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terça-feira, janeiro 27, 2009

A Dicotomia Capixaba

Uma das definições da palavra “dicotomia”:

4. Lóg. Divisão lógica de um conceito em dois outros conceitos, em geral contrários, que lhe esgotam a extensão. Ex.: animal = vertebrado e invertebrado.


Esta foto que fiz, em preto e branco, para mim demonstra bem as dicotomias capixabas descritas a seguir

Escolhi esta definição para ilustrar a condição do capixaba diante do que ele próprio se abastece, consome, regurgita e volta para si mesmo num processo contínuo e, aparentemente (até quando?), interminável e do qual parece que nunca se livrará disso. Algo como um cachorro correndo atrás do próprio rabo, mordendo-o, se machucando, mas ainda assim continuando a fazer a mesma coisa, sempre. Eis aqui alguns aspectos que qualquer ser minimamente pensante nesta terra um dia já parou para avaliar na hora de pagar a conta por algum serviço prestado.

O Turismo

Em 2006, trabalhei como assessor de imprensa de um evento de turismo de nível nacional realizado no SESC de Guarapari. Além do triste fato de que os universitários capixabas eram os que mais queimavam o filme no congresso (chegavam bêbados nas palestras, eram os menos interessados em aprender alguma coisa, arrumavam brigas dentro do hotel, depredação de banheiros e quartos, etc.), travei contato com algumas autoridades nacionais do setor que tiveram o desprazer de perder seus fracionados minutos de sobra prestigiando o evento. Um dos diretores de uma das maiores redes hoteleiras do Brasil me confidenciou em off que o ES continha, até então, a maior taxa de ocupação de seus hotéis no País, só que durante os dias úteis. Ele também me disse que a média de consumo do “turista de negócios” por aqui era de R$ 360 por dia, dez vezes mais que o “turista comum”, de fim de semana e em alta temporada, que consumia R$ 35 diariamente, em média. O mesmo diretor da rede justificou o fato de não divulgar publicamente estes dados para não “desvalorizar o evento” (haviam outros motivos mais sérios dos quais não consegui arrancar do cara), ao mesmo tempo em que afirmava, também em off, que o “turista de negócios no ES não tem o que fazer fora do hotel onde se hospeda”. Em suma: ele quis poupar o capixaba de sua mediocridade diante de universitários e coordenadores de faculdades de turismo Brasil afora e também da mídia que cobria o congresso.

Ao ir embora do evento, de carona numa van fretada pela organização, fui conversando com um dos palestrantes mais qualificados do congresso (paulista, 12 livros lançados, fala cinco idiomas, etc.), que descreveu polidamente o capixaba como ligeiramente selvagem (ele chegou a interromper uma de suas palestras para reclamar do som alto que vinha de um carro com capixabas entornando vodka às 3h da tarde). Já a coordenadora de uma faculdade de turismo de Itabuna (BA, mas com o grosso do trabalho desenvolvido em Porto Seguro e vizinhança), que também estava na mesma van a caminho do aeroporto (nosso terminal aeroviário mereceria um post à parte) não se conteve e abriu o verbo: “eu nunca imaginaria o quanto o capixaba era sem educação, amador e indisciplinado! Vocês estão ferrados nas mãos dessa geração aí que participou do congresso!” – ela falava dos mesmos estudantes do carro com som alto e vodka à luz da tarde. A propósito, o mesmo congresso teve apenas esta edição realizada...

A Solução:

Não basta apenas reclamar, tem que participar!. Esta bravata surte pouquíssimos efeitos após algumas tentativas frustradas de mudar alguma coisa, mas vá lá: O ES precisa se profissionalizar em todos os setores de serviços, do ajudante de cozinha ao proprietário de uma rede de restaurantes. Porém, o turista que realmente gasta dinheiro por aqui raramente é percebido por nossa população, fazendo com que surjam pouquíssimas iniciativas de melhorar nossos serviços. Afinal de contas, este mesmo turista chega na segunda-feira e vai embora na sexta, ficando boa parte do tempo sob os serviços do próprio hotel, pois nem os taxistas sabem orientá-los sobre onde eles podem comer e beber bem, serem bem atendidos ou curtirem uma boa balada noturna. Enquanto isso, nós, capixabas, continuamos a pagar caro por um serviço de merda.

*PS: Ainda me surpreendo com gente daqui falando que o turismo do ES é “nota 10” e caindo na ilusão de pegar como referência a Praia da Bacutia, em Guarapari, como “turismo que dá certo”. Estar na Praia do Canto (Vitória) ou na Praia da Costa (Vila Velha) é basicamente o mesmo de estar na Bacutia no verão - entenda isso como quiser. O “turista de alto nível” de outros Estados passa longe daqui, vide o que já ouvi da boca de cariocas, belorizontinos e paulistanos sobre a nossa terra. Isso sem falar que para a maioria brasileira o ES é um traço nulo no mapa do Brasil (nem na previsão do tempo dos telejornais somos citados), e comprovei isso nas diversas vezes que tive de explicar aos paulistanos quando morei lá em 2004 que eu era capixaba (“o que é isso?, Índio?”), que era natural de Vitória (“Vitória da Conquista?”) e que o meu Estado também ficava na Região Sudeste (“tem certeza que não é no Nordeste? Não é do lado da Bahia? Então!”) Uma prova desta insignificância nacional pôde ser vista recentemente na “reportagem” da Revista da TAM sobre nossa querida capital e veiculada para todo o território brasileiro.

***

O Custo de Vida

Já deu no noticiário: “O ES é o Estado com a maior taxa de crescimento do país atualmente”; “O custo de vida da capital do ES só perde, proporcionalmente ao poder de compra de sua população, à capital do Distrito Federal, Brasília”. Do progresso anunciado, a conta vem logo a seguir... Pois bem: o capixaba está pagando MUITO caro por uma prestação de serviços de merda. Não há como ser menos pragmático nesta afirmação. Nos últimos dois ou três anos, nosso Estado tem vivenciado um boom imobiliário em proporções talvez nunca antes vistas. Por exemplo, o preço do imóvel nos restritos metros quadrados que nossa Ilha-Capital tem disponíveis atingiu picos de valorização inéditos por aqui, fazendo com que grandes redes de imobiliárias de outros Estados como RJ e SP abrissem o olho grande para nossa terra. Isto gerou um efeito cascata, encarecendo o preço de praticamente tudo por aqui. Porém, muitos prédios novos que surgiram por aí contam com menos de 50% de taxa de ocupação por moradores, ficando a maior parte nas mãos de investidores que, de uns tempos pra cá, contam com apartamentos vazios à espera de quem os alugue ou compre por um preço abusivo. Seria o primeiro sintoma visível no setor em relação à tão falada crise econômica mundial?

Com os preços de imóveis e aluguéis em alta, o comércio supõe que há muita gente disposta a pagar caro por seus serviços. Portanto, também nos últimos dois ou três anos, Vitória (em particular) tem experimentado uma explosão de novos bares e restaurantes, todos se sentindo no direito de cobrarem preços abusivos em seus pratos e oferecendo um serviço de merda. O resultado pode ser visto por aí: estabelecimentos que fecham suas portas com nem um ano de vida. Devem existir uns dois ou três locais por aqui onde existe público de fato que se dispõe a pagar muito caro por seus serviços. Nos demais, criou-se a ilusão de que todo morador de Vitória vai querer pagar R$ 45 num prato a la carte (só o prato, sem incluir entrada, bebida, sobremesa e os 10%) ou R$ 40 pelo kg de um self service. O capixaba atualmente está numa moda de adorar se sentir VIP, tirar onda de ver e ser visto em locais caros. Se tivesse tanta gente com grana assim por aqui, os mesmos bares, restaurantes e casas noturnas não amargariam mesas vazias a partir da segunda quinzena do mês, quando o salário de todo mundo começa a rarear – ué, quem tem grana mesmo não vai ficar contando salário no final do mês, certo?

A Solução:

Que a crise econômica mundial bata com força no ES, diminua o poder de compra dos investidores e, finalmente, que faça baixar os preços de produtos e serviços de merda capixabas, deixando aqueles poucos de sempre cobrarem os olhos da cara para quem realmente tem bala na agulha para gastar. Só que com os preços caindo novamente, a prestação dos serviços de merda tende a piorar o que já é péssimo...

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Os Serviços de Merda

Capixaba paga caro para comer mal e beber mal, além de ser pessimamente atendido. Ponto. Aqui é terra de bar (pseudo) chique concorrer – e ganhar! – concurso de “melhor boteco”. Aqui é terra de beber cerveja quente (só os botecões de verdade - e que não concorrem a premiação alguma - é que servem cerveja no ponto). Aqui é terra de garçons fingirem que não o viram. Aqui é terra de donos de bares/restaurantes desqualificarem a reclamação justa de um consumidor feita num jornal de grande circulação ao invés de seguirem regras básicas de mercado (admitir o erro, convidar o reclamante a voltar ao estabelecimento para desfazer a má impressão, treinar melhor seus funcionários, etc.), pois sabem que o mesmo cidadão voltará ao local “por falta de opção”. Aqui é terra de chegar na melhor parte de uma saída à noite, quando a cerveja começa a bater e a conversa fica animada, e o garçon chegar a você com aquela infame e onipresente pergunta: “Vocês vão querer algo da cozinha? É porque em 10 minutos nós fecharemos a cozinha” - eles perguntam isso faltando 10 minutos sabendo que ninguém vai pedir algo que fique pronto em tão pouco tempo. Isso por volta de meia-noite, 1h da manhã, no máximo. Aqui todos os bares procuram se concentrar num só trecho de uma só rua de um só bairro de uma só cidade – atrever-se a sair do miolo de sempre é fracasso na certa, mesmo sendo na esquina ao lado. Aqui os bares ficam às moscas a partir de 1h30, sendo que depois desse horário é difícil até de pegar táxi pra voltar pra casa. Aqui a conta é cara, mas o serviço é de merda. Ponto novamente.

A Solução:

Eliminar toda a população capixaba atual e fazer renascer uma nova geração livre de vícios provincianos e dotada de um senso crítico minimamente exigente.

PS: Todos nós somos culpados, pois continuamos a pagar pelo serviço de merda, dando sustento a isso. Eu sou culpado, você é culpado. “Não há opção e temos que nos contentar com o que temos em mãos ou vazemos daqui!” – este é um bom argumento. Eu já vazei e já voltei. Sobre o atendimento, minha casa e as dos meus amigos possuem o melhor acolhimento para uma boa conversa regada a boa bebida e boa comida. Se optar por sair de casa, tenho de me preparar psicologicamente para engolir o serviço de merda. É triste. É real.

***

A Cultura Capixaba

Não discutirei mais sobre isso enquanto tudo o que for produzido aqui levar a pecha provinciana de “capixaba” a tiracolo (“música capixaba”, “bodyboarder capixaba”, “atleta capixaba”, “economista capixaba”, “ator capixaba”, "assassino capixaba" – a lista é infinita). Alguém aí já ouviu um paulista se auto denominar “músico paulista”? O que seria um "ator carioca"??? Quando você lê sobre "música mineira", fala-se sobre algo bem regional e restrito às tradições de um lugar, certo? Aqui é "música capixaba" para banda de reggae, forró, rock, metal, jazz, idem para a cultura, os atletas, os profissionais, as tragédias, os assassinos... Como se fosse uma etiqueta para denominar algo que só é feito (desta forma) no ES. Ou seja: mal feito? Quem daqui que realmente faz algo que presta certamente não sai Brasil afora bradando a bandeira azul e rosa capixaba como se fosse a única muleta para se apoiar. Se um povo continua se inebriando com tal rótulo pra tudo e ainda tem a necessidade de se auto afirmar pra tudo é porque tudo está errado, penso eu.

A Solução:

Hein?!?

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O mesmo momento registrado no início do texto, desta vez com a foto colorida. Pouca coisa muda...

