segunda-feira, setembro 10, 2007

Extermínio da consciência

Os desvios de caráter, o descontrole emocional e a eliminação de moral e de princípios são características em comum nos filmes do diretor britânico Danny Boyle (famoso mundialmente a partir do genial “Transpotting”). Mesmo os “heróis” de suas produções são dotados de comportamentos desaprováveis quando submetidos a situações extremas. É o caso dos dois filmes deste cineasta que assisti semana passada: “Extermínio” (2002) e “Sunshine – Alerta Solar” (2007). Para salvar a própria pele, nós, humanos, agimos muitas vezes como animais selvagens – segundo a ótica de Boyle.



“Extermínio” surgiu embalado pelo marketing de “filme de zumbis”, na onda dos blockbusters hollywoodianos de terror atuais, que são lotados de efeitos especiais e de sustos cuidadosamente preparados para o espectador saltar da cadeira e depois esquecer de tudo. Porém, o filme de Danny Boyle é infinitamente superior ao que o próprio gênero do terror restringe em torno de si. O mote desta produção – um rapaz comum acorda do coma após 28 dias e se depara com a Inglaterra totalmente abandonada e tomada por um vírus mortal que transforma pessoas em zumbis raivosos, sem saber se o resto do mundo também padece desta epidemia – é por si só genial para atiçar a curiosidade do espectador. Mas, muito além da carnificina que o título da película possa sugerir, “Extermínio” coloca em questão valores éticos e morais diante de uma situação de total desolação e horror. Os zumbis, na verdade, são meros coadjuvantes dos humanos “normais”, que agem muitas vezes de forma pior que mortos-vivos em estado de raiva absoluta.

O primeiro zumbi a aparecer no filme, por exemplo, surge justamente na figura do padre da paróquia onde o personagem principal foi buscar abrigo ou respostas. A religião simplesmente não existe nem possui autoridade diante da situação. Quando alguém é contaminado, podendo ser um desconhecido ou o seu próprio pai, a única solução é matar para não ser morto. Homens agem de forma primitiva quando confinados num mesmo ambiente, ainda mais se todos possuirem o poder de uma arma nas mãos, transformando a autoridade máxima em relativa por si própria. Mas, apesar de toda a desolação sugerida em “Extermínio”, há uma fonte de luz, valores surgem aqui e acolá sim senhor! A degradação humana encontra seus pares assim como aqueles que ainda persistem em seus juízos de valor diante de tal calamidade.



Já “Sunshine – Alerta Solar” embute o mesmo tipo de questionamento no âmbito de um filme ambientado no espaço. O Sol está morrendo, a humanidade está congelando e esvaindo junto com a luz cada vez mais fraca e escassa, e uma missão espacial leva todo o arsenal atômico da Terra para tentar reativar a Grande Estrela. Confrontos de egos surgem durante a viagem, mas os erros não podem ser tolerados neste tipo de tarefa. Quando as coisas começam a dar errado, “Sunshine” sai do âmbito de um mero filme de ficção científica estilo “veja-e-esqueça” e adquire contornos tipicamente característicos da mente de Danny Boyle. Porém, esta produção de 2007 não se equipara à “Extermínio”, talvez por pressão de fazer sucesso impondo um ritmo de thriller de suspense comum justamente perto da conclusão final. Talvez Boyle, um diretor tão afeito a mostrar as mazelas da psique humana, tenha sucumbido a salvar sua própria pele na indústria cinematográfica e acabou por produzir uma “obra menor” em sua filmografia. Tal qual o Tim Burton andou fazendo, que ganhou grana com “Planeta dos Macacos - um filme razoável - para finalizar uma produção fora dos padrões de Hollywood, (“Noiva Cadáver”), o cineasta britânico deve estar usando o sistema e juntando libras para poder bancar seus projetos pessoais mais profundos. Atitude muito parecida com a do personagem principal de “Trainspotting”...

