Pós-punk desde criancinha?

Vejam como são as coisas hoje. Os noruegueses do 120 Days misturam muita coisa do que se aboleta debaixo do guarda-chuva hype atual - agora, toda banda de rock minimamente dançante é new rave - e o resultado soa radicalmente diferente deste senso comum. Mesmo assim, eles estão enquadrados no esquema geral que rola por aí, onde a “novidade” é mais importante do que a relevância sonora. Praticamente todas as resenhas que li sobre eles apontam para uma mistura de Daft Punk e Kraftwerk com o novo rock anos 2000. Na pressa de lançar as novidades, a audição apenas da primeira faixa do seu álbum homônimo, lançado no final do ano passado, a excelente (e longa!) “Come Out (Come Down, Fade Out, Be Gone)”, sugere esta descrição mesmo. Porém, basta ouvir a segunda música do disco, “Be Mine”, para sacar a onda real do 120 Days. Trata-se sim de uma puta banda que emula o melhor do pós-punk oitentista, com baixão na frente marcando o ritmo, bateria eletrônica e sintetizadores analógicos tecendo um beat minimalista e dançante, e vocais urgentes e melódicos ao estilo do U2 (acredite!) dos primeiros discos - não há aquela afetação dos vocalistas atuais, cujos timbres parecem ter saído da dublagem do filme/animação “A Fuga das Galinhas”. O som é denso, com fortes influências de Joy Division (primordialmente), Echo and the Bunnymen e The Cure (fase “Pornography”). Mais um mero emulador do pós-punk? Não somente. Há ainda climões psiciodélicos promovidos pelos sintetizadores ao estilo de “Autobahn”, do Kraftwerk - o que remete ao pós-rock de gente como o Trans AM, porém sem ser chato em demasia. “Get Away”, quinta faixa do disco, sintetiza a sonoridade do 120 Days: refrão forte, densa, dançante... e com absolutamente nenhuma influência pós-anos 80. Mais retrô, impossível. Mais moderno, impossível...Cow Punk?

Está aí uma banda verdadeiramente surgida nos anos 80 que deveria soar radicalmente fora do eixo vigente naquela época: os californianos do Gun Club! No disco “Miami” (1982) não há qualquer vestígio de bateria eletrônica (aquelas hexagonais...), teclados Casio (aqueles que pareciam de brinquedo...) e guitarras encharcadas de efeitos flanger (aquelas com um som magrinho...). Há sim acordes raivosos, num híbrido de (pós)punk, country music, rockabilly e a anarquia sonora da dupla pré-punk The Stooges e MC5. Os vocais do líder (e também guitarrista) Jeffrey Lee Pierce (falecido em 1996) são gritados, anárquicos, meio que um bluesman bêbado tocando num pub esfumaçado – daí a comparação justa e imediata com o som que Jon Spencer viria a produzir posteriormente com seu Blues Explosion. Eu, que só conhecia a primeira faixa deste disco (“Run Through the Jungle” – um pós-punk meio death rock, totalmente diferente do resto das demais), gravada numa fita K7 há mais de 15 anos, e que tinha apenas como referência o fato de ser a banda de onde saiu a baixista Patricia Morrison para gravar o clássico “Floodland”, do Sisters of Mercy, simplesmente tomei um susto quando um amigo meu me passou o disco inteiro para ouvir. Já os rotularam anos atrás de cow punk. Faz sentido. No meio da mistureba maluca, colorida e espalhafatosa que foram os anos 80, mais estranho no ninho o pessoal do Gun Club não poderia deixar de ser.Shoegazer Gótico?

