terça-feira, outubro 23, 2007

A dança dos pós-punks e outros seres estranhos

Batidas dançantes, vocais agudos e alegres, e uma indisfarçável sensação de que os anos 80 não foram tão ruins assim. A música atual corre atrás da década das ombreiras e dos mullets como se estivesse atrás de um santo graal que contém a secreta fórmula do sucesso. O lado bom disso tudo é que o rock voltou às pistas de dança, as batidas eletrônicas voltaram a conjugar com as guitarras sem constrangimento, e as lições deixadas pelo pós-punk original voltaram a se tornar relevantes hoje em dia. O lado ruim é o de sempre: genéricos copiando o que já era cópia sem discernimento algum e muito hype envolvendo caôs sem tamanho. Mas há sempre o que se pescar dentro de tamanha lagoa de influências que a geração seguinte ao punk rock começou a escarafuchar e misturar a partir do final dos anos 70

Pós-punk desde criancinha?



Vejam como são as coisas hoje. Os noruegueses do 120 Days misturam muita coisa do que se aboleta debaixo do guarda-chuva hype atual - agora, toda banda de rock minimamente dançante é new rave - e o resultado soa radicalmente diferente deste senso comum. Mesmo assim, eles estão enquadrados no esquema geral que rola por aí, onde a “novidade” é mais importante do que a relevância sonora. Praticamente todas as resenhas que li sobre eles apontam para uma mistura de Daft Punk e Kraftwerk com o novo rock anos 2000. Na pressa de lançar as novidades, a audição apenas da primeira faixa do seu álbum homônimo, lançado no final do ano passado, a excelente (e longa!) “Come Out (Come Down, Fade Out, Be Gone)”, sugere esta descrição mesmo. Porém, basta ouvir a segunda música do disco, “Be Mine”, para sacar a onda real do 120 Days. Trata-se sim de uma puta banda que emula o melhor do pós-punk oitentista, com baixão na frente marcando o ritmo, bateria eletrônica e sintetizadores analógicos tecendo um beat minimalista e dançante, e vocais urgentes e melódicos ao estilo do U2 (acredite!) dos primeiros discos - não há aquela afetação dos vocalistas atuais, cujos timbres parecem ter saído da dublagem do filme/animação “A Fuga das Galinhas”. O som é denso, com fortes influências de Joy Division (primordialmente), Echo and the Bunnymen e The Cure (fase “Pornography”). Mais um mero emulador do pós-punk? Não somente. Há ainda climões psiciodélicos promovidos pelos sintetizadores ao estilo de “Autobahn”, do Kraftwerk - o que remete ao pós-rock de gente como o Trans AM, porém sem ser chato em demasia. “Get Away”, quinta faixa do disco, sintetiza a sonoridade do 120 Days: refrão forte, densa, dançante... e com absolutamente nenhuma influência pós-anos 80. Mais retrô, impossível. Mais moderno, impossível...

Cow Punk?



Está aí uma banda verdadeiramente surgida nos anos 80 que deveria soar radicalmente fora do eixo vigente naquela época: os californianos do Gun Club! No disco “Miami” (1982) não há qualquer vestígio de bateria eletrônica (aquelas hexagonais...), teclados Casio (aqueles que pareciam de brinquedo...) e guitarras encharcadas de efeitos flanger (aquelas com um som magrinho...). Há sim acordes raivosos, num híbrido de (pós)punk, country music, rockabilly e a anarquia sonora da dupla pré-punk The Stooges e MC5. Os vocais do líder (e também guitarrista) Jeffrey Lee Pierce (falecido em 1996) são gritados, anárquicos, meio que um bluesman bêbado tocando num pub esfumaçado – daí a comparação justa e imediata com o som que Jon Spencer viria a produzir posteriormente com seu Blues Explosion. Eu, que só conhecia a primeira faixa deste disco (“Run Through the Jungle” – um pós-punk meio death rock, totalmente diferente do resto das demais), gravada numa fita K7 há mais de 15 anos, e que tinha apenas como referência o fato de ser a banda de onde saiu a baixista Patricia Morrison para gravar o clássico “Floodland”, do Sisters of Mercy, simplesmente tomei um susto quando um amigo meu me passou o disco inteiro para ouvir. Já os rotularam anos atrás de cow punk. Faz sentido. No meio da mistureba maluca, colorida e espalhafatosa que foram os anos 80, mais estranho no ninho o pessoal do Gun Club não poderia deixar de ser.

