sexta-feira, janeiro 12, 2007

Queimando CD

O critério é simples: “queimar” um CD significa elevar o status de um determinado artista dentro de minhas audições. Uma coisa é você ter todas as músicas do mundo no computador e/ou num mp3 player e sair trocando de faixa descontroladamente sem muito critério. Outra coisa é você gastar uma parte do seu tempo (cada vez menor) e do seu suado dinheirinho (menos de R$ 1,00!) numa mídia “real” para poder produzir uma coletânea ou dar vida a um álbum inteiro para ser ouvido em cd-players normais. Esta lista privilegia aqueles sons que “passaram no vestibular do mp3” e venceram por suas próprias qualidades.

Discos Inteiros

Doll Factory



Eu estava procurando por uma banda boa de rock industrial, daquelas que você ouve um álbum inteiro sem ter de agüentar batidas e fórmulas repetidas ao longo do disco. Infelizmente o termo “personalidade” anda em falta em diversos segmentos musicais e no universo industrial não é diferente. Foram vários tiros no escuro até achar algo que realmente valesse à pena uma audição mais cuidadosa. O duo norte-americano Doll Factory é uma essas raras e agradáveis surpresas. Numa rápida pesquisa, descobri que a banda possui como referências os segmentos mais mainstream do industrial, notadamente Nine Inch Nails e Marylin Manson – inclusive gravaram um cover de “Lunchbox” para um tributo a este último. Mas o som da banda não é mero xerox. Já pelo começo do disco “Weightless” (2002), com os teclados melancólicos e a bateria seca e ao mesmo tempo com “vida” de “We Are The Hollow Men”, já dá para perceber uma identidade forte, uma presença sonora mais marcante. “Tin Girl- Tin Love”, faixa a seguir, é dançante, lotada de synths hipnóticos e com um refrão grudento – é hit certo nas pistas! Em “Bite The Coil” a cara da banda já se mostra mais coesa: ao contrário da tendência atual mais simples e fácil de se programar batidas parecidas ao longo do disco e de transparecer a impressão de que se trata de um mero live PA com vocais, o Doll Factory age como “banda” mesmo, pois ao lado da eletrônica pesada e massiva, há bateria “de verdade”, baixo marcante e guitarras ocasionais mas certeiras. Aliás, as mesmas guitarras, na maioria dos casos, dão lugar a riffs eletrônicos de sintetizador que conferem peso e personalidade por todo o álbum. Partindo daí, há faixas dançantes e com melodias perto do pop (“Rezonator”, “Shapeshifter”, “Stand & Fight”), peso industrial sem apelar para distorções exageradas (“Blank Dirge” e “Permanent” – esta com uma guitarra de timbre totalmente stoner), e proto-baladas por vezes sombrias (“Blessed” e “Glory”) ou irônicas mesmo (“Weightless”, “Touch”). O Doll Factory merece um disquinho só seu na sua coleção!

Sister Machine Gun



Imagine uma pouco provável mistura de Die Warzau, Nine Inch Nails e Morphine - é o clima electro-cool-sofisticado (ver resenha já publicada aqui) do primeiro, a pegada pop/rock industrial do segundo, e a vibe jazzy-noir do terceiro. A banda norte-americana Sister Machine Gun chegou a esta brilhante combinação no seu quarto álbum, “Metropolis”, lançado em 1997. Eu já possuía seu segundo álbum há dez anos, (“Torture Technique”), que mostrava um rock industrial com personalidade, mas ainda um tanto quanto imaturo, e quando vieram os downloads, tratei logo de baixar o resto de sua discografia. Em “Metropolis”, logo de cara salta aos ouvidos uma produção perfeita, exibindo o caráter conceitual da banda, que privilegia vocais cool, guitarras tratadas eletronicamente, batidas quebradas e sub-graves monstruosos. O vocal de Chris Randall se encaixa perfeitamente na massa sonora, e destacam-se faixas absolutamente empolgantes e originais (“Desperation”, “Think”, “Torque”, “Everything”, “What do You Want From Me” e “Cut Down”), climas sofisticados e mais relaxados, algo como um jazz eletrônico com trip-hop de pegada pop/rock (“Temptation”, “Living With You”, “Admit” e “Bitter End”), e até mesmo uma faixa muito maluca que joga no liquidificador rock industrial e southern rock (“White Lightning”), com direito até a guitarra slide! Os demais e posteriores discos da banda seguem na mesma linha sonora, alguns mais calmos, outros mais pesados, mas “Metropolis” é “O Disco” a ser consumido desta banda.