New rave do caralho



É incrível notar como o electro é um ponto de interseção entre diversos universos sonoros diferentes. Do “novo rock” ao EBM, da new rave a até mesmo ao pop, e incluindo também o guarda-chuva que acolhe a dance music (trance, house, breakbeat, techno, etc.) - todos estão se fazendo valer dos blips robóticos e timbres que parecem um computador dando defeito que são tão caros ao electro. E audiências tão diferentes quanto também se encontram nesta via retro-futurista que apareceu com força nos anos 80. Um dos maiores nomes da safra new rave (o rótulo da hora, mas que parece que em breve vai ser substituído por outro...), o Simian Mobile Disco, usa e abusa do gênero citado, mas consegue dar uma cara contemporânea e bastante pessoal em suas produções.


Attack Decay Sustain Release ”, lançado neste ano, é um petardo dançante altamente inflamável, digno dos grandes álbuns de música eletrônica que começaram a surgir na década passada. Os antenados de plantão já baixaram singles e remixes bem antes do “álbum oficial” sair de fato. Ok, segundo a regra atual, o SMD já estaria passado, então? Nem fodendo! Se a pressa em adiantar as músicas no seu tocador de mp3 deixar, você vai se deparar com pedradas altamente destruidoras como “I got this town” (ecos de electro-funk), “It’s the beat” (minimalismo a serviço de robótica), “Tits & acid” e “Hot-dog” (electros devastadores como estes existem poucos por aí!). E o álbum ainda contém “Hustler”, um breakbeat animalesco de faz dançar até o mais apático ser humano. Aí você se pergunta: “Tá! Então eles na verdade não apresentam nada de novo, a new rave é um embuste?”. Pois é... os ingredientes são todos conhecidos, mas a receita do SMD é digna de chefs virtuosos, que sabem extrair de elementos simples e óbvios um resultado bastante saboroso e pessoal. Os timbres ácidos, os sub-graves, os samples espertos – definitivamente o Simian Mobile Disco criou um grande disco querendo ser taxado de novo, porém reciclando idéias já utilizadas. Se quiserem adotar o rótulo que deram para isso, então que seja: é um puta new rave do caralho!

Ainda dando no couro



Em outros tempos, um post como este nunca poderia deixar os Chemical Brothers em segundo plano. Mas, na real, os tiozinhos da eletrônica dos anos 90 largaram o manche da embarcação que lidera a corrida pelo novo lá atrás, na época do “ Surrender” (1999). Até então, a dupla Ed Simons e Tom Howlands era quem dava as cartas nas pistas de dança. O tempo é cruel nestes dias de banda-larga (eu que o diga!), mas seria injusto afirmar que estes figuras aí perderam o bonde. Num caso clássico de quem um dia foi o centro das atenções e que agora observa os novos para se manter em evidência, “ We are the night” é, sem dúvida, um disco que os catalisa para a atualidade e reafirma a importância destes ingleses para a história da música eletrônica.

Chemical Brothers encarnando um Trentemoller (papa do minimal electro) básico em “Do it again”? O fato é que esta faixa bota no chinelo praticamente toda a turma que aposta em tiques-nervosos para fazer dançar (irritar?), incluindo o fodão citado aí. “Das Spiegel” e “Burst generator” se encaixariam perfeitamente na geração atual da new rave, misturando baixos sujos de pegada rock underground com eletrônica pesada - como se os próprios velhinhos aqui do post não fizessem exatamente isso em clássicos como “Block rockin beats” e “Setting sun” há mais de dez anos. No final das contas, temos aqui um típico disco com a sonoridade característica da dupla, com diversos detalhes pipocando pelos canais de som e muitas melodias (vocais ou de sintetizadores analógicos e/ou digitais) que remetem à psicodelia de décadas atrás. Mesmo em músicas de forte apelo no electro como “No need” e “A Modern midnight conversation”, surgem espectros meio ripongas até! E esta não era uma das ondas dos caras desde o primeiro disco (veja a capa de “ Exit Planet Dust")? Portanto, esqueça a bombação, pois “We are the night” é um disco de eletrônica que dá para ouvir em casa, no trabalho e até mesmo na pista de dança, com produção de ponta e muito, mas muito talento e sabedoria de quem realmente sabe o que faz e onde quer chegar. Trata-se de um Chemical Brothers de boa safra, do bom e com efeitos colaterais pra lá de positivos.