segunda-feira, outubro 30, 2006

As pedras (e algumas cabeças) vão rolar...



Comprei a Rolling Stone brasileira. Apesar de toda a desconfiança do mundo, de saber que aquela revista, retratada miticamente no filme “Quase Famosos”, atualmente (na verdade, desde os anos 80) se resvala no máximo que a cultura pop que habita e se alimenta do mainstream seja a força motriz de algo que já foi, quem diria, um baluarte do bom jornalismo musical/cultural. Pois é, apesar de tudo, eu ainda pertenço a uma geração que necessita de leitura que possa ser manuseada por meio de folhas e não somente por cliques no mouse. Porra, eu ainda gosto de levar uma revista para ler no sagrado momento da cagada matinal, por exemplo. É por esta necessidade, até mesmo fisiológica, que acabo comprando também revistas de heavy metal, mesmo não sendo muito afeito àquele universo. Eu preciso ler alguma revista!!! E a Rolling Stone tupiniquim até que me surpreendeu, tendo em vista a enorme e inofensiva placidez que reina em nossas bancas de jornal neste segmento específico.

Pra começo de conversa, a capa com “A Nossa Maior Pop Star”, Gisele Bündchen, não deixa dúvidas sobre qual universo a Rolling Stone nacional se situa: é pop, pop e pop! A matéria, propriamente dita, é um embuste sem conteúdo algum, mas também um tiro inicial certeiro para atrair compradores que englobem tanto uma senhora dona de casa e leitora de Caras, quanto um senhor quarentão nostálgico e ávido por boa leitura musical/cultural que ficou perdida em algum lugar dos anos 70 (e que deve viver sonhando em “dar um trato nessa Gisele aí”). Chamadas na capa com hypes tipo Franz Ferdinand e todas aquelas bandas novíssimas com “The” no nome, e pronto: chama-se a atenção também para a “geração web”, sedenta por downloads rápidos e informações rasas. Já entraram em campo com todos os goleadores no time titular, chutando para os dois gols ao mesmo tempo, querendo agradar a todas as torcidas e acreditando na classificação final por goleada. Some-se o altíssimo poderio que a matriz norte-americana possui para rechear as páginas com exclusivas de artistas hollywoodianos e tem-se uma revista em ponto de bala para reinar no seu segmento, certo?

A comparação com a versão atual da Revista Bizz é inevitável. Pois a nova Rolling Stone brazuca repete matérias e resenhas com artistas que são figura cativa nas páginas da publicação da Editora Abril. As seções fixas de ambas se parecem muito, inclusive. Mas a Stone nacional deixa a Bizz no chinelo por uma mera questão quantitativa. Ao oferecer quase o dobro de páginas e em tamanho maior, nossa filial brasileira disponibiliza, enfim, um conteúdo um pouco mais detalhado e que faz fixar o leitor na revista por um período que seja maior que o de uma hora – que é o tempo médio gasto para consumir a Bizz de cabo a rabo. A mesma Bizz insiste em tentar agradar à “geração download” disparando matérias superficiais com artistas de carreiras superficiais, construindo lindas peças de editoração gráfica (estariam eles querendo abocanhar algum prêmio nesta área?!?) e oferecendo muito pouco do que fora prometido em sua volta: “textos mais profundos e informações exclusivas”. Qual informação é exclusiva a uma publicação de papel se a web fornece tudo mais adiantadamente? E que textos estes que são tão profundos assim se a revista perde a maior parte de seu espaço total com matérias não maiores que uma página - quando muito? A Bizz só gasta um pouco mais o nosso tempo com matérias um tanto quanto aprofundadas ao abordar nomes/fatos do passado (residem ali, admito, algumas excelentes reportagens), enquanto que patina abobalhadamente quando tem de escrever sobre algo mais recente.