Shoegazer Gótico?



Perdido no meio deste post, surge o casal Dean Garcia (guitarra) e Toni Halliway (vocal), que comanda o Curve, uma banda difícil de ser rotulada. Da leva de formações inglesas de nomes curtos (Ride, Lush, etc.) surgidas entre o fim dos anos 80 e começo dos anos 90, categorizadas como shoegazer (devido à postura tímida dos músicos, que tocavam olhando para os seus sapatos), o Curve se destacava por ser muito mais pesado que seus pares de cena, além de carregarem fortemente nas programações eletrônicas e nos climas sombrios. Toni e Dean estavam muito mais para uma dupla gótico-industrial-alternativa do que qualquer outra coisa, pelo menos dos dois discos que tenho deles, “Come Clean” (1998) e “Gift” (2001). Músicas docemente indies e balançadas como “Something Familiar” (1998) e “Want More Need Less” (2001) poderiam enganar os leitores da Melody Maker de outrora, que corriam atrás de algo similar ao que viria se tornar o brit pop dos anos 90, ou então o que um dia já foi o indie dance da geração de Jesus Jones, Soup Dragons (a new rave de 15 anos atrás) e cia. O pesadelo breakbeat hardcore de “Chinese Burn” (1998) e o batidão industrial com guitarras malvadonas e distorcidas digitalmente de “Hell Above Water” (2001 – algo como um Nine Inch Nails com vocal feminino) não dão margem a tais singelezas. Trata-se sim de uma bandaça, totalmente à parte do que rolava quando surgiram – o que dirá dos dias de hoje. Já me disseram que o Curve é um “Garbage do mal”. É por aí. A voz sensual e (pseudo)delicada de Toni declamando letras dúbias por cima de sonoridades proto-indies e programações eletrônicas fazem um paralelo com a banda de Shirley Manson. Mas as batidas muitas vezes descambam no estilo Prodigy e Chemical Brothers (“Gift”, “Chainmail”), ou mesmo no techno/house (“Robbing Charity” e “Fly With The High”). O casal andava meio sumidão, mas em sua página oficial há uma música mais recente, “Weekend”, que é simplesmente arrasadora: batida tribal, synths electro e baxo distorcido. Vai na fé que vale à pena entrar no universo do Curve, mesmo que você não encontre paralelos atualmente.

13 comentários:

Buaiz disse...

Gun Club
fodão demais.

Anônimo disse...

Fala Kalunga!

muito bom o post, sons de prima qualidade! O que mais estou curtindo é o Curve, guitarreira com eletronica pesada e um vocal sensual, muit foda msm!!! O foda é que o som foi dificil pra kct de baixar, huahuahua...

esse 120 days eu to processando ainda nos meus neuronios e o gun club é rock n roll na veia, fiquei supreso!

um grande abraço!

blasko!!

Anônimo disse...

adoro as 3 bandas.
mas isso vc já sabe, né.
hahahaha

abração e até o dia 15
Taylor

Anônimo disse...

pós-punk na pista!!! estou nelssssaaa!!!

:[marz]: disse...

Vaca, como faço pra comprar uma pick-up toca discos nova? Existe? Onde?

Anônimo disse...

caralho vaca, vou precisar de uma aula particular de cowpunk... o frango não entendeu! que som é esse?

Kalunga disse...

Fala Burns! O disco do Gun Club eu surripiei de seus arquivos - all rights reserved, heheheheheheh...

***

Fala Blasko!

cara, o Curve eu poderia disponibilizar um rapid share p/ vc baixar, mas tenho certos impedimentos técnicos, se é que vc me entende...

***

Tco!!! é nóis c/ Taylor na pista dia 22 no Kokeshi!!! destruição!

***

Marz:

cara, pick ups de vinil ébem provável que vc encontre no Martini do Centro de Vitória. Uma vez eu vi uma Pioneer lá que era muito boa e c/ um preço razoável (250 paus). Já as profissionais Technics MK II vc não vai encontrar por menos de 1.000 Reais cada uma e de segunda mão... Mas é um investimento num equipamento que dura a vida toda.

abração!

