terça-feira, outubro 17, 2006

A Bala Eletrônica


Mais terror flúor na área!
Foto by Kalunga


Quando se fala em música eletrônica aqui no Estado atualmente, a “cena” local resume-se praticamente ao furacão da moda do psy trance e uns gatos pingados fãs de house, electro e Prodigy perdidos por aí. É incrível saber que a maioria esmagadora do público que freqüenta as raves psicodélicas de hoje nem sabia da existência de uma história anterior aos últimos três anos de bombação fluorescente. Sorte a desse povo, que não teve que sujar os pés na lama primordial do surgimento desta tal “cena”. Meus amigos, mas rolava cada roubada que nêgo hoje não tem nem parâmetro para medir o altíssimo nível das produções atuais com o samba-do-raver-doido que pairava amalucado até o ano de 2003. Neguinho atirava para tudo quanto é lado. Pintou aí até uma bala eletrônica que fez gente rolar no chão – no mau sentido!

O dono da festa tinha idéias mirabolantes. Malucão de carteirinha, veterano em pirações de acordo com o que lesava os incautos e onipresentes de frases de efeito (retardado...) tipo “pô, mó viagem!, o tal cara já havia investido em boates com surf music australiana (isso foi moda por aqui no final dos anos 80), apostou pesado em rocks baseados na onda regueira, e no final de 2003 encontrou o nicho perfeito para pirar o cabeção: as raves! Ele era dono de uma empresa de iluminação, o que já era garantia de um evento com boa produção neste quesito. Mas o mesmo também comercializava fogos de artifício (!), e queria utilizá-los a pleno vapor no momento da festa. Para completar a viagem, ele já havia batizado o nome da “rave”: Electro Bullet (“Bala Eletrônica) – sua intenção era criar uma empatia imediata com a malucada que já abusava de bala (gíria tupiniquim para a droga sintética ecstasy) e que poderia aderir à temática da festa mais facilmente. Porém, a idéia dele era de “reunir tribos”, e por isso escalou um line up totalmente diversificado: Sybel (minimal house), J3 (hip-hop), Guga Prates (progressive house), Léo Santos (tech house) e o Kalunga aqui que vos escreve. Diversos estilos musicais diferentes, fogos de artifício, festa “temática” (“bala eletrônica”, lembrem-se!!!) e um local supostamente alucinante... Sobrou confusão!

Pois é, o tal “local alucinante” se tratava de um enorme terreno descampado, localizado nos confins da Barra do Jucu, com muito barro, lagoas de pesque-e-pague, um campo de futebol, uma única choupana (se chovesse, já era!) e enormes paredões que receberiam projeções de luz. Fomos lá, eu e os outros DJs, dias antes e constatamos que o lugar era, no mínimo, “diferente”. Fosse um grande festival de rock, tipo com umas 15 mil cabeças, faria sentido àquela enormidade toda. Não foi bem isso que aconteceu... Mas o legal é que nós, os DJs, fomos ouvidos o tempo inteiro, recebemos tratamento vip até o dia do evento e, acreditem, recebemos cachê com três dias de antecedência! Explica-se: o dono da festa tinha a maior fama de malucão. Com o próprio tendo consciência de sua reputação, tratou logo de nos assegurar de que nada sairia de errado. E o figura não inspirava muito crédito não, tendo em vista o fato dele sempre acender baseados enormes e soltar fogos de artifício (?!) em todas as reuniões que tivemos. Ele sacou isso e colocou grana na nossa mão adiantadamente. Demos o devido crédito - com o bolso cheio, todo mundo fica feliz – e fomos para a tal Bala Eletrônica.

