Menos cabeças, mais chances de informar?
Foto by KalungaUma das maiores frustrações para uma banda com repertório autoral que esteja começando suas atividades em público deve ser quando há na platéia aqueles indivíduos bêbados, burros e desprovidos de noção crítica que ficam gritando “toca Raúúúúllll” mesmo que o som dos músicos em questão seja um
punk rock ou um forró dos brabos. Se a banda investe em segmentos musicais mais alternativos como, por exemplo,
heavy metal, hardcore e
indie rock, o apelo de um cover pode se justificar para situar o público com o som proposto, mas também pode mal acostumar os (muitos) chatos de plantão que só lembrarão do cover tocado e que não farão a menor questão de prestar a atenção em suas composições próprias. Mas seria uma pretensão utópica se o músico esperasse que a platéia esteja sempre bem informada e aberta a novidades. Cultura e informação numa sociedade de massas (todas?) é sempre uma exceção. Porém, os canais de busca para tal estão muito mais acessíveis, abrangentes e interligados. Só não absorve quem não quer.
Este é o ponto crucial deste texto: a
passividade dos indivíduos que têm em suas mãos todas as ferramentas necessárias para abrirem seus leques de conhecimentos mas simplesmente investem sua procura no que já lhes é familiar e restrito. A
internet, na minha opinião, é o meio de comunicação e propagação de informação mais completo que existe. Nela estão texto, imagem e som totalmente integrados entre si, interativos ao gosto do internauta que pode, através dos mecanismos do hipertexto, entrar numa teia de referências infinitas a serem pesquisadas. Ferramentas como bloggs e fotologs podem se tornar instrumentos para divulgação de conteúdos sérios e de linguagens totalmente novas (por favor, não estou me referindo ao
analfabetismo digital de quem escreve coisas como “aki, eh, brigadu”) além do uso tradicional estilo “diário virtual”. Só não aproveita mais profundamente quem não quer. E a maioria
não quer mesmo.
Às vezes eu me irrito radicalmente quando estou mandando um som e vem um(a) ser totalmente pilhado(a) falando pra mim: “acelera aí, toca um trance!!!” – isso quando está rolando um
breakbeat (um som totalmente nada ver com o outro), por exemplo. É besteira, eu sei. Quem se expõe ao público tem que ter jogo de cintura para este tipo de coisa e a platéia não tem a obrigação de saber sobre tudo o que você está tocando. Mas aí surge outra questão: trata-se de um público específico (o do
trance) que é predominante das classes A e B e, pelo grande número de comunidades virtuais existentes sobre este segmento, trafega pela internet com toda a desenvoltura permitida pela conexão de banda larga. E a maioria esmagadora só perpetua um tipo de trance, um tipo de atitude, ignora completamente as variações um gênero musical eletrônico tão rico quanto os seus paralelos (
techno, drum’n’bass, house, breakbeat, etc.) e que só parece curtí-lo sob efeito de substâncias químicas ilegais. Pronto: estou julgando as pessoas!
Os incomodados que se mudem, provavelmente me diriam. E eu mudei! Quero distância desta porra!
Até uns dez anos atrás a música alternativa (seja ela eletrônica ou acústica) tinha que ser absorvida por meio de fanzines (xerocados) e trocas de material por correio, telefone ou pessoalmente. Lembro-me que, no começo dos anos noventa, ouvia os diversos programas de
dance music e rock pesado que existiam nas rádios daqui para conhecer novos sons e depois procurá-los em alguma das poucas lojas importadoras de discos. Em alguns casos o nome do selo/gravadora poderia servir de base para investir em bandas de seu catálogo -
Alternative Tentacles e
Wax Trax, por exemplo, foram e ainda são uma fonte absurda de novidades para mim. Muitas vezes eu olhava para o catálogo de discos importados da loja e atirava literalmente no escuro e sem conhecimento algum sobre o som que iria encomendar. Isso tudo que escrevi não se trata de nostalgia barata. Simplesmente me considero privilegiado de ter vivido esta época sem as facilidades da internet para cultivar este ímpeto por procura de informação mais detalhada. Também não sou purista e justamente o contrário que eu venho a pregar neste texto.
Meu primeiro contato com o
Mundo Maravilhoso do Download se deu no meu local de trabalho em março de 2001, quando acessei pela primeira vez aquela ferramenta fantástica que era o
Napster. “O que é isso, meu deus??!!”, pensei na hora quando me dei conta de que centenas de discos (e singles, Eps, ao vivo piratas...) que sempre quis ter estavam ao alcance de um clique ou de uma procura mais paciente. Depois vieram
Audiogalaxy e
Soulseek (eu parei por aqui, pois há quase dois anos que eu não tenho estas maravilhas diretamente em minhas mãos – um
junkie sem o seu vício). Só entrei nessa de “DJ” porque pude pesquisar mais a fundo os sons que curtia (o
Tourco foi o responsável pelos primeiros downloads que utilizamos em nossas festinhas, isso em 1998). E hoje me deparo com vários DJs daqui que simplesmente começaram a ouvir determinado tipo de som desde ontem e não se aprofundam no básico de sua história, cultura e possibilidades, mesmo com o singelo alcance de um clique virtual. O mesmo ocorre com trocentas bandas iguais que povoam o
undergráudi local. Sinceramente, estou ficando velho demais para tentar
mudar o mundo à minha volta. Uma pistinha pequena num bar perto de casa para eu tocar meus sons para amigos e interessados, 20 reais por noite e minha cervejinha sempre gelada já estão de ótimo tamanho! O prazer que eu teria com isso não demanda grandes multidões. Eu não vivo disso mesmo...
*A idéia deste texto partiu de um post publicado no blogg de meu amigo
Taylor.
**Eu citei
trance justamente por representar o contexto restrito ao ES. Em São Paulo, onde estive por todo o ano de 2004, pude perceber o mesmo tipo de bitolagem em diversos segmentos, principalmente
house, techno,
electro e
indie rock. Mas o
trance ainda se sobressaía mais que os outros nesta questão por agregar um público que nunca ouviria música eletrônica por outros meios que não fossem pela combinação “ecstasy-luz-negra-som-de-fácil-apelo”. Mas há um movimento em torno dos sons
progressivos (mais lentos e trabalhados) do
trance em SP que vem provando que BPM rápido nem
synth melodies óbvias sejam sempre necessárias para uma pista bombar – a noite “Up Grade” das quintas-feiras no
D-Edge é a prova disso.
***O mesmo (“bombação vs apelação”) vem ocorrendo com o público habitual do
techno, que vem se cansando de esbarrar em gente travada na pista e está procurando pelos beats mais lentos e refinados da vertente
minimal.
****Eu gosto sempre de lembrar duas bandas de amigos meus que se arriscam a tocar um som bom e diferente do usual em seus segmentos. O
SMD (Silence Means Death) e o
Tractorbilly tocam
heavy/rock moderno e
punk/rockabilly, respectivamente, num meio onde todo mundo só quer saber de urros e vocais estilo
pavão no cio ou melodias chorosas lamentando o fora dado pela ex-namorada. Mas eu só vou aos shows deles porque são meus amigos, pois sempre tenho que aturar bandas horríveis para tal. Por favor me indiquem se há mais gente produzindo algo legal e que fuja do lugar-comum! Mas é preciso ter boas canções e um mínimo de apuro técnico e melódico, pois do contrário eu pego o exemplo do
Terrorturbo: proposta radicalmente diferente e até mesmo original, mas com resultados horrorosos...