Considerações finais:

Um desavisado que não me conheça pessoalmente pode ficar ofendido com o meu texto. Vai pensar: “se esse babaca reclama tanto, porque ele não vaza daqui ou faz algo para mudar?”. Já fiz as duas coisas. Cansei. Estou prestes a fazer 33 anos, estou bem comigo mesmo e não quero levantar bandeira contra o conformismo e a inércia capixabas e tentar mudar alguma coisa para, no final, acabar sendo crucificado tal qual (olha a idade que estou chegando!) um Jesus Cristo pregado na Cruz do Papa. Me tornei uma pessoa mais fechada e egoísta, admito. A propósito, alguém aí já viu um espaço tão grande quanto mal aproveitado como aquele onde a famigerada "cruz do Papa" está fincada?!? Aquela cruz está mais para caveira de burro!

*Extras: Como num DVD que você alugou e se arrependeu amargamente de ter perdido seu tempo assistindo-o e, mais masoquista impossível, foi conferir os extras assim mesmo, este texto ainda traz mais um bônus sobre mais um capítulo de nossa triste história de prestação de serviços vs. crescimento econômico. Por favor, acesse a página do OI Velox do Rio de Janeiro e compare os preços de conexão de internet banda larga com os cobrados para o capixaba. Eu pago R$ 69,90 por uma conexão de 300 kbps (minha promoção de R$ 39,90 acabou há meses). Na capital carioca, este mesmo valor cobre uma conexão de 1 mega - se eu quiser esta velocidade aqui no ES terei de desembolsar absurdos R$ 159,00 por mês! Quase três vezes mais. Para nos deixar ainda mais tristes, é bom lembrar que os serviços de conexão de 300, 600 e 800 kpbs inexistem para os cariocas, que contam apenas com velocidades de 1 mega pra cima. Tais discrepâncias dizem muito sobre a verdadeira evolução econômica de nosso Estado.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Dark Street Tour em BH Rock City


As Brumas de Outono se encontraram na Dark Street
Foto By: Kalunga


Mineiro é muito gente fina! Não é de hoje que meus amigos me falam isso, dos famosos rocks em Bêagá, de boa comida, papo bom, cerveja boa, farta e sempre gelada, uai! Papo tão bom este que rendeu convite para fazer minha festa The Dark Street Project na Terra do Pão de Queijo. Porra, pão de queijo! Tinha que comer um logo quando pisasse nas Minas Gerais, mas ficou pra depois. Pois é, quando pisei na capital das Gerais o visual até me lembrou São Paulo: muita ladeira, céu poluído, trânsito infernal, ar seco... Rapaz, as semelhanças acabam por aí e lendo o texto vocês saberão o porquê! Cheguei às 18 horas de quinta-feira, hora do rush, com o Angel e sua mulher já me esperando na Rodoviária, e fomos pegando busão lotado (linha 1407), estilo Transcol, para a casa do Nilton, nosso cicerone – que por incrível coincidência encontrava-se no mesmo coletivo, voltando de seu trabalho. Já devidamente instalado no apê em São Francisco, rolou aquele banho providencial, passamos rapidamente para conhecermos a Casa Matriz (espaçosa, underground, com toda a estrutura – tudo isso junto nunca existiu no ES!), e partimos para o principal: cerveja! Cerveja esta que está sempre boa, farta e gelada!

A primeira cerveja boa, farta e sempre gelada rolou um barzinho na Savassi: cadeiras na calçada, lotado de gente de todo o tipo, tomamos Heineken em um linda e verde garrafa de 600 ml – nunca tinha visto!, comemos uma porção de 10 pastéis a R$ 2,50 (lembrem-se: a porção!), e começamos a perceber que tudo em BH é mais em conta que em Vitória. Estão vendendo uma imagem exagerada de “qualidade vida” que na verdade está encarecendo tudo na nossa Ilha-Província-Capixaba. E olha que estávamos na Savassi, a Praia do Canto os belorizontinos, pagando barato para beber bem, cerveja sempre gelada – porra, como é difícil tomar uma cerva nos trinques aqui em Vitória! E com os neurônios nos trinques que fomos panfletar a nossa festa em locais como A Obra e Up Club – locais pequeninos, no meio termo entre o charmoso e o tosco. A fome e o cansaço batendo, e lá fomos nós para o Centrão, forramos o estômago na tradicional cantina italiana La Greppia, 30 anos de história, aberta e lotada 24 horas, R$ 8,90 pra comer uma variedade deliciosa até cair. Só não rolou pão de queijo! E caímos de sono, pois no dia seguinte tinha mais.

O dia seguinte teve muito mais, pois fomos ao Mercado Central, mil comidas, temperos, cachaças, mais cervejas geladas e nos trinques. Comemos Comida Mineira (com maiúsculo e autoridade!) legítima no Casa Cheia, que fica no mezanino do Mercado. Rapaz, até a couve refogada deles é de uma divindade única! Da divindade para o inferno, pois tivemos que andar na rua torrando com 38 graus de um sol atípico (segundo os próprios mineiros) na moleira, tontos de tanto comer, e sem podermos dar mole de pedestre capixaba: quem anda a pé em BH não vale um tostão, pois o trânsito ali é dos velozes e furiosos. E fomos, velozes e furiosos, no Gol do Nilton, pegamos o brother Tatá (o cabeça do movimento gótico de BH, quando bêbado, parece um urso amigo e emotivo – figuraça!), e a dupla Fábio e Ricardo, da banda Lost Days (que iria tocar conosco – mais figuraças!) e partimos para darmos seguimento à saga de divulgar nossa festa em programas de rádio e de televisão. Da UFMG (cheia de histórias de estupros e assassinatos) à PUC, suamos a camisa (literalmente!) e cumprimos nosso papel. E partimos para a cerveja boa, farta e sempre gelada, desta vez no Maleta, um pico no Centrão, parecia até a Rua da Lama, com vendedores de cd pirata, amendoim, hippieces, mendigos... e com o que a nossa Lama produz com dificuldades: a porra da cerveja boa, farta e sempre gelada – Original na cabeça! Cabeças as nossas já meio lesadas, mas fomos para outro lado da cidade, num bairro mega-granfino chamado Belvedere, tudo isso para tomarmos um chopp divino no Krug Bier. Puta que pariu! A espuma daquele chopp (um de trigo, meio turvo e mais forte que todos) é alucinógena. E ainda rolou um vira-vira de tequila no final - R$ 6,50 a dose de Jose Cuervo Ouro, num bar, pasme!, numa área tipo Ilha do Frade... porra, capixaba paga o dobro nisso, e ainda não come pão de queijo decente, sendo que eu ainda não havia comido um!

Se ainda não rolou um pão de queijo, rolou uma gripe chata que veio com tudo pra cima de mim, como que uma punição por ainda não ter experimentado essa guloseima típica mineira. Arrastando carcaça, fomos novamente para a Savassi, onde fizemos um pit-stop no Bar do João, e depois fomos a uma galeria onde ficava uma loja de moda gótica e um stand de piercing e tattoo. Neste último, conhecemos o Johnny, veterano da galera que curte e produz som e festas no estilo EBM/industrial – era O Cara, pois sua banda, Cadaveria, era um mix de Ministry com Young Gods cantado em português! O bagaço da gripe me assolava, a fome idem, e acabei comendo num restaurante natural (Casa Natural) maravilhoso, enquanto que Tatá, Nilton e Angel foram se acabar num (mais um!) restaurante de Comida Mineira (maiúsculas, lembre-se!). Da comida para a cama, pois a noite era de festa. Festa Gótica!

A Festa Gótica – organizada pelo núcleo Brumas de Outono – em si não vingou o esperado. A enorme divulgação que saiu nos principais jornais de lá (Estado de Minas e Diário da Tarde), com fotos grandes e entrevistas, parece que rendeu inveja em outros núcleos semelhantes – e eu que achava que este tipo de coisa era privilégio de nossa grande cena capixaba. Não quis nem saber, toquei com vontade, fiquei de pé à base de vodka com energético e tudo de bom aconteceu. Estiveram presentes cabeças boas e influentes, que abriram as portas para que tocássemos quando quiséssemos em BH, e ainda por cima rolou um canal do caô aqui poder ter a chance de discotecar na Thorns – a maior rave gótica do país! Quem botou esta pilha foi a dupla do Lost Days, banda que mistura gothic rock e EBM, que fez um show destruidor na nossa festa, e que bebe pra caralho!!! Os dois figuras, lá pelas tantas, me revelaram o que o adjetivo pós-punk se transformou para eles. Era algo tipo o nosso capixabasso, hehehehehe... Só sei que no final eu já estava pós-punk decadente da porra, uai!

Decadente da porra no domingão e ainda não havia comido pão de queijo! Fome batendo e fomos nós na Savassi atacar um restaurante chinês do qual não me lembro o nome (excesso de shoyu na cabeça e na pança...) e que cobrava R$ 13,00 por cabeça para comer de tudo muito bom e sem parar. Em Vitória um restaurante desses iria dar briga, seria depredado, não daria certo, muito bom pra ser verdade. Verdade mesmo era tocar fundo para a Praça da Liberdade e seus bebedouros de água gelada, gente de todo o tipo em perfeita harmonia num Domingo no Parque mineiro, uai! Bagaço batendo mais forte, e nada do pão de queijo! Chegava a hora de arrumar as malas e ir embora. Bicho, ô terrinha de gente boa da porra! Não moraria lá, mas que voltarei sempre, isso com certeza! E o pão de queijo? Comi quatro de uma vez só, momentos antes de embarcar para Vitória. O pão de queijo de rodoviária deles faz o melhor dos nossos parecer borracha com goma de mascar. Acordei já em Vitória, meio perdido, chumbado e feliz. Quero voltar, uai!!!!

+ Fotos:
By Kalunga


DJ Angel (ES), meu parceiro na Dark Street, foi devidamente 'montado' pra festa. Sinistro...


Já pedindo arrego e água, junto com Fabio Riot, guitarrista do Lost Days (MG) e pós-punk pra caralho, hehehehehe...


Entre Nilton, nosso anfitrião, cicerone e faz-tudo de BH, e o Tio Chico


A banda Lost Days quebrou tudo no seu show!


O caô aqui pode dizer agora que já botou som em BH, hehehehe...
*Esta foto by Led Russo

quarta-feira, julho 26, 2006

Bom enquanto durou


Pista vazia só é bom no começo...
Fotos by: Kalunga


Era por volta de 1:30h da manhã (ou, pelo menos, eu deduzia), e o bicho estava pegando lá dentro. O negócio estava tão nervoso que eu resolvi dar uma voltinha lá fora, tipo para respirar um ar que não cheirasse a nicotina (e outras fumaças suspeitas) e vodka com coca-cola – já devia estar na décima dose daquela mistura. Sabe como é, “o olho do dono engorda o gado”, e fui dar uma conferida bilheteria (meio teatral era este ato, pois não tinha condições de somar algo mais complexo que dois+dois naquelas horas), ver o movimento e tal. Eis que eu vejo um monte de viaturas da Polícia Civil, com policiais de touca ninja e de metrancas exibidas nas janelas, passando em frente a mil. Como existia uma unidade policial ali ao lado, pensei que estivessem indo para lá. Ledo engano. Eles deram meia-volta, pararam à minha frente, mostraram um mandado de sei-lá-o-quê e entraram no recinto. Fodeu! Naquela baderna sem lei que estava lá dentro, com até o dono da bagaça aprontando ilegalidades das suas, iria todo mundo preso. Mas que nada! Foram do início ao final da casa, olharam alvarás e documentos em geral, cumprimentaram-nos educadamente e foram embora sem nada. Olha, ali eu reforcei minha crença de que certas situações são inabaláveis, de que uma conjunção de fatores positivos resiste a tudo. Depois foi só aumentar o som e gritar: “vamos quebrar tudo, porra!!!”.