Primeiro erro: a escalação absolutamente eclética, que não rendeu a aceitação que o dono da festa esperava. Tantos gêneros musicais distintos já se segmentavam, cada qual em seu nicho, e todos reunidos numa só festa não atraíram tanta gente assim. Das duas mil cabeças esperadas, devem ter ido umas 150, 200 no máximo. O psy trance popularizava-se a plenos pulmões e a festa “rave” deveria ter se fechado neste estilo pois, ao final de tudo, quando fui tocar (era o último, por ter um “som mais pesado”), o negócio descambou para um fight club no sentido literal da palavra... Segundo erro: o local. 150 pessoas num lugar onde cabiam 15 mil, daí vocês tirem suas conclusões sobre os espaços que sobraram. E o terceiro erro quem provocou... fui eu mesmo!!! Fogos de artifício, balas eletrônicas nos cérebros das pessoas, e um irresponsável que resolveu apagar fogo com gasolina no final de tudo. Olha, a minha sorte era que todo mundo ali estava maluco demais para tentar localizar o verdadeiro culpado daquele fim de festa sinistro, hehehehe...

O que rolou foi que, ao longo da noite, nenhum DJ/músico conseguiu fazer uma pista de dança. O público estava disperso, bebericando e fumando vários pelos cantos. Uma metade foi-se embora gradativamente. A outra metade, camisas-flúor de carterinha, esquentava as turbinas sob os efeitos da tal “bala eletrônica” (que fora comercializada em paralelo aos ingressos da festa) na espera pelo batidão psy e tomando altos tapas com os buscapés brilhantes que eram soltos no meio deles – falta de noção total, pois eu vi gente saindo correndo alucinada e apavorada dos tais rojões. Tentando segurar esta galera na festa, o organizador foi adiantando os sets dos outros DJs para que eu tocasse o tão esperado psy antes do amanhecer. E neguinho estava ficando nervoso – muitos trincando os dentes, querendo logo um trance nas caixas de som. Todos os que tocaram antes de mim não puderam ter seus trabalhos devidamente valorizados na pista, e era fato de que o público para o qual eu tocava naquela época azucrinava todo e qualquer DJ para que acabasse seu som para começar o psy trance logo. Pois bem, finalmente comecei a tocar e, depois de meia hora, a confusão começou a rolar.

O dono do local da festa encheu o saco e resolveu acabar com tudo tão logo havia chegado o amanhecer. Mas tinha uma galera pra lá de pilhada que não arredaria o pé dali antes do meio-dia. Iniciou-se um bate-boca entre organização, proprietários do local e donos da equipe de som. E eu mandando ver no trance, nem aí para aquele rolo todo. Eis que alguém desliga o som do PA. Como o som do retorno do palco não fora desligado, na mesma hora eu gritei: “Aí galera! Vamo subir no palco e quebrar tudo!! Não vamos deixar a festa acabar não!!”. Só sei que todo mundo subiu no palco, o chão começou a tremer, o dono do lugar estava falando que iria puxar uma arma da casa dele... e o som foi desligado de vez! Daí começou um bate-boca (mais um!) entre o público e a galera do outro bate-boca, neguinho pilhado, travado ou sei lá mais o quê. Uma menina pra lá de exaltada começou a apontar o dedo na cara do dono do lugar, o cara respondeu à altura, a mina deu um soco na cara do sujeito, os dois rolaram no chão, o troço virou um porradeiro generalizado, com mais mulher do que homem, todas batendo de mão fechada, e marmanjo apanhando bonito das meninas!

Nisso o meu cd que estava tocando por último ficou preso dentro do CD-J desligado. Ameacei levar o aparelho comigo se não me devolvessem o cd (uma porra de um simples cd-r!). O Rike e a Dessa, que foram à festa somente para se divertir, tentaram me acalmar: “Kalunga, seu louco! Vamos embora daqui o mais rápido possível!”. E eu ainda queria a porra do cd-r (não custava mais que 1 real...) que estava preso dentro do aparelho. No final das contas, combinei com o próprio dono do equipamento de me dar uma carona e ligar o CD-J longe dali, paraque eu finalmente pegasse meu querido cd-r. Já distante do porradeiro, a Dessa percebera que o Rike estava lá no meio e foi desesperada atrás dele. Todos devidamente instalados na carroceria de uma Fiorino, fomos embora o quanto antes, cruzamos com viaturas no caminho e deixamos aquela galera se comendo na porrada pra trás. A moral desta história foi que o episódio marcou o fim de uma era da qual a música eletrônica ainda significava o “moderno”, e que todo mundo queria cair de pára-quedas naquela onda. Hoje, para alguém se meter a produzir uma rave, tem que ter bala (eletrônica! hahahahaaha!!!) na agulha, investir somente no psy trance, esquecer das misturebas, apostar sempre mais do mesmo e sem arriscar, e nem saber que um dia as coisas já foram mais difíceis e engraçadas também. E o melhor de tudo é lembrar de uma roubada da qual eu, pelo menos, saí com o bolso cheio!!