Nossa Rolling Stone, já sabem os bem informados, pretende ser algo aqui da mesma forma como ela já é - e não o que tenha sido - lá nos States: uma mídia extremamente mainstream, com algumas pitadas a mais neste segmento. Estas pitadas a mais vieram em forma de boas matérias como a sobre o Acre e a do PCC (da Redação nacional), e as que enfocam as personalidades de Jack Nicholson, Bob Dylan e Daniel Pichenback (uma espécie de “guru psicodélico” dos tempos atuais) – todas estas últimas produzidas pela matriz norte-americana. Apesar de haver uma preocupação em manter equilíbrio entre a quantidade de material gringo e nacional, os nossos representantes locais deixaram a desejar nas matérias sobre Brasília (muita opinião, mas pouca apuração de fatos propriamente dita) e demais micro-entrevistas (não acrescentaram nada além do que você já leu bem antes na internet). Fora que a linguagem utilizada parece querer se comunicar globalmente, transparecendo um certo ranço superficial tais quais são os textos, por exemplo, de Sérgio Martins (que, acreditem, já foi editor da Bizz!) sobre música na Veja. Uma coisa que eu não esperava de nossa Rolling Stone, mas que fora alardeado aos quatro ventos pela Bizz, acaba faltando em ambas: ousadia! Isto, até a extinta Zero (lembram-se dela? Foi há tantos anos...) tinha mais a oferecer quando realizou matérias interessantes, como as experiências in loco com ácido lisérgico no Centro de São Paulo, e entrevistando personalidades tão distintas como Serginho Chulapa, Bozo e Negreti (o ex-baixista da Legião Urbana, que deve ter tomado umas para entregar tantos podres, de uma vez só, sobre o maior culto do pop/ rock brasileiro de todos os tempos).

A Rolling Stone brazuca não ladra por aí que quer ser ousada. A Bizz late, late, mas não morde ninguém – a minha mais recente decepção ficou por conta das “Dez histórias que os fãs não gostariam de saber sobre Renato Russo”: prometeram “ousar” e mexer num vespeiro, mas apenas fizeram o básico para garantirem grandes vendagens em cima de um mito inabalável. Por essas e outras que acredito que a nossa Stone vá engolir por total a “concorrente” Bizz. É como um grandalhão forte e dono de uma empresa cheia de investimentos em dólar querendo tomar o lugar de um indie nerd e magricela, que depende da mesada dos pais (leia-se: Editora Abril) para se manter. Nas bancas de jornal, aqueles conteúdos de cultura pop que realmente fazem a diferença incoerentemente residem em publicações que não se anunciam como residentes deste universo, tais quais algumas ótimas reportagens em publicações como Trip, Playboy, TPM (a única revista feminina que não é machista nem panfletária!) e até mesmo Fluir. Todas estas revistas são voltadas para um público mais adulto, mais maduro como elas afirmam. A Bizz parece ser tocada por trintões que estão perdidos num espaço-tempo que varia entre resgatar o passado que não viveram e correr atrás do que os mais novos conseguem com muito mais rapidez por meio de um clique virtual. Já a nossa Rolling Stone, em seu primeiro número, faz tudo isso e mais um pouco – com muito mais páginas! Pelo preço de capa das duas (a Stone é 1 real mais barato), presumo que a Bizz esteja com seus dias contados e que seus colaboradores devam mesmo é estar sonhando com a estabilidade dos dólares de Tio Sam que pairam sobre a redação da Stone brasileira.

*Apesar de tudo o que escrevi, vou continuar comprando estas revistas. Elas ainda me são bastante úteis e conseguem me arrancar algum prazer. Mas tenho que sentar o ferro na boneca, pois satisfeito eu não me encontro!

