segunda-feira, março 05, 2007

(Des)Construindo Mitos em 2007


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Alguns artistas musicais utilizam-se de contradições e idiossincrasias como muletas de sustentação de um pleno exercício de egolatria, naquela necessidade de aparecer pela (suposta) quebra de paradigmas. Habitam universos propositalmente pouco ou nada acessíveis para chamar a atenção em cima de, justamente, o que pode denotar uma maquiagem para a provável falta de talento de compor músicas/sons/ruídos com substância suficiente para perdurar, e não somente dissipar-se quando as luzes se apagam. Tendo como base o texto que se segue, você pode imaginar este tipo de coisa acerca da trajetória do grupo canadense Skinny Puppy e seus mais de 25 anos de história. É um direito seu, e de qualquer um, de avaliar a arte como bem entender. Mas não há eufemismos na singular carreira desta banda. O que você concluir sobre sua música é aquilo mesmo, ainda que esta conclusão deságüe na incompreensão ou mesmo total aversão ao conjunto da obra. E as avaliações que se sucederão neste texto são de minha livre compreensão deste universo tão particular – a história “oficial” você encontra sites especializados nisso.

O Skinny Puppy nasceu com o pendor para o não-óbvio. De seus primeiros registros domésticos em K-7, lá pelos longínquos anos de 1983/84 (devidamente registrados na série de coletâneas “Back & Forth”), até seus primeiros lançamentos oficiais (o EP “Remission” e o álbum “Bites”, 1984/85), o que se via ali era um grupo preocupado em assimilar o que havia de mais difícil e inovador para suas aspirações no mundo da música eletrônica: o som industrial, com os experimentos dos também canadenses do Cabaret Voltaire à frente como influência principal, além dos vanguardistas (ou seriam electro terroristas?) do Chrome e do Throbbing Gristle. Muito ruído e experimentalismo, mas também o início de uma sucessão de hits (“Smothered Hope”, “The Choke”, “Assimilate”) à sua maneira, que pareciam subverter o tecnopop da época em algo doentio, basicamente pelo conjunto coeso das manipulações eletrônicas do multi-instrumentista Cevin Key com a absurdamente particular interpretação vocal/lírica de Nivek Ogre – a dupla fundadora do SP. Já em “Mind: The Perpetual Intercourse” (1986), o som do SP revelou-se como um todo: os hits - techopops agressivos – estão lá: “One Time, One Place” (quase um synthpop perfeito), “Dig It” (totalmente kraftwerkiana), “Stairs and Flowers” (ecos do electro da época), e a singular “God’s Gift (Maggot). Partindo desta última, você tem um claro sinal de como funciona o mundo desta banda: “Antagonism”, “There Blind Mice” e “Love” são doentias, sombrias, apocalípticas, com Ogre se contorcendo aos vocais, assustando o ouvinte-comum, e mostrando quais são as verdadeiras intenções delas. A evolução segue em “Cleanse, Fold & Manipulate” (1987), com o estreitamento tanto com o crescente som industrial quanto com a EBM criada pelo Front 242, sempre contorcendo tudo no limite onde sua música poderia se tornar mais palatável – este álbum marca a entrada definitiva de Dwayne Goethel no line up. “Vivisect VI” (1988) é um dos grandes discos da era industrial que foram lançados naquele mesmo ano (ao lado de “The Land of Rape and Honey”, do Ministry, e de “Front by Front”, do Front 242), com bases eletrônicas sofisticadas e pesadas, climas extremamente mecanizados mesmo em sua faixa mais sombria (“Harsh Stone White”) e, um paradoxo: a música mais pop de sua carreira: “Testure” – um synthpop perfeito que conquistou toda uma geração de amantes dos anos 80 (góticos inclusos). Ainda mais afundados no som industrial, criaram o irregular “Rabies” (1989), de forte conotação política (inspirados pela prisão de Nivek Ogre por acusação de “maltratar animais no palco”, sendo que ele fazia uma simulação nos shows para justamente denunciar este tipo de prática), e muita influência do Ministry, cujo brother Al Jourgensen produzira, cantara e tocara guitarra em algumas faixas. Parecia que o Skinny Puppy chegaria aos anos 90 na linha de frente do crossover industrial+guitarras que arrombou as portas nos anos seguintes. Porém, o negócio deles era mesmo olhar ainda mais para seus próprios umbigos.


Bichos esquisitos povoam a mente destes seres perturbados...

