sexta-feira, junho 29, 2007

The Young Gods – “Super Ready Fragmenté” - 2007



O grupo suiço The Young Gods tem sua marca definitiva em algum capítulo da música popular. Foram pioneiros em transformar o praticamente inaudito som industrial de malucos noise desbravadores - desde os anos 70 - como Throbbing Gristle (que tinha uma gravadora chamada “Industrial Records ” naquela época!) em algo palatável às massas, sobretudo por ter utilizado o sampler para modificar, deturpar e reinventar o som da guitarra roqueira no distante ano de 1985, quando a banda foi formada. Suas misturas de manifestos poéticos e filosóficos cantados no francês extremamente agressivo do vocalista Franz Treichler por cima de bases nervosas de bateria, riffs de guitarra inovadores e elementos folclóricos europeus romperam barreiras e deixaram interrogações em mentes incautas através dos álbuns “ The Young Gods ” (1987) e “ L’Eau Rouge ” (1989). Tiveram a ousadia de musicar poemas do músico e escritor alemão Kurt Weill e transformá-los em algo pós-moderno, fim de mundo e magistral ao mesmo tempo, no disco “Plays Kurt Weill” (1991). Quando começaram a cantar também em inglês, a partir de “ TV Sky” (1991), atingiram o mundo inteiro com uma sonoridade mais acessível, porém desafiadora em sua essência, jogando no caldeirão influências de Stooges (no som das guitarras – eles próprios declararam isso na época) e até mesmo The Doors (nos vocais), acabando por mostrar ao mundo que não havia barreiras para a criatividade e para o bom gosto.

A banda sempre prezou por belas melodias vocais, e os caras resolveram incluir nelas influências radicalmente psicodélicas e progressivas no disco seguinte, “ Only Heaven” (1995), onde guitarras e ambiências sonoras flutuavam pelos canais de som emoldurando vocais ora agressivos, ora etéreos – ouça o dub sinistro de “Donnez Les Espirits” ou a trip pesada dos mais de 18 minutos de “Moon Revolutions” olhando para as imagens da arte do CD e tente imaginar o que se passava na mente deles quando gravaram o disco... Seu último registro oficial como “banda” mesmo - “ Music for Artificial Clouds ”, 2004, foi um experimento com ambient music - até o presente momento foi no quase que totalmente eletrônico “ Second Nature” (1999), e conceitual (traça um paralelo entre o uso de substâncias alucinógenas pelas sociedades modernas – que procuram escapar da realidade, e pelas tribos “primitivas” que vivem no meio da natureza – que as utilizam para elevação da alma e do conhecimento) com as guitarras - ou o que sobrou delas - soando como sintetizadores trance e mais um punhado de memoráveis canções de outros planetas. Para onde mais os Jovens Deuses poderiam ir? Apostar fundo em alguma sonoridade “nova” ou voltar às raízes? Talvez as duas opções...



As duas primeiras faixas de “ Super Ready Fragmenté”, recente lançamento dos Young Gods, confirmam o que o próprio Franz Treichler me contou pessoalmente quando da vinda de sua banda a São Paulo em 2004: “As guitarras vão voltar”, disse ele para mim e para um grupo de fãs que o cercavam no teatro do Sesc Av. Paulista naquela ocasião. Com o disco finalmente na rua (eles tiveram problemas de gravadora neste período), dá para constatar através de “I’m The Drug” e “Freeze”, as tais músicas que abrem o disco, que as mesmas poderiam tranquilamente estar presentes em “TV Sky”, justamente o seu maior êxito comercial. Nostalgia? Apelação? Falta de criatividade? Você pode até acusá-los superficialmente dessas coisas, mas um fato é certo: são duas músicas matadoras, com as tradicionais guitarras moto-serra apitando alto, pegada forte na bateria e com os vocais de Franz ainda mais marcantes, com um timbre ligeiramente mais rouco e envelhecido. O disco segue nesta onda auto-referencial, com as tribais e barulhentas “Cest Quoi Cest Ca” e “El Magnífico”. Porém, a faixa seguinte, “Stay With Us”, mostra do que estes caras ainda são capazes quando resolvem pirar o cabeção: trata-se de uma espécie de dub industrial, com sons de citaras e violões que pairam sobre ambiências sonoras, enquanto Franz versa palavras dignas de uma viagem de ácido. O buraco (negro?) é mais profundo na faixa-título (quase nove minutos de uma trip alucinada com batida quebrada, guitarras flutuando pelos canais de áudio, e com Treichler encarnando um Jim Morrison pós-moderno) e em “Un Point Cest Tout” (bela melodia cantada em francês por cima de algo entre o dub, o ambient e o rock progressivo). Nestes momentos, os ouvidos mais convencionais poderiam taxá-los de “chatos”, mas justamente ali reside a inquietude musical que tanto os tornou cultuados. “About Time” (com um groove surpreendente!), “The Color Code”, “Secret” e “Everythere” recolocam o grupo na trilha roqueira, sangue nos olhos com neurônios – coisa rara! Os Young Gods, que por muitos anos passados, foram considerados a ponta-de-lança do que havia de mais moderno e desbravador na música, resolveram olhar para dentro de si para poderem clamar por respeito e, acima de tudo, se mostrar relevantes atualmente. Em pleno 2007, com tudo o que já se fez por aí até hoje, o “antigo” pode soar “moderno” para as novas gerações. Franz Treichler e cia. jogam tudo isso num mesmo caldeirão e ainda fazem você sair cantando belas melodias por cima de soluções musicais anti-convencionais. O universo dos Jovens Deuses é bastante complexo, mas eles sabem se fazer ouvidos.

*Quer ouvir os Young Gods em plena onda de piração total? Vá ao disco 2 da coletânea “ XXY: Twenty Years – 1985-2005”, e ouça coisas esquisitas e geniais como a desconstrução dub-house-minimal de “Astronomic”, o arranjo de cordas em “Child in the Tree”, as versões dub de “Kissing the Sun” e “Supersonic” produzidas por Mad Professor (que virou “Dub the Sun”) e pelo próprio Franz Treichler respectivamente, e os covers de “Requien Pour un Con” (Serge Gainsbourg - com sub-graves alienígenas, radicalmente eletrônica!) e “The End” (The Doors - em fiel citação gravada ao vivo).