Este episódio não vem a ilustrar algo como “o melhor bar de todos os tempos”, ou “essa época era foda”. Não é bem isso – se bem que é um pouco disso também. Aliás, se refere àqueles que, com eu, gostam dar a cara a tapa para tentar fazer e/ou usufruir de algo diferente de nosso restritíssimo usual. O extinto Pub 455 foi, pelo menos para a minha geração, o espaço mais perfeito para quem quisesse produzir algo movido a boa música, dançar boa música, embalar uma quebradeira com boa música e num local privilegiado como é nossa cidade de Vitória. Ter um pico para tomar umas e curtir um som com vista para o mar é para poucos lugares neste mundo. Reside – admito - uma boa dose de nostalgia nestas palavras pelo simples fato de um lugar assim fazer muita falta. Nem de longe era perfeito, pois tinha vários problemas estruturais como caixas lentos, filas e mais filas, banheiros que ía se deteriorando no decorrer da balada, enfim, quem quisesse falar fal, tinha munição também. Mas, na boa, aponte um local que reuniu tantos projetos envolvendo estilos musicais tão díspares quanto alternativos como este lugar aqui no Estado e eu te chamo de mentiroso. Tinha noite de house, breakbeat/drum’n’bass, techno, trance, dub, world beat, hip-hop, mpb, rock, blues, jazz, gótico, tudo o que você não vê/ouve que não seja pela tv ou pela internet. E ganhei uma boa grana nas festas que fiz por lá, reforçando a sua viabilidade como o local certo na hora certa.

Localizado em um ponto nobre do bairro Barro Vermelho, região de Praia do Canto, Vitória, o Pub 455 pagou o preço por estar justamente entre os nobres - choviam reclamações dos vizinhos sobre barulho, bagunça, drogas, enfim, tudo aquilo que seus filhos aprontam, mas que não era bem o local que eles freqüentavam. Pobres alternativos, que não fazem mal a uma mosca e carregam a má fama por não freqüentarem boates da moda. Moda? Se bem que muita gente que ía para alguma destas boates bombadas (inclusive os filhos da vizinhança nobre!) acabava ficando por lá, atraídos pela enorme fila do lado de fora, e foda-se o som que estivesse rolando. Fenômeno estranho este que rola por aqui, de misturar patrícias, maurícios, indies, clubbers, góticos e pitboys num só lugar, todos muito diferentes entre si, mas incapazes de resistir a um recinto lotado até o cú rasgar. Este mesmo fenômeno é o que fazia o Pub 455 bombar e cair vertiginosamente numa constância absurda. A mistura é saudável até certo ponto, pois é muito bacana atrair para sua festa gente de todo o tipo – mais cabeças diferentes para plantar informação, saca?. Mas as motivações duram até o dia em que seu evento não encher tanto assim, de perder o interesse até mesmo de seu próprio público (tipo indie de festa de rock alternativo, tranceiro de festa trance, e por aí vai) por conta de alguma micareta que, mesmo que você não fosse, não se arriscaria ir ao Pub com aquela clássica e patenteada pergunta capixaba-provinciana: “Será que vai dar gente?”. Foi assim que propostas inovadoras caíram no esquecimento, fazendo com que o Pub 455 amargasse quase um ano de ostracismo, de descrença geral, até surgir um súbito renascimento nos seus últimos seis meses de vida. Atolados de dívidas diversas (contas, encargos trabalhistas, multas), os donos do local fecharam tudo e picaram a mula daqui. Terminou, pelo menos, no seu auge.

Agora não adianta chorar pitangas! Cansei de ver gente que detonava o lugar e agora está se lamentando por seu fim. Capixaba é feliz e não sabe. Recebe o doce na sua boca, come tudo e ainda tenta arrancar sua mão. Passei outro dia lá em frente e o local está totalmente destruído. Manja aquele final do filme “Poltergeist”, quando a casa da família que é assombrada pelos espíritos acaba simplesmente sugada para debaixo da terra? Pois é, parece ter recebido o mesmo fim, levando consigo toda a carga provinciana recebida em pouco mais de um ano de vida para sete palmos abaixo. Esqueçam de fazer qualquer coisa por lá, pois sua época já foi, e só com muita grana na mão para poder reeguer aquela estrutura. Mas algumas lições sempre permanecem.

O Pub 455 registrou uma troca de guarda de gerações, e foi um local onde se reunia gente entre beirando e após os trinta, e também recém chegados à idade adulta. Tinha que ter um tanto de disposição para encarar o desconhecido, de apostar em novas propostas, um ímpeto que se dilui quando se dão muitos tiros n’água – e foram muitos, ainda que inadivetidamente, naquele lugar. A tal troca de guarda se deu entre a primeira fase do Pub, de seu início em 2002 e metade de 2003 - quando um povo viciado no esquema “pô, tem que pagar para entrar” (lembra daquela galera que lotava o lado de fora do Sala 11 e não entrava? Era esta gente...) afundou o local pela primeira vez – e o segundo semestre de seu último ano, quando uma nova geração, munida de downloads e fotologs (anda não havia Orkut) combinava de se encontrar no local onde rolava seus sons preferidos. Este mesmo público lota todas as festas da Antimofo, que o satisfaz no ritmo conta-gotas, com eventos esporádicos para não cansar a galera. Pois é, o povo daqui cansa quando tem o que gosta. O Pub 455 cansou nossa beleza! Que venham outros iguais! Eu vou estar lá, me cansando para cansar a beleza dos outros, pode crer!

+ Fotos:

Esta foto minha junto com o Fuka resume a cachaçada que rolava naquela cabine de DJ. Matamos uma garrafa de wisky ali mesmo e mais um monte de doses de vodka


Vista da área externa


Ah, a fluorescência...


Botar som pra pista lotada assim é bom...


Taylor, um dia, já foi O DJ de Rock daqui. Sai da toca, meu filho!

quarta-feira, abril 05, 2006

Beco sem saída?


É produzir e mandar pra fora!
Foto by: Kalunga


É irônico notar que, aqui no Espírito Santo, não há uma cultura em si relacionada à música eletrônica. Num país sem memória, viver num Estado de população pouco numerosa é afundar de vez nos círculos provincianos que cultivamos desde sempre. O que era a ponta de lança de uma súbita e promissora novidade em meados de 2002, acabou por cair no esquecimento e por ser sugada quase que na sua totalidade por uma vertente solitária e totalitária. Até 2002, vá lá, 2003 também, Vitória tinha eventos que disputavam entre si a preferência do público que bancava a novidade, contando com ecletismo e muita boa vontade de quem os produzia e também de quem apenas queria se divertir. Techno, house, drum’n’bass e trance pareciam viver uma disputa saudável naquela época. Porém, a novidade passou. Sobreviveram aqueles que souberam canalizar os anseios de gerações específicas ainda mais novas em torno do que dá grana no bolso (não vejo nenhum demérito nisso, pois qualquer trabalho tem que ser recompensado), enquanto que todos os outros parecem viver de sobras, ilusões, ou de nada mesmo. O jovem de hoje (entre 18 e 25 anos) quer se divertir onde está bombando, seja numa boate badalada, seja numa micareta baiana. É um sintoma típico de gente normal de classe média e sempre vai ser assim em qualquer lugar. Este mesmo jovem agora se diverte - novidade! - também nas festas de psy trance. Os que optam por trilhar caminhos alternativos curtem o último hype do mês, de compratilhar arquivos novíssimos de Block Party e Arcade Fire, e de dançar em festas nostálgicas de uma época em que nem eram nascidos – os anos 80. E a música eletrônica, coitada, ficou perdida no tempo, virou som, acreditem, de gente velha?!?

Seria muito cômodo culpar o psy trance por este ostracimo para com as demais vertentes da música eletrônica no ES. A cena psy brasileira é idêntica em todo o território nacional, tanto em termos de público quanto de estrutura – uns maiores, outros menores, mas a postura em si é igual em todo o lugar. É uma cena independente com público de alto poder aquisitivo – um fenômeno sociológico a ser estudado! A forma com a qual as pessoas se aproximam do psy pode ser altamente questionável. Porém, o que não se questiona é o grau de profissionalismo acerca do que realmente interessa aos amantes de música em si: som bom e alto, decoração estupenda, e as maiores atrações mundiais do estilo batendo cartão nos festivais. É preciso botar e ganhar muita grana para sustentar algo deste nível. E o psy brasileiro (capixaba incluso) vive de uma forma totalmente independente a qualquer outro gênero musical. Talvez sua solidez fosse abalada se o suprimento de drogas lisérgicas fosse cortado de vez (eu tinha que soltar essa, hehehehehe...), mas o fato é que trata-se de, repito, um fenômeno sociológico entre jovens de classe média-alta brasileiros. A música eletrônica como um todo (techno, drum’n’bass, house, etc.) também já foi assim no Brasil, e aqui no Estado apenas ensaiou algo parecido. O que nos restou, capixabas, é trance, trance e trance.

Partindo daí, há aqueles que cairam na real e abriram as pernas para o mainstream, e embutiram seus anseios em noites típicas de boates badaladas regadas a drinks e azarações. Quem opta por viver disso aqui no Estado tem mais é que se adaptar ao sistema. Quem um dia sonhou em viver disso e manter algum tipo de integridade, ou passou a tocar psy trance ou largou dessa vida. Quem quer tocar sons diferentes da seara psy, tem que ralar! E quem somente curte estes outros sons diferentes parece que sumiu! Cadê aquela galera que freqüentava o Sala 11 e o Pub 455?!? O pessoal com mais de 25 anos que ia a estas baladas parece não ter tomado partido. Eu sei, parece papo de militante da Une falar em “tomar partido”. Mas, porra, estamos (eu, você que estiver lendo meu blogg, e o resto eu nem sei se existe mais...) ilhados (ops!) em parcas opções de se ouvir música eletrônica que não seja psy trance! E olha que quem escreve isso é um cara que poderia estar faturando bons trocos por DJ set de psy, na condição de veterano daquela cena.

Não toco mais psy por mera questão de gosto e por não me identificar mais com aquele público, e não por querer ser alternativo (algo que não enche o bolso de ninguém) ou qualquer coisa que o valha. Você, que gosta de techno, house, drum’n’bass ou o caralho-a-quatro-eletrônico - se é que você existe mesmo, saiba que tem gente tocando coisas diferentes na Serra (a galera de Ádamo e Anderson) e em bairros da Grande Vitória que saem do espectro de Praia do Canto-Jardim da Penha (DJs Cristiano e Mazzo). Fora os músicos veteranos e novatos daqui que vez ou outra fazem algum barulho bom produzindo sua própria música. É um exercício de paciência e, principalmente, persistência apostar em algo que parece estar caindo no esquecimento. Essa tal de música eletrônica deixou de ser moda por aqui, e virou demodé gostar disso entre os “jovens”. Tudo bem, o negócio é reunir quem gosta, partir para locais menores e com público realmente interessado. É pescar alguns dinossauros aqui e ali, e correr atrás daqueles “novatos” que gostam de algo que já não é mais sinônimo de “novidade”. Partir praticamente do zero.


Há opções, porém sem hype e para públicos mais seletos – Piscina Lounge Orchestra, Café Touché, 31/03/2006.


A banda Control Z, formada pessoas de idades entre 16 e 19 anos, está produzindo o som deles de maneira instintiva, sem seguir modas por aí. Teacher's Pub, 04/04/2006.
Fotos by: Kalunga

sexta-feira, março 31, 2006

Aparecendo para o mundo

Enfim, tanta batalha pelo que gosto e acredito rendeu resultados sólidos. Por conta de um contato que os ilustres e queridos Jana e Marcel, foi que eu tive a oportunidade de participar do primeiro, maior e mais conceituado web site de música eletrônica do Brasil, o Rraurl. Já foi postada a primeira matéria, onde contei um histórico da "cena eletrônica capixaba", apontando erros e acertos. Logicamente o texto está lá para ser discutido e em hipótese alguma assumo a postura de "dono da verdade" ou coisa parecida. O texto pode ser acessado aqui.

No mais, vou produzir material com a galera daqui que produz música, festas,e que faz algo acontecer por aqui efetivamente. Acredito no que faço, estou aberto a críticas e discussões, e clamo apenas por respeito por meu trabalho. No mais, vou levando a vida, um tanto mais realizado nas minhas convicções. Abraço a todos!

quarta-feira, março 29, 2006

Uma tonelada de maracatu atômico


Inexplicavelmente o disco novo da banda não está à venda no Estado. No show, o mesmo estava disponível por R$ 15,00. Material de primeira a preço barato! Quem não comprou lá, só na internet

Cara, esperei dez anos por este show! Chegaram a anunciar na programação do verão da Prefeitura de Vitória em plena Praia de Camburi, com o Chico Science ainda vivo. Pois é, rolou uma patuscada (in)digna de nossa panela de barro provinciana e acabou que não teve é nada. Desde então, só foram boatos e mais shows adiados (um deles foi aquele em que prenderam o cara da organização do show do Planet Hemp, e que desencadeou uma inquisição nacional em cima da banda de D2). Pois é, chega de ressentimentos, pois moramos numa cidade maravilhosa, com tudo perto, acessível e barato. R$ 20 paus para ver Nação Zumbi e Cachorro Grande (dia 24/03/2006) numa casa noturna espaçosa e arejada, na beira do mar e com um sistema de som de primeira?!? Quem reclamou de preço, do local ou da cerveja Schincariol (se bem que dessa a reclamção procede, mas nem tudo pode ser perfeito...), é porque não merecia estar lá.