***

Frango: procure na sua granja algum especialista em cow punk e depois me conte o que achou...

Anônimo disse...

Seus posts são bons, mas grandes dmais p/ posts.

doggma disse...

Foda-se!

Texto sensacional, Kalunga! Deu uma boa dimensão do que perdi na época. O máximo que eu ouvia do pós-punk era o cover que o Metallica pra "The Wait", do Killing Joke. :)

Baixei tudo o que tu resenhou aí. O disco do 120 Days eu tô ouvindo até furar o HD. Realmente, tão oitentista quanto "muderno". Como é que essa parada passou batida por mim no ano passado?

Miami, The Gun Club: do caráio. Cowpunk stoneano de garagem. Fico imaginando o Iggy Pop ouvindo isso e balbuciando "cool. that's cool, man..."

O Curve eu só tinha ouvido falar entre um Reading e outro, mas agora posso dizer: puta bandaça. Estripei o DC++ e baixei a discografia inteira. Impressionante a proximidade com o Garbage. Só é mais noisy e experimental (mas eles mesmos livram a cara do Butch Vig na página dedicada ao grupo no Wikipédia - cortesia profissional?). É muito bacana a evolução do Doppelgänger (1992) até o The New Adventures Of Curve (2002). Realmente mereciam mais reconhecimento.

Ps.: prefiro o Curve, mas o Garbage ganha no quesito vocalista gótica e gostosa.

Abraço!

Kalunga disse...

Salve Doggma!!!

ressurgido das trevas? hehehehe...

Cara, eu tbm estou pirado no 120 Days! Uma banda que emula o pós-punk sem pudores - seria uma banda fodona daquela época, e não apenas um mero imitador dos dias de hj.

O Gun Club com certeza teria o selo de aprovação do Mr Iggy Pop, hehehehe... tudo bem que a qualidade da gravação carece de uma certa pressão no som (nada que uma remasterização decente não possa consertar), mas só o fato de ouvir um som produzido no miolo dos 80's sem baterias eletrônicas eteclados de brinquedo já é um alento. Isso me lembra o disco "Electric", do The Cult, lançado em 87, hard rock pesadão sem frescuras (a pose viria com forçano Sonic Temple), totalmente estranho no ninho dos mullets (Rick Rubin na produção!).

E o Curve, pelo visto vc baixou tudo, e eu não tenho tudo, hehehehe... A comparação com o Garbage é inevitável, mas o peso nas guitarras e nas programações me seduziu mais no Vurve. Mas vocalista gata e gostosa é c/ Miss Shirley Manson mesmo, hehehehe...


um grande abraço!!

***

Vc assistiu "Planeta Terror"? Tá carecendo dum post no Black Zombine, não? Têm referências ali que eu tenho curiosidade de saber de onde vieram...

Chantinon disse...

Shoegazer Gótico?

KKKKKKKKKKKKKKK

Essa foi foda!
PelamordeDeus não vai me dizer que emo e shoegaze tá no mesmo barco... eu começo a chorar agora!
kakakakakakakaka!

Kalunga disse...

Fala Chantinon (primeira vez aqui? seja bem-vindo!)

Bom,

sobre seu comment, eu coloquei o adjeivo "shoegazer gótico" em interrogação justamente para mostrar uma contradição a respeito do rótulo ao qual o Curve comumente é associado na mídia no geral. Eles foram jogados na vala comum do que um dia foi chamado de "shoegazer", mas basta ouvir o som p/ perceber que o buraco deles é mais profundo e antagônico par com o "shoegazer".

A propósito, os shoegazers (que fizeram algum "barulho" - aspas são necessárias - entre o final dos 80's e início dos 90's) podem ter sido os emos daquela época, dada a postura derrotista no palco. Mas, na boa, tem muita banda excelente daquela geração, e sonoramente eram infinitamente melhores que o chororô emo.

abraço.

Chantinon disse...

Essa é a treplica mais atrasada da historia :)

Cara, eu gostei muito dos seus esclarecimentos desse post.
Sou vidrado em Shoegaze, mas eu não curto muito esse lance de "revival". Só que hoje em dia é tanto lixo que é mais prático escutar o som dos 90's que já tá na garantia de qualidade.
Nos ultimos meses comecei a revisitar o britpop dos 90's... e te falo... aquilo sim foi um tempo bom.

abraços