Too Dark Park” (1990) é considerado o melhor álbum do Skinny Puppy, segundo diversos fóruns de fãs e avaliações de sites especializados. Cada faixa do disco revela uma história particular do universo da banda. Há experimentos dançantes, viagens soturnas, desconstruções rítmicas caóticas, agressividade beirando o limite, climas ambientes de filme de terror – tudo isso envolto numa produção sonora sofisticada e que deixava os anos 80 comendo poeira. “Last Rights” (1992) seguiu dando passos muito além dentro do novo caminho aberto nos anos 90, com sua música se transformando em algo tão sombrio que chegava a dar medo, vide as brumas fantasmagóricas que pairam em “Killing Game”, “Love in Vein”, “Knowhere?” e “Mirror Saw” (ouvir esta faixa, chapado, com um fone de ouvido, é lisérgico e amedrontador!). O clima soturno deste disco denunciava que algo não ia bem entre eles. Dito e feito: “The Process” (1995) foi marcado por tragédias (brigas internas, incêndios no estúdio, perda total do material gravado, etc.), que culminaram com a morte, por overdose de heroína, de Dwayne Goethel. A sonoridade do álbum, calcada em experimentos radicais com guitarras pesadas e batidas dançantes modernas, registrou o fim de uma era, pois os caras resolveram acabar com a banda a partir de então. Eis que a grande volta do Skinny Puppy se concretizou em 2004 com um álbum fantástico, “Greater Wrong of The Right”, que possuía estruturas melódicas mais acessíveis (pouca distorção na voz, refrãos cantáveis) e batidas bem dançantes. Só que, mais uma vez, a banda não estava a fim de facilitar as coisas...


Além do mito

“Mythmaker” (2007) vai contorcer os cérebros que começaram a aceitar o Skinny Puppy justamente a partir do disco anterior. O começo, com “Magnifishit”, até engana bem: melodia marcante, climas épicos, refrão que gruda na cabeça – é incrível como Ogre usa a distorção na voz a favor de algo absolutamente original! “Dal” segue com batidas quebradas e clima apocalíptico, mas a melodia ainda persiste forte. “Haze” é uma balada melancólica, com blips modernos por todos os lados. “Pedafly” é pesada, quase heavy metal, mas nem um pouco acessível. “JaHer” também possui andamento moderado, com um belíssimo arranjo de violões em contraponto com climas fantasmagóricos e a interpretação sombria de Ogre – daí o fã do SP de “Greater Wrong...” já começa a sentir falta dos beats dançantes e refrãos normais daquele disco. “PolitiKil” vem para levar – finalmente – este álbum para pistas de dança: batida quebrada e balançante, synths marcando o ritmo e Ogre cantando quase em rap (ao estilo do hit do disco anterior: “Pro-Test”) com a distorção na voz criando um efeito sonoro que é marca registrada sua. Mas as três faixas seguintes, “LestiduZ”, “Pasturn” e “Ambiantz”, são experimentais demais, com batidas e programações difíceis, desafiando a paciência até mesmo dos ouvidos mais treinados – estão mais para os experimentos solo de Cevin Key e de seu projeto Download. “UgLi” finaliza o disco de forma mais palatável, mas não deixa dúvidas sobre a moral da história: por detrás da eletrônica de vanguarda (realmente as programações deste disco são fenomenais) e do caráter conceitual de “Mythmaker” (controle sobre humanos, se não me engano), a onda dos caras nunca vai mudar. Ouvir Skinny Puppy é como cutucar num machucado, arrancar aquela casquinha à força, deixar o sangue escorrer, e não passar nenhum anti-séptico depois. É ser instigado a dar passos além do que soa incompreensível em estruturas convencionais da canção. É se envolver com as letras doentias e o vocal único de Nivek Ogre, que se casam perfeitamente com o som igualmente pitoresco de Cevin Key. A eletrônica apoteótica deste grupo vai além do próprio universo restritivo que o rótulo sugere. Algumas listas de “melhores/piores de todos os tempos” já colocaram a banda entre os “piores” – a prova de que sua música desperta sentimentos arredios. É o preço que se paga por seguir apenas suas próprias regras. Mas, após 25 anos de carreira, e com o enorme culto que cerca o grupo mundialmente (e diversas bandas famosas citando-os como influência, vide os músicos do Tool e do Static-X que tocaram no álbum de 2004), a proporção de doentes da cabeça neste mundo é grande! Eu me incluo neste grupo, sem medo, desde 1992. Só não sou tão esquisito quanto as figuras que povoam o My Space dos caras, pois tem gente ali que assusta!

*Set list especial com algumas das faixas mais instigantes do Skinny Puppy (de 1985 a 1996 – a primeira fase da banda), direto de discos originais: baixe aqui, por sua conta e risco!
*Só não incluí faixas do álbum “Last Rights”, pois na minha opinião se trata da obra mais fechada desta banda: só ouça se tiver passado pelo “teste” do set list acima.