A Nação Zumbi pós-Chico Science é outra banda. Mais psicodélica, mais introspectiva, menos acessível. Mas ainda genial, inclusive ao vivo. A produção da Birne (que trouxe ao ES gente do porte de Scorpions, Millencolin e Motorhead) provou ser a melhor do Estado para eventos deste tipo, e garantiu uma sonoridade impecável, pesada e nítida para pincelar o psicodelismo “preto no granco” atual da banda pernambucana. Os (sub) graves dos tambores, bateria e do contra-baixo batiam forte no peito e balançavam os órgãos internos. O vocal de Jorge Du Peixe parecia estar imerso em delays lisérgicos, ressonando por todos os canais auditivos dos presentes e mandando sua mensagem de forma clara, grave e flutuante. E a guitarra de Lúcio Maia sobressaía-se na melodia, destilando suíngue a todo momento, pesando quando preciso, alucinando quando lhe dava na cabeça. A platéia, pelo menos a que se postava mais próxima do palco, parecia estar em transe hipnótico. Bêbado igual uma porca, este que vos escreve pulou até não aguentar mais. Mas tive a capcidade de tecer outras considerações menos passionais.

Nitidamente o vocalista Jorge Du Peixe revela uma postura tímida, quase que inexprtessiva no palco. Também, pudera: imagine o tamanho do rojão que deve ter sido substituir a presença (de palco e de cérebro) gigantesca de Chico Science. Aliás, a própria Nação Zumbi teve peito e talento para ressurgir de um baque daqueles para se recriar, e assim tomar forma em sua sonoridade, transformando-a num baluarte de originalidade e personalidade que independe de paradas de sucesso da MTV e congêneres. E o vocal de Jorge Du Peixe tem, sim, grande peso nesta “nova banda” (que já é veterana,, diga-se), casando perfeitamente com sua proposta. Ainda tecendo considerações sobre “performance de palco”, Lúcio Maia provou ser o elo de ligação direta com o público. Agitando a massa e tocando como um demônio, aquela figura quietona das entrevistas solta os bichos no palco. Faz com que a Nação não aposte no apelo fácil de tocar seus hits de “Da Lama ao Caos” e “Afrociberdelia”, e sim acrescentando-os à sua usina sonora junto de faixas que, ora parecem trilha de thriller movie do sertão, ora chapam os ouvintes num dub dos infernos, além de destilar groove e peso thrash metal (o final do show, com “Da Lama ao Caos”, por exemplo) tão característicos de sua música. Ver a Nação Zumbi ao vivo requer entrega total. Entrando em sua viagem, sua satisfação é garantida e inesquecível.

+ Considerações:

• Tamanho apartheid cultural que nós, moradores do Espírito Santo, vivemos, somente valoriza ainda mais momentos tão bons como estes que descrevi acima. Não vou cair no velho papo de detonar o capixabismo e blá blá blá. Vou caçando alternativas, abosrvendo com prazer o que tem de bom por aqui, e apontando defeitos mas procurando por soluções. Dona Aparecida e sua Birne estão de parabéns, e que venham mais eventos do tipo sempre!
• Não resenhei o show do Cachorro Grande pelo simples fato de que, após tanto pular no show da Nação, vomitei tudo o que havia bebido, caí doente de gripe logo depois. Mas quem viu garante que foi muito bom. Também não tirei fotos porque simplesmente não quis levar minha câmera. Tava querendo simplesmente curtir e nada mais!
• Aliás, estou postando somente agora justamente por ter estado de cama até ontem.

quarta-feira, março 22, 2006

Eu acredito


Foto by: Kalunga

O prazer vem de graça. E o seu preço – por ser de graça – é caro! Dá o direito de alguém (muita gente!) reclamar, esculhambar, apontar o dedo polegar para baixo, exigir mais do mesmo, de (tentar) roubar até! Mendigos, bêbados, traficantes, malas-sem-alça, pilhados fluorescentes (são os piores...), putas, baratas, marimbondos (noite dessas um deles picou um de nós), polícia (sua presença ou a falta dela), cerveja quente, WO, WC (sujo, imundo, sem papel higiênico!), dor de barriga, nariz empinado, nariz fungando, névoas de Bob Marley, chuvas, pregos (que te furam, que te enchem o saco), caixas-cofre (decibéis altos = peso na moleira!), enfim... dá de tudo! E querem tudo! A maioria não quer te dar nada. Se cobrar, ofende! Cara, dá uma canseira!

Este prazer é de graça, e pisam no teu pé de graça. Mas tem suas compensações. Aliás, o que seria de nós se o que fizéssemos não tivesse um propósito, um benefício próprio? O prejuízo, às vezes, pode parecer maior que o benefício, eu sei. Mas, cacete, existem pequenos prazeres que nos fazem persistir em alguns, digamos, erros (para você, seu mané!). Muitos destes erros eu deixei pra trás, ficaram perdidos no espaço-tempo do aprendizado com a vida. O preço de alguns destes erros os tornaram ainda mais erráticos. Deixo estes para os que estão chegando. Praticar certos erros prazerosos dá - repito - uma canseira! Das brabas!

Só sei que, num quesito, ninguém que venha botar banca, cantar de galo no meu terreiro! Não ganho nada (para vocês, este nada significa tudo - $$$$ - entenderam?). Bom... se bem que rende um troquinho para curtir com a namorada, me divertir com os amigos, aproveitar os momentos com aqueles de boa alma. Ah, meu amigo! Estes erros a que me refiro me fizeram aprender a fazer muito com pouco, bem pouco, quase nada. Vou reclamar? Olha, eu reclamo pra caralho - eu sei! Mas continuo a me enfiar em buracos, bater boca com cérebros de minhoca, mas acreditando apenas em mim mesmo. Porra! Se não der crédito a mim mesmo, quem dará???

Os juros que me cobram estão lá, no SPC, na minha saúde - física e mental. E, mesmo assim, não canso disso. Sou masoquista, então? Podem julgar, condenar, tacar pedra, detonar, roubar, esbarrar, desligar... Mas, se você curtir o que faço – ou, ao menos respeitar, vai tomar uma cerveja (às vezes quente, lembrem!) comigo! Não. Não estou pagando. Estão me pagando! Ora, alguma coisa tenho que ganhar! Ali, na beira da praia ou num sótão escuro e quente (não pensem besteira, por favor...), apertando botões, enchendo copos, movimentando corpos (muitas vezes consigo!!!), vendo tudo passar, aproveitando cada minuto bom de um lugar e de um momento que podem sim ser maravilhosos. Acredito, enfim, que não esteja errando como um todo. Eu acredito.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Terror flúor em Guaçuí


Este é o único registro fotográfico que restou desta roubada monstro!
Foto by Kalunga


A idéia era mirabolante (e suspeita...), mas a secura para botar um som sempre falou mais alto. Afinal de contas, era só levar os discos. Não éramos uma banda, não tínhamos que botar e carregar equipamento – esse negócio de “DJ” é bem menos cachorro na prática do que ser “músico”. Para mim e para o Tourco, bastavam uma cervejinha di grátis na mão e um som potente para acharmos tudo de bom. Grana nem vinha ao caso, pois o lance era botar som mesmo e foda-se. Mas o cara tinha planos mais ambiciosos: ele queria fazer uma grande festa itinerante, com uma equipe de som, DJs, segurança e decoração fixos. E iria rolar uma graninha! O único porém – o maior! – era que o tal queria invadir o Interior do nosso Estado, com a promessa de receber apoio de “políticos locais”. Isso não tinha como dar certo...

Na noite de uma sexta-feira qualquer de 2001, rolou a primeira festinha de trance na Fazenda Camping Barra do Jucu, com o homem-rave Pablo trazendo tudo de Arraial d’Ajuda. Foi bacana, umas cento e poucas cabeças dançando animadamente. Já às 10 da manhã de sábado, ainda na Barra, não daria tempo para dormirmos, pois o busão-com-ar-condicionado, prometido pelo cara das festas do Interior, estaria de prontidão naquele horário para levar a trupe toda ao primeiro destino desta Thrash Mistery Tour: a cidade de Guaçuí! Teria público lá para ouvir nosso som? O cara falou que a divulgação estava bombando por lá há semanas, e que todo mundo da cidade iria à festa, pois se tratava da única opção daquela noite (Vitória muitas vezes age como se também fosse assim...). A caranga atrasou pra caralho e, quando adentrou às nossas vistas, revelou-se uma enorme charrete motorizada, de cadeiras todas fodidas e arriadas, com aquele cheiro maravilhoso de cachorro molhado impregnado pelo ar. Foram cinco horas tomando sol na moleira e sacudindo dentro daquela fedentina. Lindo!

O tal cara da festa já foi segurança noturno e, como “dono” do evento em questão, colocou na fita seus chapas de terno-e-gravata para trabalharem com ele. Deveriam ter uns 20 no ônibus. “Será que o povo de Guaçuí é tão selvagem assim, para necessitar de tantos armários?”, pensei com meus botões. Estragados da noite anterior, eu e o Tourco ainda tínhamos que respirar o cheiro constante daquele baseado prensado (em mijo???) que a galera da decoração fumava o tempo inteiro. Conversa vai, conversa vem, e o Tourco lembrou de uma bela noite em que ele viajara como técnico de som da banda Símios para a mesma cidade. As lembranças dele eram terríveis! Para piorar os nossos presságios, o sol forte e incessante deu espaço a um dilúvio/ciclone na última parte da viagem (entre Alegre e Guaçuí), que quase jogou nossa lata-de-lixo-ambulante ribanceira abaixo. Depois do susto, finalmente chegamos ao nosso destino!

A cidade de Guaçuí parecia ter recebido a visita de um furacão: árvores partidas, postes dependurados, poças, lama, enfim, estava era uma merda total. O pessoal que chegou antes à cidade, para montar e divulgar a festa, estava aos prantos, pois havia caído água sobre a mesa de som e toda a decoração pré-montada tinha voado com o vento. Haviam nos prometido também um hotel e, de fato, havia um (péssimo) para nós, naquele esquema de uns cinco dentro de um quarto para uma pessoa – a intenção de descansar um pouco foi eliminada sem dó. E existia um grave impasse instalado: rolaria ou não a festa? O dono da coisa toda tentava a todo custo tomar uma solução, até que voltou com a notícia de que conseguira um local ótimo e que o evento rolaria de qualquer jeito. Vamos botar som, porra!!!

O local ótimo ficava num galpão quente, fechado e horroroso (com paredes pretas?!?), no alto do morro onde existe um Cristo Redentor capixabasso. O som de lá era horrível, e parecia que não era ligado há séculos. Eis que entraram em cena o Técnico de Som (Tourco) e o dono do barraco, um coroa cabeludão com cara de Hell’s Angel: o auto intitulado DJ Vovô. Ele era muito gente fina e ofereceu o possível para ajudar o Tourco a fazer milagre naquela aparelhagem cheia de teias de aranha e de outros insetos de procedência desconhecida. O som saía meio distorcido, mas dava pro gasto. A galera da decoração começou a esticar os cordões fluorescentes, e os 20 seguranças já estavam a postos. Mas havia algo muito de errado pairando no ar.