*Ainda penso que os melhores textos e reportagens residem por aí no meio de comunicação mais democrático de todos os tempos: a internet. Mas ela ainda não é tão acessível (paga-se, ainda, um preço bem salgado por uma conexão decente), tem de se filtrar muita, mas muita coisa para se chegar a um resultado satisfatório, e simplesmente não dá para levar o computador para o banheiro na minha cagada matinal!

terça-feira, outubro 17, 2006

A Bala Eletrônica


Mais terror flúor na área!
Foto by Kalunga


Quando se fala em música eletrônica aqui no Estado atualmente, a “cena” local resume-se praticamente ao furacão da moda do psy trance e uns gatos pingados fãs de house, electro e Prodigy perdidos por aí. É incrível saber que a maioria esmagadora do público que freqüenta as raves psicodélicas de hoje nem sabia da existência de uma história anterior aos últimos três anos de bombação fluorescente. Sorte a desse povo, que não teve que sujar os pés na lama primordial do surgimento desta tal “cena”. Meus amigos, mas rolava cada roubada que nêgo hoje não tem nem parâmetro para medir o altíssimo nível das produções atuais com o samba-do-raver-doido que pairava amalucado até o ano de 2003. Neguinho atirava para tudo quanto é lado. Pintou aí até uma bala eletrônica que fez gente rolar no chão – no mau sentido!

O dono da festa tinha idéias mirabolantes. Malucão de carteirinha, veterano em pirações de acordo com o que lesava os incautos e onipresentes de frases de efeito (retardado...) tipo “pô, mó viagem!, o tal cara já havia investido em boates com surf music australiana (isso foi moda por aqui no final dos anos 80), apostou pesado em rocks baseados na onda regueira, e no final de 2003 encontrou o nicho perfeito para pirar o cabeção: as raves! Ele era dono de uma empresa de iluminação, o que já era garantia de um evento com boa produção neste quesito. Mas o mesmo também comercializava fogos de artifício (!), e queria utilizá-los a pleno vapor no momento da festa. Para completar a viagem, ele já havia batizado o nome da “rave”: Electro Bullet (“Bala Eletrônica) – sua intenção era criar uma empatia imediata com a malucada que já abusava de bala (gíria tupiniquim para a droga sintética ecstasy) e que poderia aderir à temática da festa mais facilmente. Porém, a idéia dele era de “reunir tribos”, e por isso escalou um line up totalmente diversificado: Sybel (minimal house), J3 (hip-hop), Guga Prates (progressive house), Léo Santos (tech house) e o Kalunga aqui que vos escreve. Diversos estilos musicais diferentes, fogos de artifício, festa “temática” (“bala eletrônica”, lembrem-se!!!) e um local supostamente alucinante... Sobrou confusão!

Pois é, o tal “local alucinante” se tratava de um enorme terreno descampado, localizado nos confins da Barra do Jucu, com muito barro, lagoas de pesque-e-pague, um campo de futebol, uma única choupana (se chovesse, já era!) e enormes paredões que receberiam projeções de luz. Fomos lá, eu e os outros DJs, dias antes e constatamos que o lugar era, no mínimo, “diferente”. Fosse um grande festival de rock, tipo com umas 15 mil cabeças, faria sentido àquela enormidade toda. Não foi bem isso que aconteceu... Mas o legal é que nós, os DJs, fomos ouvidos o tempo inteiro, recebemos tratamento vip até o dia do evento e, acreditem, recebemos cachê com três dias de antecedência! Explica-se: o dono da festa tinha a maior fama de malucão. Com o próprio tendo consciência de sua reputação, tratou logo de nos assegurar de que nada sairia de errado. E o figura não inspirava muito crédito não, tendo em vista o fato dele sempre acender baseados enormes e soltar fogos de artifício (?!) em todas as reuniões que tivemos. Ele sacou isso e colocou grana na nossa mão adiantadamente. Demos o devido crédito - com o bolso cheio, todo mundo fica feliz – e fomos para a tal Bala Eletrônica.

Primeiro erro: a escalação absolutamente eclética, que não rendeu a aceitação que o dono da festa esperava. Tantos gêneros musicais distintos já se segmentavam, cada qual em seu nicho, e todos reunidos numa só festa não atraíram tanta gente assim. Das duas mil cabeças esperadas, devem ter ido umas 150, 200 no máximo. O psy trance popularizava-se a plenos pulmões e a festa “rave” deveria ter se fechado neste estilo pois, ao final de tudo, quando fui tocar (era o último, por ter um “som mais pesado”), o negócio descambou para um fight club no sentido literal da palavra... Segundo erro: o local. 150 pessoas num lugar onde cabiam 15 mil, daí vocês tirem suas conclusões sobre os espaços que sobraram. E o terceiro erro quem provocou... fui eu mesmo!!! Fogos de artifício, balas eletrônicas nos cérebros das pessoas, e um irresponsável que resolveu apagar fogo com gasolina no final de tudo. Olha, a minha sorte era que todo mundo ali estava maluco demais para tentar localizar o verdadeiro culpado daquele fim de festa sinistro, hehehehe...