Translovenia Express Vol 2

O grupo esloveno Laibach, veteraníssimo na cena industrial, lançou em 2006 um dos melhores álbuns deste ano que passou. “Volk” elevou sua música a um patamar patamar poucas vezes visto, e não preciso tecer maiores comentários ao seu respeito, pois meu colega Doggma já o fez de forma certeira em seu espaço virtual. Mas foi procurando no Soulseek por este disco que acabei descobrindo totalmente por acaso que o grupo havia organizado, em 2005, um segundo volume de “Translovenia Express”, um interessantíssimo apanhado de bandas da região da Eslovênia que gravaram covers do Kraftwerk. Trata-se de um raro tributo que, ao mesmo tempo, reverencia e dá passos além em torno do grupo homenageado. Como no primeiro volume (lançado em 1994), o Laibach (organizador desta iniciativa) abre a coletânea e apresenta um tema inédito de sua própria autoria, e não um cover. A homenagem aqui se dá ao fato de que a faixa é totalmente Kraftwerk, mas na visão original do quarteto esloveno. No mais, seguem-se versões surpreendentes, como o rock pesado a lá Rammstein que o Siddharta transformou “The Robots”, o drum’n’bass com melodias trance (acredite!) da versão do O.S.T. para “Metropolis”, o clima trip-hop que o Silence (com participação da vocalista Anne Clark) impôs a “Hall of Mirrors”, e aos já esperados – e até mesmo óbvios – caminhos pela house music (mais precisamente nas sub-vertentes minimal e progressive) que Octex, Alenia e Inturk trilharam nas suas respectivas versões para “Computer Love”, “Home Computer” e “Sex Object”. Agora você pode estar se perguntando: tirando o Laibach, alguém aí conhece estas bandas da coletânea?!? Eu não conhecia alguma sequer! Inicia-se aqui mais uma fonte de pesquisa, dentro desta maravilhosa teia de informações que a internet nos propicia.



Coletâneas

Certas bandas você tem que filtrar um pouco, o que gera espaços vazios no CD e que acabam sendo preenchidos por outros artistas. Fiz duas coletâneas englobando vários deles.

Seabound



O duo germânico Seabound é uma boa banda que se destaca do prolífico cenário do future pop, aquele gênero musical que compactua beats e synths do trance com melodias góticas. No caso da referida banda, o destaque vai para o alto nível de produção, os excelentes vocais (tudo bem que um tanto quanto calcados demais no Covenant) e a variação de climas e batidas, pois em muitos momentos há influências nítidas de synthpop e rock industrial, o que proporciona uma audição mais proveitosa do que dezenas de minutos lotados de batidas dançantes, quase discos p/ DJ tocar em pista e pouco clima para ouvir no som do seu quarto – um clichê recorrente no future pop. Fiz uma seleção dos álbuns “Beyond Flatline” (2004), “White Nights” (2003) e do EP “Poisonous Friend” (2006) e me dei por satisfeito.

Godflesh



Num outro CD resolvi juntar faixas de Godflesh e Orgy. Do primeiro, eu já o conhecia de longa data, pois tenho em casa há muitos anos o fenomenal disco “Slavestate” (1991). Trata-se de uma brilhante fusão metal/industrial totalmente personalizada (membros do Ministry, banda ícone deste gênero musical, são fãs), com guitarras saturadas, ritmos mecânicos em exaustão e muita distorção. Para quem não sabe, é a banda de Justin Broaderick, membro-fundador do inovador grupo de grindcore Napalm Death. Juntei algumas faixas de “Songs for Love & Hate”, todas pesadonas, baixão distorcido, riffs-bigorna, peso que não acaba mais e até mesmo uma influência latente de Sepultura, e confesso: ouvir este álbum de cabo a rabo tem de ter disposição para entrar na viagem noise arrastadona dos caras.

Orgy



No mesmo CD, pesquei algumas faixas do grupo norte-americano Orgy e seu álbum mais recente, “Punk Statik Paranoia” (2004). Esta banda surgiu como uma boa promessa há dez anos atrás, quando participou da primeira edição da famosa turnê “Family Values Tour”, onde o headliner Korn, em plena ascensão, liderava um mini-festival itinerante com bandas de diversos estilos musicais diferentes e ao gosto de seus integrantes. O Orgy ficou famoso pelo fantástico cover de “Blue Monday”, do New Order, e destacou-se naquela tour por apresentar um visual calcado nos anos 80 e por investir numa espécie de rock industrial sem samplers ou sintetizadores: todos os sons eram produzidos por guitarra, baixo e bateria/percussão lotados de efeitos eletrônicos que davam a sensação de estarmos ouvindo um som totalmente digital. O grande pecado desta banda foi o fato de terem nascido nos EUA, pois a tímida veia oitentista registrada em sua estréia poderia ter se convertido num mix electro-rock, caso fossem europeus, e hoje gozariam de alguma longevidade, dado o hype em torno da década retrasada que adentrou nos anos 2000. Mas, como residentes do território norte-americano, enveredaram pelos óbvios caminhos do nu metal e dali não saíram mais. Sobraram algumas boas faixas, muito mais pesadas do que as da sua citada estréia (“Candyass” - 1998), pescadas de “Punk...”. Pelo visto, estão em final de carreira.

A lista continua...