O primeiro sinal de que aquilo tudo estava muito esquisito foi quando vi um dos caras da decoração negociando pó com um figura no bar externo. “Porra, aqui deve ser o único lugar que vende cocaína nesta cidade!”, pensei. Depois, as peças começaram a se encaixar. Imaginem um bando de malucos de dreadlocks, tatuagens e piercings cuspindo fogo e praticando malabares no meio da rua de uma cidade do Interior, com uma peruinha tocando um trance pesadão na maior altura, e com a arte dos flyers e cartazes estampando a imagem de uma mulher semi-nua e de cinta-liga, com os seguintes dizeres: “Sucubus: Uma Noite de Prazer e Sedução”. Esta era a divulgação que fizeram semanas antes. Não sei como não foram presos... E, para piorar, o tal do galpão onde a festa foi improvisada tratava-se de um puteiro - o único - da cidade de Guaçuí!

A praça central da cidade estava lotada, mas ninguém ali se atreveria a subir o morro para a nossa festa. Nem o Cristo Redentor (aquele, o capixabasso...) salvaria a nossa roubada! Acabou que tocamos assim mesmo, para algumas putas, uns traficantes, a galera da decoração (que fumava o bagulho mais fedorento que já vi, e cheirava o tempo inteiro uma parada marrom – eu hein!), e os indefectíveis 20 seguranças. Não rolou hotel para descansarmos, fomos embora virados de dois dias, com o sol batendo forte na cabeça novamente, com o cheiro do bagulho mais horroroso da história, com as cadeiras-cachorro-molhado balançando horrores, e com os 20 seguranças comentando em voz alta coisas tipo “a festa estava uma merda, mas os DJs eram piores ainda!”. Os planos do dono da bagaça incluíam invasões posteriores a cidades como Linhares, São Mateus, Ecoporanga, Barra de São Francisco, entre outras improváveis opções. Pergunte se rolou mais alguma festa dessas?!? Grana no nosso bolso, então, só em sonho... ou pesadelo! E tome roubada!

segunda-feira, agosto 15, 2005

Paz, Amor e Metal


Eles irão te matar!!!!
Foto by Kalunga


Jovens vestidos de negro e adornados com crucifixos invertidos e espinhos pontiagudos, caras de mau e adoradores de uma música movida a barulhos e grunhidos nem um pouco amigáveis. O local do encontro – ou do sacrifício é, invariavelmente, quente, apertado, sujo e maltratado. Público e cenário perfeitos para uma missa negra e satânica... ou de manifestações mais pacíficas que as aglomerações entre humanos podem produzir – um contradição em termos! O fato é que o heavy metal só é violento na metáfora agressiva de suas canções. Eu vim de uma época que (ainda) era perigoso freqüentar tais ambientes sob o risco de levar porrada de gangues de cabeludos sujos e malvados. Era o tempo de punks e headbangers se odiarem de morte, de quando um sujeito de apelido Repolhão causava apreensão onde quer que estivesse. Tudo bem, não sou tão velho assim - isso é coisa do “metal anos 80”, mas no começo dos 90’s, quando comecei a sair de casa, ainda rolavam alguns resquícios dos anos de ferro e fogo. O que vejo hoje, e de uns bons dez anos para cá (ou mais), é a mais pura e pacífica diversão, ainda que travestida de negro e adornos metálicos pontiagudos. Você pode levar sua mãe, seus avós e seus sobrinhos (e filhos, se for o teu caso) tranqüilamente para um evento no bar Entre Amigos II (Vila Velha), por exemplo. O inferno, sugerido pelo som e pelas alegorias de seu público, só se encontra mesmo nos banheiros – algo que parece nunca vai mudar. Ali, nem Satanás tem coragem de prestigiar.

Não vejo demérito algum neste pacifismo! Tudo bem que os shows daquela época antiga eram mais selvagens e tal, mas eu sinceramente não gostava nem um pouco de estar num local onde a qualquer momento alguém poderia juntar uma galera e te porrar sem o menor motivo. A tal diversão tinha um preço bem imprevisível. Havia o tal do Repolhão, que botava o terror em todo mundo, até que um dia (numa lona de circo em 1994 na SBPC, na Ufes, num show do Dead Fish!) uns quarenta incomodados resolveram bater todos de uma vez só no figura – mesmo que o tal puxasse uma faca! O tempo passou e o mesmo Repolhão virou motivo de piada e até mesmo um cara engraçado e amigável, sucinto a diversas lendas ao seu respeito (que virara evangélico, que falecera, que se casara, etc.). As gerações foram se sucedendo e amansando com o tempo. O público atual de shows de heavy metal faz com que seus pais prefiram que os filhos freqüentem um Entre Amigos a uma Blow Up (boate da moda) da vida.

Neste processo de “renovação”, uma coisa era certa: mulher era artigo de luxo! Numa noite de 1998 com a banda Shadow (na época, única e exclusivamente cover de Iron Maiden) no extinto Camburi Vídeo (Jardim da Penha, Vitória), deveriam haver no recinto uns duzentos cabeludos e apenas duas (!) mulheres, sendo que uma era namorada de um dos donos do local e a outra era cortejada pelos cabeludos cheios de cachaça como uma peça de alcatra num açougue – situação que poderia muito bem ser descrita numa letra de heavy metal. Ontem (domingo, 14 de agosto), no Entre Amigos, eu poderia afirmar sem medo que a proporção entre homens e mulheres era quase que 50% para cada lado. E as meninas (beeem novinhas, diga-se) eram muito bonitinhas e com uma produção visual pra lá de bem cuidada. E os meninos também cuidavam de se produzirem um pouco além do usual camisa-preta-calça-preta – acredito que os podrões não teriam chance alguma com elas. E havia muito pouca gente (muitas vezes nem vejo mais) caindo pelos cantos fedendo a cachaça como antigamente. Também, pudera, a média de idade do público deveria ser entre 14 e 16 anos. Haviam seguranças de terno que coibiam confusões e o consumo de bebidas alcoólicas para menores. E os amários eram bem pacíficos e pacientes, só estavam ali para figuração na maior parte do tempo. Definitivamente o público metal não dá o mesmo tipo de trabalho que antes.

No final das contas eu vou acabar alfinetando algo que quem me conhece já poderia esperar. Nem mesmo na época mais sinistra do heavy metal (muita briga, locais podres e pouca/nenhuma mulher) eu sentiria a repulsa que bate hoje em mim numa rave de trance. Do que participei antes – festas precárias e público neo-hippie-cabeça-de-vento (altamente criticável, mas inofensivo), não sobrou nada além da luz negra e de uma vertente de som absolutamente sem variações. Imaginem um local lotado de uns 800 pitboys travados de ecstasy e invariavelmente caçando briga, e na mesma proporção tropas de patricinhas igualmente chapadas e se equilibrando em cima de seus saltos-altos. Podem me chamar de preconceituoso, mas eu definitivamente não ponho mais os meus pés no que defino como uma micareta eletrônica: público e som igualmente apelativos e repulsivos em suas atitudes. Eu poderia criar um blogg inteiro para falar mal disso, mas acho que seja absolutamente desnecessário. Prefiro a diversão pura e inocente de um show no Entre Amigos e, de preferência, com uma boa banda tocando.

*A “boa banda” a que me refiro é o Poison God, cujas impressões minhas sobre o show estão no blogg Volume 4, onde divido espaço com meus amigos.

domingo, maio 08, 2005

A noite não é uma criança


Hora do acerto de contas! Logicamente, se eu tivesse batido uma foto de verdade disso, não estaria vivo aqui para contar a história...
Foto by Kalunga



Acerto de contas. Revólver na cintura. Pó e wisky (batizado) na mesa. Gente falando besteira. Gente falando besteira e alto. Gente esquentada, falando besteira e alto. Ninguém parece se entender. Uns poucos na verdade entendem tudo e estão prontos para puxar o tapete da maioria. No meio disso, umas biscates chamam para uma bolinada. Todas as intenções são as piores possíveis. Parece enredo de Nelson Rodrigues. Não é filme. É real e acontece nos bastidores da sua diversão noturna. Enquanto você bebe a última cerveja precedendo a partida para o retiro de seu lar, o bicho pega no exato momento onde, para a grande maioria, a diversão se encerra. Trabalhar “na noite” é uma profissão – perdoem-me a expressão - cachorra, onde se dá bem quem morde mais forte e quem se dá mal é aquele que só fica latindo.

Botando som para as pessoas dançarem ou cobrindo eventos como jornalista em um curto período de seis anos, pude presenciar cenas dantescas, deprimentes e perigosas como as descritas no começo do texto – muitas vezes com todas as situações acontecendo ao mesmo tempo. Profissões como dono de bar e de casa noturna, empresário de banda, músico, roadie e segurança constantemente têm que lidar com situações onde a remuneração pode não sair, o calote é eminente, a putaria rola solta, a lábia do próximo é sempre mais forte e a alma de ninguém vale nada. Bancar este meio de vida não necessariamente significa que você seja um escroque da pior estirpe. Mas a minha curta vivência (superficial, diga-se) me mostrou que neste universo os bons meninos não sobrevivem – ou ganham muito, mas muito pouco mesmo.

Vejam bem: dificilmente algum profissional do famigerado circuito noturno ganha salário fixo. A grana provém de cachês e/ou divisão de lucros. A quantidade de atravessadores dos quais passa o dinheiro é enorme. Segurança, namorada(o), garçom, técnico de som, músico, empresário, patrocinador, dono da casa... enfim, todos são suspeitos na hora de repartir a grana ou pagar os serviços contratados. A maioria sua frio ao ver centenas de notas graúdas passando em suas mãos. Algumas (muitas!) sempre ficam no caminho, inclusive cabeças também são derrubadas neste percurso. A única lei que vale é a lei do cão. Definitivamente este tipo de trabalho não é para notívagos deslumbrados. A noite não é uma criança. Pelo pouco que pude presenciar neste meio (que para mim foi mais do que o suficiente), prefiro ser uma criança mesmo. Deixo o trabalho sujo (bota sujo nisso) com os macacos-velhos da área. A sabedoria deles está fora do meu alcance. Ainda bem.

domingo, maio 01, 2005

Meu Deus, Que Onda!


Foto by Kalunga

Parafraseando o título do blogg do meu amigo Caio, “Meu deus, que onda!” reflete para mim um paradoxo extremo de duas atividades que tomam/tomaram um espaço enorme dentro de mim. Tal (des)encontro de situações se deu no momento em que olhei para a foto acima e me dei conta da situação da qual ela foi registrada: fim de rock, feliz por ter feito o que gosto, mas também com uma puta vontade de apreciar aquele amanhecer de outra maneira. Meu deus, que onda... O sentido desta frase era outro até uns seis anos atrás. Não bateu melancolia, mas despertou uma chama que nunca se apagará dentro de mim. A onda que eu me refiro é aquela produzida pelo oceano. É o ato maravilhoso de deslizar sobre o mar. É o surfe, porra!

Quem me vê na noite, botando som para as pessoas dançarem, terminando minha balada numa padaria às sete da manhã, não imagina que este ser aqui – praticamente um vampiro que vai dormir quando o sol aparece – já pegou onda por doze anos seguidos, religiosamente. De 1987 a 1999 eu pratiquei um tipo de esporte que considero o mais sensacional, prazeiroso, encantador, espiritual (é sério!) e belo como este. Um bom dia de surfe cura sua alma de qualquer mal – clichezão mas verdadeiro. Por mais passivo e cabeça-de-vento que o estereótipo do surfista lhe possa parecer, o praticante deste esporte é um ser privilegiado, ainda que ele não se dê conta disso. A sensação, por exemplo, de deslizar por dentro da onda (o tubo) é orgásmica. Não à toa que muitos surfistas são aqueles típicos figuras meio bobocas (pelo menos os mais novos), cheios de gírias estúpidas e papos vazios: o surfe te entorpece, tal qual uma droga poderosa e viciante, e se você der mole ela te controla. Resumindo, é bom demais.

Quando eu era mais novo, estudava na parte da manhã e tinha as tardes livres. Como sempre morei de frente para a praia de Camburi, era notório de que a prática do surfe era algo mais esporádico, pois só rolava onda em situações de mar de ressaca e/ou frente fria. Todo santo dia eu pegava minha bicicleta e andava até o segundo píer (na região de Jardim Camburi) para conferir se havia algum balanço no mar. De 365 dias no ano, talvez uns trinta em média realmente produziam alguma coisa surfável nesta praia. Mesmo tendo plena noção de que certas condições climáticas inviabilizavam a produção de alguma marola surfável em Camburi, eu ia lá com minha magrela pedalando na esperança de rolar algo de surpresa. Pois é, o surfe também é um exercício de fé. E várias vezes ao longo destes doze anos de prática recebi o presente dos deuses e pude surfar altas ondas com uns poucos dentro d’água que também praticavam tal exercício religioso.

