Batidas dançantes, vocais agudos e alegres, e uma indisfarçável sensação de que os anos 80 não foram tão ruins assim. A música atual corre atrás da década das ombreiras e dos mullets como se estivesse atrás de um santo graal que contém a secreta fórmula do sucesso. O lado bom disso tudo é que o rock voltou às pistas de dança, as batidas eletrônicas voltaram a conjugar com as guitarras sem constrangimento, e as lições deixadas pelo pós-punk original voltaram a se tornar relevantes hoje em dia. O lado ruim é o de sempre: genéricos copiando o que já era cópia sem discernimento algum e muito hype envolvendo caôs sem tamanho. Mas há sempre o que se pescar dentro de tamanha lagoa de influências que a geração seguinte ao punk rock começou a escarafuchar e misturar a partir do final dos anos 70
Pós-punk desde criancinha?

Vejam como são as coisas hoje. Os noruegueses do
120 Days misturam muita coisa do que se aboleta debaixo do guarda-chuva hype atual - agora, toda banda de rock minimamente dançante é
new rave - e o resultado soa radicalmente diferente deste senso comum. Mesmo assim, eles estão enquadrados no esquema geral que rola por aí, onde a “novidade” é mais importante do que a relevância sonora. Praticamente todas as resenhas que li sobre eles apontam para uma mistura de
Daft Punk e
Kraftwerk com o
novo rock anos 2000. Na pressa de lançar as novidades, a audição apenas da primeira faixa do
seu álbum homônimo, lançado no final do ano passado, a excelente (e longa!) “Come Out (Come Down, Fade Out, Be Gone)”, sugere esta descrição mesmo. Porém, basta ouvir a segunda música do disco, “Be Mine”, para sacar a onda real do 120 Days. Trata-se sim de uma puta banda que emula o melhor do pós-punk oitentista, com baixão na frente marcando o ritmo, bateria eletrônica e sintetizadores analógicos tecendo um
beat minimalista e dançante, e vocais urgentes e melódicos ao estilo do
U2 (acredite!) dos primeiros discos - não há aquela afetação dos vocalistas atuais, cujos timbres parecem ter saído da dublagem do filme/animação “
A Fuga das Galinhas”. O som é denso, com fortes influências de
Joy Division (primordialmente),
Echo and the Bunnymen e
The Cure (fase “
Pornography”). Mais um mero emulador do pós-punk? Não somente. Há ainda climões psiciodélicos promovidos pelos sintetizadores ao estilo de “
Autobahn”, do Kraftwerk - o que remete ao
pós-rock de gente como o
Trans AM, porém sem ser chato em demasia. “Get Away”, quinta faixa do disco, sintetiza a sonoridade do 120 Days: refrão forte, densa, dançante... e com absolutamente nenhuma influência pós-anos 80. Mais retrô, impossível. Mais
moderno, impossível...
Cow Punk?

Está aí uma banda verdadeiramente surgida nos anos 80 que deveria soar radicalmente fora do eixo vigente naquela época: os californianos do
Gun Club! No disco “
Miami” (1982) não há qualquer vestígio de bateria eletrônica (aquelas hexagonais...), teclados Casio (aqueles que pareciam de brinquedo...) e guitarras encharcadas de efeitos
flanger (aquelas com um som
magrinho...). Há sim acordes raivosos, num híbrido de (pós)punk, country music, rockabilly e a anarquia sonora da dupla pré-punk
The Stooges e
MC5. Os vocais do líder (e também guitarrista) Jeffrey Lee Pierce (falecido em 1996) são gritados, anárquicos, meio que um
bluesman bêbado tocando num pub esfumaçado – daí a comparação justa e imediata com o som que
Jon Spencer viria a produzir posteriormente com seu
Blues Explosion. Eu, que só conhecia a primeira faixa deste disco (“Run Through the Jungle” – um pós-punk meio
death rock, totalmente diferente do resto das demais), gravada numa fita K7 há mais de 15 anos, e que tinha apenas como referência o fato de ser a banda de onde saiu a baixista
Patricia Morrison para gravar o clássico “
Floodland”, do
Sisters of Mercy, simplesmente tomei um susto quando um amigo meu me passou o disco inteiro para ouvir. Já os rotularam anos atrás de
cow punk. Faz sentido. No meio da mistureba maluca, colorida e espalhafatosa que foram os anos 80, mais estranho no ninho o pessoal do Gun Club não poderia deixar de ser.
Shoegazer Gótico?

Perdido no meio deste post, surge o casal Dean Garcia (guitarra) e Toni Halliway (vocal), que comanda o
Curve, uma banda difícil de ser rotulada. Da leva de formações inglesas de nomes curtos (
Ride,
Lush, etc.) surgidas entre o fim dos anos 80 e começo dos anos 90, categorizadas como
shoegazer (devido à postura tímida dos músicos, que tocavam olhando para os seus sapatos), o Curve se destacava por ser muito mais pesado que seus pares de cena, além de carregarem fortemente nas programações eletrônicas e nos climas sombrios. Toni e Dean estavam muito mais para uma dupla gótico-industrial-alternativa do que qualquer outra coisa, pelo menos dos dois discos que tenho deles, “
Come Clean” (1998) e “
Gift” (2001). Músicas docemente indies e balançadas como “Something Familiar” (1998) e “Want More Need Less” (2001) poderiam enganar os leitores da
Melody Maker de outrora, que corriam atrás de algo similar ao que viria se tornar o
brit pop dos anos 90, ou então o que um dia já foi o
indie dance da geração de
Jesus Jones,
Soup Dragons (a
new rave de 15 anos atrás) e cia. O pesadelo
breakbeat hardcore de “Chinese Burn” (1998) e o batidão industrial com guitarras malvadonas e distorcidas digitalmente de “Hell Above Water” (2001 – algo como um
Nine Inch Nails com vocal feminino) não dão margem a tais
singelezas. Trata-se sim de uma bandaça, totalmente à parte do que rolava quando surgiram – o que dirá dos dias de hoje. Já me disseram que o Curve é um “
Garbage do mal”. É por aí. A voz sensual e (pseudo)delicada de Toni declamando letras dúbias por cima de sonoridades proto-indies e programações eletrônicas fazem um paralelo com a banda de
Shirley Manson. Mas as batidas muitas vezes descambam no estilo
Prodigy e
Chemical Brothers (“Gift”, “Chainmail”), ou mesmo no techno/house (“Robbing Charity” e “Fly With The High”). O casal andava meio sumidão, mas em sua
página oficial há uma música mais recente, “Weekend”, que é simplesmente arrasadora: batida tribal, synths electro e baxo distorcido. Vai na fé que vale à pena entrar no universo do Curve, mesmo que você não encontre paralelos atualmente.