quarta-feira, março 12, 2008

Senhores do Crime



Definitivamente David Cronenberg merece estar entre os grandes e imortais do cinema mundial após seus dois últimos filmes, “Marcas da Violência” e o recente “Senhores do Crime”. O cineasta canadense tem explorado histórias de densa profundidade sem perder suas características que o acompanham desde suas primeiras produções (“Scanners” e “Videodrome”) realmente conhecidas de algo próximo do grande público. A escatologia e a violência extrema, com imagens cruas, despidas de alegorias audiovisuais, estão lá, quase como clichês de seu estilo cinematográfico. Porém, a película mais recente, que assisti ontem (terça-feira, 11/03), é um estado de arte bruta, seca e com um surpreendente pendor positivo.

O filme retrata um universo frio, primitivo e sombrio numa Londres atual de tons cinzentos, úmidos e avermelhados, com total ausência de trilha sonora que não seja das interpretações intensas, porém comedidas. É neste cenário que residem integrantes de uma máfia russa extremamente cruel e paternalista, porém com pouco ou nada a ver com o que se espera de filmes de gângsters que se vêem por aí. Não vou dizer aqui maiores detalhes sobre a sinopse do filme, a não ser que Cronenberg tenha repetido a parceria com o excelente ator Viggo Mortensen, só que desta vez invertendo os papéis do filme anterior (“Marcas da Violência”), com um homem supostamente mau que se revela um bom coração.

Sem pieguismos. A cena de luta, facadas e mutilações numa sauna de banho turco é tão antológica quanto perturbadora: um homem completamente nu tentando se defender de capangas vingativos portando armas brancas (não se ouve um tiro no filme!), sobrando sangue e detalhismos que impressionam e incomodam na mesma proporção. Trata-se de um paralelo, ao meu ver, com uma das primeiras cenas do filme, o nascimento de uma criança banhada em sangue, totalmente desamparada e indefesa, lutando pela vida em torno de tanta crueldade em nome de negócios escusos. É neste ponto que eu quero tocar: David Cronenberg sempre primou por um invariável pessimismo em suas produções. Porém, “Senhores do Crime” confronta morte com nascimento numa mesma proporção, resultando numa peça de humanismo belíssima, ainda que envolta em selvageria. Cronenberg fez uma homenagem à vida em meio ao caos e à violência de uma forma única, com interpretações soberbas sem grandes exageros. Trata-se de um tipo de cinema de primeira grandeza. Tão cruel quanto a degola com uma navalha cega no início do filme. Tão belo quanto na manifestação à vida ao final de tudo.