Ficava de duas da tarde até o anoitecer direto na água, sem sair para descansar, como que temesse que as ondas fossem embora do nada. Voltava arrastando a minha carcaça por longos três quilômetros até minha casa, com o vento sul gelado contra, com os músculos doendo e com minha alma plenamente satisfeita. Chegava em casa morto de fome, tremendo de frio e, depois de descongelar meus ossos com um longo banho quente e de bater um rango monstro, simplesmente dormia cedo (tipo umas nove da noite) o sono divino. Muitas vezes as ondas do píer de Camburi eram mal formadas, mexidas e com o tempo frio e a água sempre poluída (eu acho que meu corpo criou imunidade a doenças, só pode...). Mas se desse umas ondinhas eu estava lá! Isso sem contar as viagens para locais clássicos como Itacaré (sul da Bahia), Regência/Povoação (norte do Estado, na foz do Rio Doce), Ubatuba (litoral norte de São Paulo)... Conhecer um pouco mais o Brasil pegando onda é realmente um privilégio.

Parece nostalgia, mas não é. Estou chegando numa idade em que as obrigações com a sociedade pouco permitem uma dedicação mínima a este tipo de esporte. Mas, tendo condições básicas (grana para a gasolina do carro, uma prancha que não seja um toco) você consegue achar um espaço na tua rotina, seja surfando ainda escuro, seja deixando de sair à noite no final de semana para poder acordar quatro da manhã e ser o primeiro dentro d’água. Não engulo desculpas esfarrapadas da maioria das pessoas que alegam não ter tempo. Eu acho que falta mesmo é disposição. E não acredito que idade avançada, filhos e a famosa barriguinha de cerveja sejam empecilhos, pois cansei de topar com caras com mais de quarenta anos no lombo, com vários quilos a mais na balança, mas com um sorriso genuíno de felicidade ao entrar na água com sua prancha.

Não sou um professor de educação física, mas afirmo com convicção e conhecimento de causa que o surfe é um esporte perfeito, pois trabalha praticamente toda a musculatura do corpo, oxigena e purifica teu organismo e, principalmente, dotado de um prazer absurdo na sua prática. O que não se pode fazer é surfar cedo após uma noite de detonação. Eu já cometi esta besteira diversas vezes. O surfe requer hábitos saudáveis. E é isso que estou procurando reconquistar. É muito difícil conciliar uma vida noturna movimentada com este tipo de esporte. De algum lado terei que abrir mão mais intensamente. E estou decidido. Você também poderia surfar. Garanto que tua alma será recompensada.

*Eu nunca fui um típico “surfista” mesmo ao pé da letra. Não sentia a menor vontade de andar com aquelas pessoas que estereotipavam erroneamente o “ser surfista”. Na maioria das vezes estava sozinho e os poucos que já me acompanharam foram porque eu os convenci a surfar também.
*Particularmente eu detesto tais tipos que reforçam o estereótipo. A maioria destes rabeia a onda dos outros, instala um nefasto clima de competição dentro d’água e ainda por cima polui o meio ambiente – cansei de ver surfistinha matando sua larica com o som de seu carro no máximo e deixando o lixo no chão sem a menor culpa disso.
*Se você for tentar começar a surfar no Solemar ou no Barrote (em Jacaraípe, Serra) num final de semana, certamente tua experiência será desagradável.

sexta-feira, abril 29, 2005

Fio Terra


Foto by: VacAtolada

Internet arcaica.
Tubos e Conexões Tigre.

Cortaram a minha conexão com o mundo.

Telemar fuck off!

Mas estou de volta, seus merdAS!

Bêbado e muito mais PIOR@!

Errando tudo!

Camões é o caralho!

(...)

Lá vem...

terça-feira, abril 19, 2005

Pistas para o Espaço – Parte II


Clube Centenário em dia de evento da Antimofo
Foto by Kalunga

*Para compreender melhor este texto, é melhor ler a parte I primeiro

O maior erro de alguns sonhadores locais é o de tentar levar “projetos alternativos” para casas já estabelecidas com o público de mais grana - leia-se playboys e patricinhas (categorizações estas que não deixam de ser preconceituosas, admito). Deixem essa gente em paz naqueles lugares! Trata-se de um segmento de público que só quer mesmo é flertar e dançar ao som de hits manjados. Só emitem alguma opinião sobre a programação musical quando esta é corrompida - e eles estão certos! Eu mesmo já tive uma péssima experiência na Blow Up, em 2003, com o projeto “Moove – Música Em Evolução”, junto com o DJ Tourco e os cantores Tamy e J3. Espantamos boa parte do público habitué dos sábados, sendo que os poucos que ficaram só perguntavam sobre “quando é que esta merda de som vai acabar?”. Não dá para juntar feijoada com sushi. Foi um erro primário e que vejo acontecer semelhante até hoje.

Tudo bem, vamos lá: existem duas casas que poderiam ceder espaço para programações alternativas e que inclusive já acenaram com tal possibilidade. Do BarrAcústico, local ideal para shows com bandas, não conheço ninguém que organizou algo por lá e que não tenha reclamado da absoluta falta de retorno financeiro na hora de tratar deste assunto com o dono do estabelecimento. Sim, precisamos de grana para viver, porra! O que não dá é para lotar o recinto às suas custas e não ver dindim algum rolando na tua mão. É sério, não rola nada de grana e ainda desligam o som cedo, mesmo com bastante gente dançando! Já a recente Move surgiu com o objetivo de apostar exclusivamente em “música eletrônica”. Atrações do porte dos top DJs Marky e Mau Mau - que já se apresentaram no local - não deixariam dúvidas disso. Mas o público habitual da casa parece não ter interesse em ouvir techno ou house de qualidade, por exemplo. Me pareceu o mesmo tipo de público que freqüenta a Blow Up e a Wall Street – ou seja, consumidor de hits de FM. E a Move ainda deixou claro no último show do Zémaria Redux que tem problemas com “o público GLS”. Muito estranho, pois tal faixa de público possui inegável contribuição para a consolidação da música eletrônica no Brasil.

Se bem que tem gente meio sem noção e que gosta de dar tiro no pé. Vejam o caso da recém inaugurada Vitória Diesel. Já saiu divulgado que se trata de uma “casa GLS”. Num território de ampla mentalidade provinciana (até quando, meu deus?), assumir tal rótulo é associar a casa a shows de strip tease, go-go boys e coisas do tipo – nada diferente de um puteiro tipo Playman, mas que por ser “GLS” provoca paúra nos carolas de plantão de nossa ilha. Na boa, esse papo cansa! Para quem eu estou dizendo isso? Será que alguém aqui do Estado realmente se importa com isso tudo que escrevi? Ou será que neguinho se conforma mesmo com o que rola no momento? Querem saber? Se um dia ganhar na loteria, vou pegar o local do Camburi Vídeo (Rua do Canal, Jardim da Penha, para quem não sabe) e transformá-lo numa puta casa de rock alternativo, blues, dub e música eletrônica, chapar a estrutura lá dentro e curtir isso tudo durante todos os dias da semana com quem quiser compartilhar disso comigo, com wisky e cerveja gelada de grátis para todo mundo. Nossa! Eu morreria cedo assim! Como trata-se de uma suposição quase impossível (vai que eu ganho mesmo na loteria? Vai saber...), vou logo avisando que viverei ainda por muitas décadas. E continuarei pelando o saco de quem eu acho que merece!

Pistas para o Espaço – Parte I


Vista da área externa do extinto Pub 455. Um ‘muquifo’ privilegiado esse, não?
Foto by Kalunga


Precisou vir um cara de outro Estado para elogiar o que pouca gente daqui se dava conta. A verdade é que nossa combalida capital contava com um proto-clube voltado à música eletrônica e ao rock alternativo e que era bem localizado e dotado de uma estrutura razoável. Poderia ser muito melhor, mas também era muito pior para a maioria. Segundo o tal forasteiro, um clube de tamanho médio (para os padrões alternativos) e com vista para o mar não poderia ser tão desprezado/desprezível. E não era. Porém, ao meu ver, pagou o preço de uma ruptura de gerações que se dizem formadoras de opinião. Uma parte, mais nova em idade e em conceitos, só queria dançar e curtir o que não encontrava nas demais casas noturnas locais. A outra parte, de uma geração com mais de vinte e cinco anos nas costas, preferiu em sua maioria detonar o lugar com o que, para mim, foi uma das mais nefastas manifestações de provincianismo desta terra, e partiu para desmoralizar o tal estabelecimento por conta da cobrança de singelos dois reais de entrada. “Lucro imundo, mercenários, aproveitadores” – estes foram alguns dos termos que pulularam pela internet e que ecoaram até mesmo na dita “mídia séria” dos jornais impressos, que noticiaram o Pub como “praticamente morto”. Deram crédito para uns bobocas que hoje estão no ostracismo. Um tipo de gente que queria ver a pimenta arder nos olhos dos outros e só.

O tal lugar era o Pub 455. Mas eu não vou ficar aqui gastando palavras em tom de nostalgia de merda. O que passou já era. Lições foram tiradas disso. Até onde eu sei, o local afundou por conta dos longos meses de quase hibernação após a revolta dos dois reais. E depois disso, mesmo com algumas festas lotando o recinto novamente, as dívidas ainda prevaleceram e os donos sumiram. “Muquifo” era um adjetivo bastante utilizado para definir o lugar. Com três reais de entrada (às vezes cinco), realmente não podia se exigir algo requintado. Os mesmos que queimavam o lugar eram aqueles que faziam miséria para entrar. Mas o fato era que o Pub 455 contava com três ambientes totalmente aproveitáveis, sendo um externo e com uma vista belíssima do canal de Camburi. Existia sim um ar alternativo, mas nada tão radical aos olhos menos habituados. Bandas podiam tocar lá! Sinceramente, mas eu visitei boa parte dos clubes alternativos da maior cidade do Brasil e pude reparar que alguns locais super conceituados (Funhouse, Atari, Outs, etc.) possuíam estruturas semelhantes, sem nada de mais a não ser um cuidado maior com decoração ao caráter do perfil de público de cada casa. Logicamente estes clubes paulistanos agiam de forma mais estruturada e profissional. São cenas bem resolvidas, diga-se de passagem.

Existe alguma cena alternativa “bem resolvida” por aqui? Vejam bem: há uma diferença bem clara entre o underground e o alternativo (Obs: eu assumo este comparativo). Há eventos que são realizados em locais horríveis, com cerveja vagabunda e som péssimo, mesmo que boas bandas toquem em tais ocasiões. Não falo somente de bandas em si, mas de pistas de dança também. O underground é taxativo e limitadíssimo ao descrito na frase anterior. Já o alternativo é, ao meu ver, um conceito mais brando, que pode ser assimilado sem maiores traumas e com potencial para crescer gradativamente em nível sonoro, de estrutura local, de serviços prestados e de atitude do público. Considero o valor de entrada entre dez e quinze reais muito justo se o local e as condições para tal permitissem uma evolução gradual, contando inclusive com um constante intercâmbio com artistas/DJs de fora. O problema é que ainda muita gente que se diz alternativa gasta sem a menor cerimônia cem paus em boate da moda e ainda cospe na sua cara que “Vitória não tem opções de rock que não seja para playboy”. É a mesma galera que, por exemplo, ficava do lado de fora fazendo não sei o quê (tentando entrar na beirada, provavelmente) na porta do extinto Sala 11.

Sala 11! Aquilo foi um começo meio precário, mas algo começou ali sim! Por conta dos beiradas que chiavam para entrar (e não havia absolutamente mais nada para se fazer naquele local isolado no meio do nada em Jardim Camburi-Vitória), shows memoráveis de gente como Pólux, Garage Fuzz e da banda É (protótipo do que viria ser o Zémaria) só começavam depois das duas da manhã... E, na mesma época, havia também o Camburi Vídeo, berço de sons mais extremos porém com uma estrutura razoável – o público não era tratado como ratos de esgoto. Parando para pensar, até o fim do Pub 455, haviam muitas opções dos ditos “sons alternativos” em nossa capital (a Grande Vitória como um todo). Quem aproveitou se deu bem. E precisou um cara de fora e sua namorada para terem a visão de que algo poderia ser feito após o final de todos estes locais citados.