12 comentários:

Anônimo disse...

hehehehe.... essa foi antologica hein kalunga?!
ainda bem q eu nao fui!!!!! kkkkkk
abraco.

Kalunga disse...

olha, esta foi a última roubada daqueles tempos!

ainda bem que saí com uma grana no bolso, hahahahaha!!!

abração procêis!

Kalunga disse...

sim, guardei alguns daqueles buscapés! eles rodam brilhando e flutuam sobre o chão - uma parada totalmente fantasmagórica! imaginem neguinho doidão da cabeça vendo aquilo no meio da pista...

Anônimo disse...

eu que o diga
presenciei essa parada de perto.

ahuahauhauahuahauhauahauhauahauhauahuhauhauahuahuahauhauahuahuahauhauuah..........................


DJ Cristiano Souza...........

Kalunga disse...

Rapaz, vc estava naquele porradeiro, hahahahahaha!!!

TCo disse...

Nessa época aí eu já tinha pulado fora... Ainda bem!

doggma disse...
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doggma disse...

Cara... tô rindo muito deste teu rock aí, rs...

Rocks deste calibre eram uma constante nos Fazenda Camping da vida. Nó, cansei de presenciar tretas sinistríssimas em shows por estes cantos. É tudo muito caótico. Junta umas trocentas tribos deslocadas num mesmo lugar (tipo punks em rave, ravers em shows reggae-rock e headbangers no meio - sinal inequívoco da zona que é a cena capixaba), discursos pra lá de equivocados no palco (já pensou o Nando Reis com aquela trip braba que bateu no Multiplace Mais, só que no Fazenda Camping?), isso sem falar na organização "primorosa" dos produtores locais. :P

Olha... já encarei muito rock suicida na minha vida, mas acho que não tenho mais idade pra isto não. "I'm too old 4 this shit", hehe...

Abração, véi!

Kalunga disse...

Fala Doggma!!

este rock aí não foi na Fazenda Camping, mas sim num descampado que nem mais me lembro onde seja, hehehehe... e já peguei muito rock-roubada naquela Fazenda, mas muito rock maneiro também!

estou com dificuldades de acesso a internet no momento, mas vou devagar e sempre.

abraços a todos!

Kalunga disse...

Teve um show do Barão Vermelho, acho que foi em 97 ou 98, na Fazendo Camping e que reuniu uma espécie de festival com um monte de bandas dos mais variados tipos. Como vc mesmo falou, Doggma: era todo mundo diferente no mesmo local. Isso até certo ponto é saudável, pois sugere que capixaba é um povo sem preconceitos e se joga em qualquer balada que pareça ser legal. Mas também revela um outro lado: a total falta de fidelidade destas mesmas pessoas, pois todos parecem estar ali mesmo por ser "o rock do final de semana".

Por incrível que pareça, mas tem gente achando ruim eu fazer minha festa dark/industrial (Dark Street) no mesmo final de semana do Vital. Do Vital!!!! O que isso tem a ver??? Gótico vai ver a Ivete também???

hahahahahahaha!!!!

Anônimo disse...

cara, a Ivete é a nossa maior representante da música POP, no melhor sentido da palavra. Ela á a nossa Robbie Willians. E eu já poderia comprar um disco de greatest hits dela sem me sentir mal. Ela é boa e tem umas músicas bem legais.
Mas tudo bem, o calor de cuiabá pode estar me fazendo mal.
Taylor

Kalunga disse...

Taylor, vc definitivamente não está regulando bem das idéias...