O que rolou foi que, ao longo da noite, nenhum DJ/músico conseguiu fazer uma pista de dança. O público estava disperso, bebericando e fumando vários pelos cantos. Uma metade foi-se embora gradativamente. A outra metade, camisas-flúor de carterinha, esquentava as turbinas sob os efeitos da tal “bala eletrônica” (que fora comercializada em paralelo aos ingressos da festa) na espera pelo batidão psy e tomando altos tapas com os buscapés brilhantes que eram soltos no meio deles – falta de noção total, pois eu vi gente saindo correndo alucinada e apavorada dos tais rojões. Tentando segurar esta galera na festa, o organizador foi adiantando os sets dos outros DJs para que eu tocasse o tão esperado psy antes do amanhecer. E neguinho estava ficando nervoso – muitos trincando os dentes, querendo logo um trance nas caixas de som. Todos os que tocaram antes de mim não puderam ter seus trabalhos devidamente valorizados na pista, e era fato de que o público para o qual eu tocava naquela época azucrinava todo e qualquer DJ para que acabasse seu som para começar o psy trance logo. Pois bem, finalmente comecei a tocar e, depois de meia hora, a confusão começou a rolar.

O dono do local da festa encheu o saco e resolveu acabar com tudo tão logo havia chegado o amanhecer. Mas tinha uma galera pra lá de pilhada que não arredaria o pé dali antes do meio-dia. Iniciou-se um bate-boca entre organização, proprietários do local e donos da equipe de som. E eu mandando ver no trance, nem aí para aquele rolo todo. Eis que alguém desliga o som do PA. Como o som do retorno do palco não fora desligado, na mesma hora eu gritei: “Aí galera! Vamo subir no palco e quebrar tudo!! Não vamos deixar a festa acabar não!!”. Só sei que todo mundo subiu no palco, o chão começou a tremer, o dono do lugar estava falando que iria puxar uma arma da casa dele... e o som foi desligado de vez! Daí começou um bate-boca (mais um!) entre o público e a galera do outro bate-boca, neguinho pilhado, travado ou sei lá mais o quê. Uma menina pra lá de exaltada começou a apontar o dedo na cara do dono do lugar, o cara respondeu à altura, a mina deu um soco na cara do sujeito, os dois rolaram no chão, o troço virou um porradeiro generalizado, com mais mulher do que homem, todas batendo de mão fechada, e marmanjo apanhando bonito das meninas!

Nisso o meu cd que estava tocando por último ficou preso dentro do CD-J desligado. Ameacei levar o aparelho comigo se não me devolvessem o cd (uma porra de um simples cd-r!). O Rike e a Dessa, que foram à festa somente para se divertir, tentaram me acalmar: “Kalunga, seu louco! Vamos embora daqui o mais rápido possível!”. E eu ainda queria a porra do cd-r (não custava mais que 1 real...) que estava preso dentro do aparelho. No final das contas, combinei com o próprio dono do equipamento de me dar uma carona e ligar o CD-J longe dali, paraque eu finalmente pegasse meu querido cd-r. Já distante do porradeiro, a Dessa percebera que o Rike estava lá no meio e foi desesperada atrás dele. Todos devidamente instalados na carroceria de uma Fiorino, fomos embora o quanto antes, cruzamos com viaturas no caminho e deixamos aquela galera se comendo na porrada pra trás. A moral desta história foi que o episódio marcou o fim de uma era da qual a música eletrônica ainda significava o “moderno”, e que todo mundo queria cair de pára-quedas naquela onda. Hoje, para alguém se meter a produzir uma rave, tem que ter bala (eletrônica! hahahahaaha!!!) na agulha, investir somente no psy trance, esquecer das misturebas, apostar sempre mais do mesmo e sem arriscar, e nem saber que um dia as coisas já foram mais difíceis e engraçadas também. E o melhor de tudo é lembrar de uma roubada da qual eu, pelo menos, saí com o bolso cheio!!

segunda-feira, outubro 09, 2006

Me indicaram!