Acompanhei o projeto Antimofo lá de São Paulo, com o Rike (um paulistano ao contrário, se é que vocês me entendem) me passando todas as informações possíveis via internet. “Clube Centenário???”, foi o que me perguntei meio que espantando quando soube do ponto de partida deste projeto. Não via com bons olhos aquele local para eventos do tipo mas, fazer o quê? Não haviam mais Pub, Sala 11 nem Camburi Vídeo. E os dois paulistanos arretados foram em frente. Hoje posso afirmar sem demagogia alguma que existe uma raiz plantada e que já rendeu frutos – digo público mesmo. Mas, mesmo com todos os esforços da produção em transformar o local, o Centenário ainda deixa a desejar. É a melhor opção no momento, mas não deveria ser a única. É neste ponto onde a porca torce o rabo.

Continua...

domingo, abril 10, 2005

O Prazer Não se Perdeu


DJ Tati (SP)
Fotos by Kalunga


Desconfiança, apreensão, dor de cotovelo, má vontade até. Estes eram os sentimentos que afloravam em minha cabeça dias antes da fatídica sexta-feira, 8 de abril de 2005. A última rave em que eu tocara rolou em novembro de 2003, sendo que naquela época meu ceticismo com este tipo de festa atingira o pico máximo. Estava prestes a me mandar para São Paulo e cuspia fogo para todas as direções das quais me incomodavam. Na verdade eu havia encarnado um mala rabugento, isso sim! Pois bem, na sexta-feira última me despi de qualquer expectativa e deixei rolar. E foi foda – no bom sentido!

Os dois textos sobre “rave” que eu havia escrito semanas atrás não serão alterados por conta desta última experiência. Pude confirmar praticamente tudo o que havia criticado. Mas me surpreendi com o fato de a Vortex (este era o nome da festa) ter tido um caráter, digamos, mais roots, do tipo que era um evento onde quem estivera lá foi por que realmente gostava deste tipo de coisa e não somente pela badalação anfetaminada de sempre. Sim, o público ainda era maioral de malucos doidos de bala, mas haviam elementos ali que salvaram a bagaça toda. Um chill out, por exemplo.

Enquanto todas as festas rave do Estado só priorizam a chapação pura e doentia do dancefloor ininterrupto, a Vortex dedicou um belo espaço para que as pessoas pudessem relaxar ao som de músicas mais audíveis e passíveis de trocas de diálogos entre os presentes. E a porra do Rike ainda mandou rock and roll no recinto (dos tradicionais The Doors, Led Leppelin e Mutantes, aos conteporâneos Nação Zumbi e Placebo, tudo dentro do contexto) e que acabou provocando reações entusiasmadas de muita gente que ali estava – teve neguinho que ficou 90% de seu tempo ali. O Turco já havia feito algo semelhante (tocar rock and roll no chill out) há uns quatro anos atrás, e isto pode estar abrindo um ótimo precedente.

Não usei droga nenhuma, me mantive a noite toda de pé com seis cervejas no cérebro, mas em momento algum me senti mal ou deslocado no ambiente – como imaginaria que acontecesse. A decoração priorizou os velhos e tradicionais panos fluorescentes (nada das estruturas hi-tec de hoje) e o próprio visual do local escolhido: uma belíssima chácara em cima de um morro, muito arborizada e com vista para o mar. E, no amanhecer, o melhor da festa (na minha humilde opinião): a charmosa e gente finísssima paulistana Tati, que tocou quase três horas de uma perfeita mistura de progressive house/trance e electro que os tranceiros daqui nem imaginavam existir neste planeta. E eu anda tive o privilégio de tocar depois dela, sem a pressão de empurrar pela minha goela o manjado som bombadeiro de sempre.

Este texto não tem o intuito de fazer ninguém a esta altura do campeonato perder seus preconceitos (quase todos justificáveis) para com as raves. Eu simplesmente me surpreendi. E pude resgatar um tipo de prazer que julgava perdido dentro de mim. A festa não foi uma perfeição só, diga-se de passagem. Durante todo o resto do tempo a pista bombou o mesmo trance de sempre e a produção amargou com um considerável prejuízo – eu recebi metade do combinado, por exemplo. Mas, querem saber? Foi foda! Para mim, para meus velhos e novos (sim!) amigos que estiveram lá. E teria sido também para alguns amigos meus que não foram e que um dia já gostaram muito deste tipo de festa.
+Fotos:




segunda-feira, março 28, 2005

Açougue Rock and Roll


Fotos by Kalunga

O Butchers Orchestra é a melhor banda de rock and roll do Brasil. Não são poucos aqueles que dizem isso de boca cheia. Muita gente nem os conhece, talvez por eles fazerem parte do circuito alternativo, por cantarem em inglês, ou por simplesmente não darem a mínima para as FMs jabazeiras. O Butchers Orchestra é a melhor banda de rock and roll do Brasil. Tocaram no último domingo (27/03/2005) como se fosse o último show de suas vidas. Subiram no teto do Bar Entre Amigos 2, trocaram de instrumentos entre si, empunharam as guitarras no meio da platéia. E fizeram uma apresentação incendiária e competente, mesmo sabendo que não ganhariam praticamente nada de grana para isso, mesmo tendo uma platéia pouco numerosa à sua frente. Enfim, mesmo diante de todas as adversidades. O Butchers Orchestra é a melhor banda de rock and roll do Brasil, porra!

Antes de descrever como foi o resto da balada, é bom salientar que o evento, que contou com as apresentações de Ócio (que abriu a noite, com pouca ou nenhuma expressão no palco, mesmo tendo melhorado bastante o seu som neo-grunge), Os Pedreros, Thee Butchers Orchestra e Motosierra, quase não aconteceu. Tudo por conta do velho preconceito contra o maldito rock and roll. O resumo deste enrolo foi que os shows, inicialmente programados para o Clube Centenário, embaçaram geral por conta do detentor de uma noite de forró no mesmo local que simplesmente não liberou o espaço, justamente no momento em que o aluguel do lugar iria ser pago (com uma semana de antecedência!)- o que acabou gerando um mal estar tremendo entre o pessoal do Antimofo – que imaginava estar tudo acertado há dois meses atrás – e o tal dono da forrozeira. Eis que o caô que vos escreve aqui teve que bancar o empresário das bandas desesperado, com o intuito de reverter a situação. Não teve conversa: o cara não liberou, tocou para frente sua domingueira para poucos gatos pingados, e ainda disparou impropérios de todo o tipo para “aquele bando de drogados indisciplinados”. Feito isso, o evento foi transferido para o bar Entre Amigos 2, em Vila Velha. Era isso ou o cancelamento e a queima total do filme de algo que está apenas começando.

Pois é, o Entre Amigos 2 contou com uma lotação muito aquém do nível sonoro ali apresentado. Fossem algumas bandas de hardcore-chulé-emotivo-de-merda, o recinto estaria lotado. Há várias teorizações sobre o ocorrido. Não há segmento no nosso underground que fuja do metal podrão e do HC chorão de sempre. É por isso que bandas excepcionais como Forgotten Boys e os próprios Butchers Orchestra são recebidas com um misto de indiferença e embasbacamento – neguinho ali não sabe o que está ouvindo! Mesmo os Pedreiros sendo uma puta banda de rock and roll e os mesmos contando com total adoração do público local, acredito que boa parte desta receptividade provém da fama conquistada pelo HC toscão da banda titular dos caras – o Mukeka Di Rato – do que de seu som propriamente dito. Caralho, será que o rock and roll puro e simples não tem espaço por aqui???

Independente do clima de prejuízo eminente (Mozine, da banda em questão, era um dos organizadores), os Pedreiros ligaram os presentes na tomada! Um conselho: mesmo que você odeie aquele tipo de som, assista ao show dos caras! Letras absurdas, punk rock tradicional e hard rock farofa e muita esculhambação no palco. Porra, me diverti pra cacete! O Butchers entrou logo em seguida e, como foi dito no primeiro parágrafo, fizeram história por estas plagas – pelo menos na minha cabeça e na de muitos presentes e atenciosos na ocasião. Quatro álbuns lançados no Brasil e no exterior, turnês idem, duas guitarras, bateria, sem baixo, todos vocalistas, Stooges, MC5 e Jon Spencer Blues Explosion juntos no mesmo caldeirão: o resultado disso é arrasador! Destruíram tudo e, segundo Mozine, piraram por aqui e prometeram voltar sempre.

O Butchers foi a melhor atração musical da noite, mas os uruguaios do Motosierra foram os que mais agitaram a platéia. Já conhecidos do público capixaba, estes quatro desequilibrados injetaram mais velocidade no recinto com o seu punk rock misturado com hardcore clássico (Exploited, GBH), e também instalaram o clima de quebradeira e diversão sem limites. Os caras vieram para cá com a péssima fama de destruírem os equipamentos no palco, o que causou calafrios constantes no dono do som, o folclórico Beto “Suado”. O Motosierra não quebrou nada fisicamente, mas bem que poderia ter encerrado a noite rompendo a barreira na cabeça das novas gerações e que impede desta galera ouvir algo mais consistente. Se algum resultado for obtido, podemos seriamente sonhar com a vinda de gente como Matanza, Mavericks, MQN... Rock and roll, porra!!
+ fotos:

Thee Butchers Orchestra

Thee Butchers Orchestra

Thee Butchers Orchestra

Motosierra

Motosierra

Os Pedreros

Os Pedreros

quarta-feira, março 16, 2005

Emo de Cú é Trator de Rôla!


Sempre embaçado?
Foto by Kalunga

Emocore. O que significa isso? Para os leigos, é mais ou menos aquilo que o CPM 22 toca, ou seja: hardcore (a vertente mais rápida e agressiva do punk rock, ou pelo menos deveria ser) de cunho emotivo, com letras e melodias, digamos, mais sensíveis. Desprezar um estilo musical por completo às vezes pode soar como uma atitude arbitrária e burra mesmo. Logicamente há os ícones do estilo, aquelas bandas que possuem um caráter fundamental naquele terreno. Dizem que Jimmy Eat World, Dashboard Confessional e Sunny Day Real State são os top de linha da parada. Todo gênero musical possui os seus.

Que mané emocore é o caralho! Puta que pariu, mas que gênero musical (já repararam quantas vezes eu me utilizei de “itálico” para sugerir “ambigüidade questionável” neste texto?) mais chato, vazio, ruim mesmo, ô porra! É som de guri metido a sensível, de garotinha que pinta o cabelo de rosa e é fã de “Dawson’s Creek” (deve existir outra série preferida mais atual – estou ficando velho!). É som de criança – meu deus, como eu posso estar perdendo meu tempo escrevendo sobre esta merda??? Deixem esta molecadinha crescer mais, porra! Não faço parte disso, tenho quase trinta anos e não sei porque me irrito com isso! É simples. Precisei lembrar do emocore para poder publicamente dar o braço a torcer para alguns amigos meus. Em parte, que fique bem claro.

O Tractor Billy é uma banda foda! Junto deles, aqui no Estado, só os Pedreiros se equiparam. No momento em que o Tractor ganha em senso melódico, a banda de Mozine supera-os no seu sarcasmo e na sua postura inoclasta. Uma coisa poderia completar a outra, traduzindo-se em shows conjuntos e que conseqüentemente poderiam educar a molecada com sons menos irritantes. Imaginem a gurizada de piercings, cabelos coloridos e mochilas de ursinhos de pelúcia (putz!) de repente passasse a se interessar por The Cramps, Misfits, Motorhead, Ramones, The Clash e também por Motley Crue, Def Leppard ou mesmo o The Darkness. Esta pivetada bem nascida está crescendo sem saber o que é sexo, drogas e rock and roll!!! Clichezão, eu sei. Mas falta putaria, falta cerveja, falta o politicamente incorreto nesta porra toda! Não quero incentivar ninguém a se viciar em pó, por exemplo (se tua cabeça for fraca, azar o teu...). Na verdade, que se fodam vocês também. O motivo deste texto é outro mesmo...

