CD é ficar babando pelo DVD: compre, roube, baixe ou grave de mim! E eu tenho alguns bootlegs em CD original: “Woodstock 94” possui gravação perfeita e diversas faixas que não entraram no ao vivo oficial, como “Down In It”, Happiness in Slavery”, “Burn”, “The Only Time”, “Ruiner”, “Help Me I’m In Hell”, “Dead Souls” e “Something I Can Never Have”, todas elas em versões matadoras. “Children of The Night” é um pirata ao vivo da turnê que o NIN fez com David Bowie em 1995, destacando “Sanctified” e “The Becoming”, além de “Reptilian”, “Hurt” e “Scary Monsters” (de Bowie), todas elas com a canja do ex-Ziggy Stardust nos vocais. O outro pirata que tenho poderia ser o melhor de todos, pois é um disco duplo com o registro completo de um show da tour de “The Downward Spiral”. Mas há um porém: a gravação é uma merda! “Slaugher In The Air”, o disco em questão, só valeu à pena os dólares investidos por conta de uma coisa: no disco 2 há, na íntegra, a primeira demo do NIN, com versões pré-“Pretty Hate Machine” (e bem diferentes) de “Sanctified”, “The Only Time”, “Kinda I Want You”, “That’s What I Get”, “Ringfinger” e “Down In It”, além das totalmente unreleased “Maybe Just Once” e “Purest Feeling”. Fã paga caro para levar apenas um algo mais. Sou uma besta mesmo...
*Não resenhei o VHS (até quando vou ter de esperar pelo lançamento em DVD?!?) duplo “Closure” pelo simples fato de não ter conseguido comprar na época. Segundo fontes seguras, é o melhor vídeo dos caras, disparado!