Este cara morreu produzindo música boa até o fim

Me indicaram!

Pessoas e fatos passam pela sua vida a todo instante, e alguns poucos são dignos de nota no seu cérebro. Penso o mesmo sobre música. Indicações ocorrem aos montes, e muitas vezes um som que mudou a vida de um amigo próximo seu pode lhe despertar a mais profunda indiferença. Porém, é sempre bom dar ouvidos às indicações, mesmo que exista a suspeita de que o negócio não vá provocar impacto algum – o que não foi o caso aqui. Estes três sons a seguir mexeram comigo, cutucaram no meu cérebro, e estão devidamente guardados na minha lista.

O punk rock, quando do seu surgimento, era a coisa mais urgente e “tapa na cara” que existia. O que poderia acontecer quando os ícones desta facção sonora envelhecessem? Afinal de contas, eles – os punks – vieram também para varrer as gerações anteriores junto de seus vícios. Era o futuro - ou no future, como cuspia Johnny Rotten. Mas como esta geração se comportaria fazendo parte de um passado já distante? Muitos deles acomodaram-se em carreiras e barriguinhas salientes de formas tão idênticas quanto os próprios dinossauros que eles clamavam por extinção. Tornaram-se aquilo tudo que criticavam. Vejo o mesmo acontecendo com alguns ícones da música eletrônica que vieram nos anos 90 arrombando as portas e empurrando o que havia de estabelecido na época para o parque jurássico dos acomodados em geral. Porém, do meu parco conhecimento no terreno do punk rock, sempre que a palavra "The Clash" era citada, surgiam na minha mente músicos que desafiaram seu tempo e que sempre apontavam suas carreiras para a evolução. O que meu amigo Paulinho Ramone já me mostrou destes caras não era brincadeira: em meio ao minimalismo sonoro propagado pelos punks, o Clash estreitava as relações com a Jamaica, fuçava o rockabilly e, de vez em quando, concatenava com até com o jazz e o ska. Seria uma banda à frente do seu tempo ainda hoje!

Eis que, na quebradeira ocorrida sábado retrasado, quando da ocasião do aniversário do Mentor, rolou por intermédio de Caio o disco-solo do ex-Clash Joe Strummer e sua banda The Mescaleros. Em meio a bebidas destiladas em doses fartas, cerveja em copos de 500 ml e muita fumaça, o dub incrivelmente maravilhoso de “Get Down Moses” penetrou na minha mente sem pedir licença, bagunçou meus neurônios e me deixou hipnotizado naquele divertidíssimo caos do momento. Baladas ao violão e punks de veia country também me deixaram embasbacado com aquele disco. Naquele momento meu cérebro não tinha muitas condições de tecer considerações mais profundas, mas fiquei com aquela pulguinha atrás da orelha. Eis que, fuçando um cd de mp3 presenteado pelo Mr. Lips (made in Colatina/Hell’s Kitchen) em 2003, estava lá o tal álbum do Strummer. Definitivamente o falecido tiozinho do punk rock cometeu ali um disco para marcar época e deixar o seu legado para futuras gerações. Faixas como “Coma Girl”, “Arms Aloft” e “All In a Day” jorram adrenalina e suas melodias e soluções harmônicas (que porra de banda é o The Mescaleros?!?) estabelecem marcas definitivas no seu cérebro. A voz de punk envelhecido de Strummer parece reverenciar Johnny Cash nas belíssimas baladas “Long Shadow”, “Silver and Gold” e “Ramshackle Day Parade”. Rocks que parecem ter saído de botecos de beira de estradas poeirentas perfazem também um tanto de melancolia em “Midnight Jam” e “Burnin’ Street”. E ainda há uma linda versão de “Redemption Song”, do Mestre Bob Marley. Enfim, trata-se de um clássico contemporâneo. Joe Strummer produziu este último suspiro de consistência e profundidade antes de falecer.