Eu sempre detonei o Tractor Billy por mera tiração de sarro para com meus amigos. Sim, eles são meus amigos. E por isso mesmo eu não poderia elogiá-los gratuitamente. Aliás, minha zoação com eles também continha um fundo de verdade, justamente por achar que a banda deveria se empenhar mais para tocar, para educar o público com sons melhores e assim incentivar novas gerações a crescerem com vergonha na cara para produzir algo que realmente prestasse. Na boa, o som do Tractor é excelente, mas eles são muito apáticos com esta banda. Não quero dizer que venham a tentar viver de música, da sua música especificamente (que utopia!), mas... deixa pra lá. Nem todo mundo tem disposição de mover montanhas - e por tabela fazer papel de otário na maioria dos casos.

Fosse um texto para uma instituição jornalística que prestasse (elas existem no Estado? Eu sei que existem bons jornalistas, mas...) e eu tivesse que fazer uma resenha crítica sobre um show de emocore onde a banda-dos-meus-amigos estivesse tocando, minhas palavras viriam com mais fundamentação e teorização para simplesmente detonar ou elogiar quem eu julgasse merecedor de tal. Mas, como isto aqui é um blogg pessoal, onde eu dito as regras para mim mesmo, que a ética vá para as favas! A verdade é que terei sempre que me submeter a eventos emocore para poder assistir aos meus-amigos-da-banda-foda-e-preguiçosa ao vivo? Se bem que, no ritmo deles, sempre serão os primeiros a tocar e eu não terei que suportar os emos se lamentando no palco, pois darei linha o mais rápido possível após o show do Tractor. E vocês sabem o porquê de uma banda estar abrindo um evento com cinco ou dez outras atrações diferentes na mesma noite. As repostas podem ser: a) a banda é ruim; b) ninguém conhece a banda; c) a banda é amiga dos organizadores do evento; d) a banda é ruim, ninguém conhece a banda e a banda é amiga dos organizadores do evento; e) a banda é o Tractor Billy.

segunda-feira, março 14, 2005

Rave On U - parte II

A maior besteira que já li sobre as raves era de que tal cultura se tratava de uma versão “anos 90” do movimento hippie, argumentando-se que a psicodelia e o clima de “paz e amor" estavam de volta na forma de música eletrônica e de uma nova droga sintética – o ecstasy. De fato, reuniões de dezenas de milhares de cabeças em prol da dança e de uma suposta comunhão de interesses pacíficos e de celebração acabou incentivando inúmeros espertinhos a apelarem para tal comparação. Por mais que você despreze o ideal hippie nos dias de hoje (e eu o desprezo!), há de se reconhecer que os tempos eram outros, de que havia uma guerra em andamento (a do Vietnã), e que a música naquela época se transformara num complemento perfeito para mudanças de comportamento bastante sérias como a liberação sexual, o crescimento dos movimentos feministas e anti-racismo e, obviamente, o uso de drogas. Aliás, neste último ponto os ravers se assemelham bastante aos hippies de outrora: drogas e mais drogas, neurônios perdidos no espaço e muita alienação no ar. A busca pela “liberdade” muitas vezes se dissipa em atitudes meramente vazias.

O filme “24 Hours Party People” (no Brasil, “A Festa Nunca Acaba”) exemplificou bem a mudança de comportamento do público inglês quando as bandas de rock perderam espaço para os DJs. De repente, letras e posturas de preocupação coletiva foram deixadas de lado em prol da dança e do transe hipnótico individual – ainda que vários corpos estivessem juntos no mesmo espaço, estava cada um em sua trip solitária, comunicando-se com o cosmos ou algo do tipo. É neste ponto que reside minha maior crítica ao universo rave: não há troca de energia verdadeira entre os indivíduos a partir do momento em que substâncias químicas produzidas em laboratório ditam suas ações. Como havia escrito na primeira parte deste texto, o coletivo sorridente e aparentemente feliz numa pista de dança na verdade esconde uma realidade individualista e, por que não, vazia de conceitos. O espírito chamado de “PLUR” (Peace, Love, Union and Respect), tão presente em flyers de festas do gênero, acaba quando a onda do ecstasy vai embora. Sorrisos, liberdade, união na pista de dança... a bala se dissolve no suor e cada qual parte de volta ao seu mundinho.

Logicamente há exceções – argumento este que já fora terrivelmente utilizado até para nazistas, diga-se de passagem. Na própria Europa, berço desta cultura, as raves são consideradas um importante instrumento de mobilização cultural e social. Desde meros desafios às autoridades (raves ilegais com mais de 60 mil pessoas, durante três dias e sem nenhum poder público sabendo disso), até o fortalecimento de sociedades alternativas (os squaters, que invadem imóveis abandonados e instalam modos de viver peculiares, por exemplo) e de meios de comunicação sóbrios e ao mesmo tempo inovadores (um grupo raver criou um canal de TV independente na França, onde a divulgação de suas festas divide espaço com campanhas de prevenção à Aids, pró-aborto e pró-minorias étnicas). Particularmente nos países do Leste Europeu, as raves se tornaram um instrumento de liberdade individual, social e cultural como eles nunca o tiveram, sendo comparável (sim!) ao movimento hippie dos anos sessenta na América do Norte. Trata-se, enfim, de uma cultura com raízes muito profundas na Europa e, portanto, dotada certamente de uma carga política bem consistente.

No Brasil, como não poderia deixar de ser, os valores são outros. Qualquer cultura importada do exterior passa primeiramente (e, às vezes, não sai dali) pelas mãos de classes mais abastadas, que contam com um acesso maior à informação de fora. E nossas contradições sociais se afloram também neste universo. As festas rave são direcionadas a um público maioral das classes A e B, com poder econômico suficiente para pagar ingressos caríssimos para os padrões comuns brasileiros. Artifícios ecológicos e espirituais são constantemente ligados aos eventos do tipo. O público consome isso com avidez impressionante, mas parece não aprender absolutamente nada. Festas na beira da praia ou ao lado de cachoeiras lindíssimas são o supra-sumo do desejo raver. Mas a quantidade de gente mordendo a orelha nas pistas dificilmente estará se preocupando com o meio ambiente local. Uma atitude puramente alienante, vindo justamente de uma faixa de público privilegiada e que teve acesso à boa educação e à informação.

O fio condutor desta história descamba para o exagero. Muita gente na cena, muita droga rolando, muitos pais se indignando. O fato é que, de uns três anos para cá, as raves têm se tornado o “Inimigo Número Um da Família Brasileira”, dados os excessos cometidos pela maioria. No Rio de Janeiro e em Santa Catarina as raves estão simplesmente proibidas. Telejornais de grande audiência vez ou outra despejam matérias de cunho sensacionalista na cara de todo mundo – se bem que é muito fácil filmar gente cheirando, fumando e entornando substâncias ilegais numa rave, pois quase todo mundo o faz! A Liga das Senhoras Católicas de Nazaré está pronta para invadir as raves e jogar água benta nas almas perdidas da música eletrônica!! É engraçado, é irônico, é triste também.

Bem ou mal, o fato é que as raves aqui no Brasil têm sido cada vez mais forçadas a assumir posturas mais sérias diante das autoridades. Parece que estão cortando o barato da galera que só quer se divertir. Mas, quando traficantes de ecstasy, ácido, maconha e cocaína bancam a realização de grandes festas, é sinal de que algo está desandando. Infelizmente, para muita gente de fora deste meio, rave é sinônimo de diversão perigosa, alienada e sem futuro para ninguém. Quando eu disse na primeira parte do texto que “alguma coisa mudou em minha vida”, queria afirmar que um tipo de diversão, que fora outrora uma descoberta tão legal para mim, não poderia levar um fim tão sinistro. Ainda adoro a idéia de me divertir dançando num lugar paradisíaco, viajando numa decoração alucinante e sem preocupações com o mundo. Mas, ao mesmo tempo, há uns três anos que eu não me sinto bem numa rave, pelo simples fato de não conseguir arrumar amizades ou mesmo estabelecer qualquer tipo de comunicação mais profunda com quase ninguém neste ambiente. É uma pena.

domingo, março 13, 2005

Rave On U - parte I


Esta foto é da primeira festa trance que fizemos na Fazenda Camping Barra do Jucu - abril de 2001
Foto by Kalunga

Lembro-me como se fosse hoje: carnaval de 98, Trancoso, sul da Bahia. De um grupo de mais ou menos dez amigos que estavam ali, a maioria esmagadora curtia rock and roll e torcia o nariz para a música eletrônica. A hipótese de alguém ir para uma rave à beira da praia comigo e com o Turco seduziu apenas ao brother Mentor, que imaginara não ter nada a perder e tudo a acrescentar – não custava nada, literalmente (a rave era gratuita), conhecer algo novo até então. Um doce na cabeça (eu e o Turco, apenas), algumas doses de cachaça de jararaca (sim, tinha uma cobra dentro da garrafa) e lá fomos nós, no meio do escuro, em direção ao bar Vegetal. Chegando perto, o tum-tum-tum eletrônico foi ficando mais intenso, mas ao mesmo tempo não víamos nada. Mais alguns minutos e, de repente, enxergamos algo como um disco voador no meio do mato, com dragões e Ets fluorescentes brilhando com o efeito da luz negra. O pico estava cheio, mais de gringos do que de brasileiros. Performances pirofágicas espetaculares elevavam o nível de adreanlina dos presentes. O som – que som era aquele?? – era repetitivo, pesado, hipnótico, psicodélico. Apesar de todas as idéias pré-concebidas, nós realmente nos surpreendemos com o que vimos. De minha parte, pelo menos, algo mudou em minha vida.

Ver o Sol nascer numa praia paradisíaca naquela ocasião foi algo fantástico. Nós três quase não dançamos. Ficamos observando as pessoas, sacando o som, pirando na decoração, tentando entender que tipo de vibração era aquela. Para mim, a música eletrônica não era nenhum mistério há tempos. Mas fiquei surpreso com o conjunto de fatores apresentados em Trancoso de uma vez só. O trance que eu conhecia era algo mais viajandão, melódico, mas nunca com o peso quase industrial que aqueles franceses (os caras do Total Eclipse, como fiquei sabendo depois) estavam tocando. Pude perceber que havia uma espécie de conduta padrão no público ali presente: camisetas fluorescentes, dança ininterrupta, sorrisos estampados constantemente, pouco álcool, muita água e maconha. E também a ausência quase que total de comunicação verbal entre os presentes, ainda que rodinhas de dança se formassem a todo momento. Pouco ou nada do hedonismo a que tanto falavam sobre o público raver.

Confesso que, num primeiro momento, fiquei empolgado além da conta com aquilo tudo. Eu e o Turco já vínhamos agitando o som em festinhas particulares de amigos, misturando rock, hip-hop e alguns breakbeats, mas sempre sonhando em tocarmos um repertório basicamente eletrônico e que pudesse se expandir em algo maior, com mais público e mais acessível. A música eletrônica no Espírito Santo carregava, até então, a pecha de som de viado, entre outras categorizações preconceituosas do tipo. Era muito gueto para o público em geral. Pois o trance encaixava-se como uma luva para esta pretensa expansão que sonhávamos. O som era envolvente, balançado e não possuía aqueles vocais de divas exagerados ao extremo e que queimavam o filme da música eletrônica para os ouvidos menos acostumados.

Embalados por uma típica inocência de quem acabara de descobrir um brinquedo novo, nós fomos à luta para fazer acontecer algo do tipo no Estado. Encontramos com o Pablo, que tinha toda a disposição e recursos para tal empreitada (chamavámos o cara de “O Homem-Rave”), e fizemos umas festinhas memoráveis. A cada balada, o público ia aumentando. O apelo visual das festas contava muitos pontos a favor. Alguns ainda se assustavam com o peso do som. Outros afirmavam que era preciso importar de Trancoso um ônibus cheio de malucos doidos de bala para corromper a inibição do público que insistia em ficar parado, observando. Para mim, bastava minha cervejinha gelada... Foi tudo muito divertido, inocente e marcante – pelo menos para nós. Sem apelar para a nostalgia barata, mas foram tempos que não voltaram mais. E que fique assim.

Continua...