Outro dia rolou uma discussão muito bacana com meu amigo Taylor, sobre o fato da geração atual de auto-proclamados indies não buscar referências musicais que tenham vindo antes dos anos 2000, de simplesmente ignorar a existência de, pelo menos, duas ou três gerações de bandas do dito rock alternativo, da frustração de tocar (na verdade, fui eu que fiz isso) um hit manjado de 1996 do Suede e o público simplesmente não saber (e nem querer saber) o que era aquilo, e que tudo isso acabou por fazê-lo perder o tesão de batalhar por pistas de dança menos óbvias e mais informativas. Na mesma discussão eu pude, de certa forma, comemorar o fato de que boa parte do público mais novo que freqüenta a minha festa gótica-industrial The Dark Street Project caça as novidades ao mesmo tempo em que se mantém informado sobre o que veio antes. Pelo menos a galera que curte EBM/industrial é assim, enquanto que os “góticos” em sua maioria só dão trela para coisas tipo gothic metal e adjacentes. Pois foi de uma galerinha bem nova (não deviam ter pouco mais do que dezoito anos) que conheci a pedrada sonora chamada Combichrist. Esta mesma turma veio olhar meus CDs e pirou com o fato de eu ter todos os discos do Nitzer Ebb originais, e acabaram por pedir para tocar o clássico “Join in the Chant”. No mesmo ato eles me indicaram a ouvir o tal Combichrist. Não conhecia e fui correr atrás. Trata-se de um projeto paralelo de Andy Laplegue, do cultuado grupo de future pop Icon of Coil, e foi criado para resgatar as bandas na linha powerfull-industrial-ebm de gente como 1.000 Homo DJs e o citado Nitzer Ebb, com batidas eletrônicas estilo bigorna, sintetizadores rascantes e muita distorção digital. O primeiro álbum, “Joy of Gunz” vai bem nesta linha distorcida até o talo. Porém, os caras poliram o som e, pelo menos nos EPs “Get Your Body Beat” e “Sex, Drogen & Industrial”, cometeram atos de EBM e industrialismos dignos de clássicos como “Headhunter” Front 242) e “Let Your Body Learn” (Nitzer Ebb). O Combichrist reverencia o passado de forma respeitosa e ainda atualiza o som com pegadas de techno e hard trance. Batidão pesado, travado e com palavras de ordem para gritar na pista de dança!

Quando fiz um post sobre o She Wants Revenge, o colega virtual Doggma comentou sobre o som, afirmando que lembrava um pouco o Bella Morte. Fiquei instigado. Sabe aquele som que você acha que conhece, mas nunca deu a devida atenção? Pois é, eu só tinha uma música desta banda e fui atrás para ver conhece-la melhor. O link com o hypado SWR é real, pois há uma semelhança entre a bateria eletrônica minimalista e os sobretons góticos de ambos. Mas o Bella Morte é mais atual, não se prende rigorosamente a um passado específico como o SWR faz com Joy Division (principalmente) e Depeche Mode dos primórdios. As guitarras são mais sujas, as melodias vocais são mais rasgadas e há uma conjugação pertinente com sons góticos atuais. “The Quiet” é o meu álbum preferido do Bella Morte, principalmente pelas faixas “Logic”, “Whispers” e “Always” (mais eletrônicas), “Living Dead”, “Echoes” e “Chistina” (mais heavy metal, guitarras apitando, refrãos cantaroláveis), e “Ember” e “Wires” (boas baladas neo-góticas).

*A quem interessar, existe um novo projeto semanal de música eletrônica aqui em Vitória: Projeto Makina

Estamos remando contra todas as marés possíveis, mas o negócio está engrenando!

Valeu!