quarta-feira, julho 06, 2005

Preguiça Virtual


Menos cabeças, mais chances de informar?
Foto by Kalunga


Uma das maiores frustrações para uma banda com repertório autoral que esteja começando suas atividades em público deve ser quando há na platéia aqueles indivíduos bêbados, burros e desprovidos de noção crítica que ficam gritando “toca Raúúúúllll” mesmo que o som dos músicos em questão seja um punk rock ou um forró dos brabos. Se a banda investe em segmentos musicais mais alternativos como, por exemplo, heavy metal, hardcore e indie rock, o apelo de um cover pode se justificar para situar o público com o som proposto, mas também pode mal acostumar os (muitos) chatos de plantão que só lembrarão do cover tocado e que não farão a menor questão de prestar a atenção em suas composições próprias. Mas seria uma pretensão utópica se o músico esperasse que a platéia esteja sempre bem informada e aberta a novidades. Cultura e informação numa sociedade de massas (todas?) é sempre uma exceção. Porém, os canais de busca para tal estão muito mais acessíveis, abrangentes e interligados. Só não absorve quem não quer.

Este é o ponto crucial deste texto: a passividade dos indivíduos que têm em suas mãos todas as ferramentas necessárias para abrirem seus leques de conhecimentos mas simplesmente investem sua procura no que já lhes é familiar e restrito. A internet, na minha opinião, é o meio de comunicação e propagação de informação mais completo que existe. Nela estão texto, imagem e som totalmente integrados entre si, interativos ao gosto do internauta que pode, através dos mecanismos do hipertexto, entrar numa teia de referências infinitas a serem pesquisadas. Ferramentas como bloggs e fotologs podem se tornar instrumentos para divulgação de conteúdos sérios e de linguagens totalmente novas (por favor, não estou me referindo ao analfabetismo digital de quem escreve coisas como “aki, eh, brigadu”) além do uso tradicional estilo “diário virtual”. Só não aproveita mais profundamente quem não quer. E a maioria não quer mesmo.

Às vezes eu me irrito radicalmente quando estou mandando um som e vem um(a) ser totalmente pilhado(a) falando pra mim: “acelera aí, toca um trance!!!” – isso quando está rolando um breakbeat (um som totalmente nada ver com o outro), por exemplo. É besteira, eu sei. Quem se expõe ao público tem que ter jogo de cintura para este tipo de coisa e a platéia não tem a obrigação de saber sobre tudo o que você está tocando. Mas aí surge outra questão: trata-se de um público específico (o do trance) que é predominante das classes A e B e, pelo grande número de comunidades virtuais existentes sobre este segmento, trafega pela internet com toda a desenvoltura permitida pela conexão de banda larga. E a maioria esmagadora só perpetua um tipo de trance, um tipo de atitude, ignora completamente as variações um gênero musical eletrônico tão rico quanto os seus paralelos (techno, drum’n’bass, house, breakbeat, etc.) e que só parece curtí-lo sob efeito de substâncias químicas ilegais. Pronto: estou julgando as pessoas! Os incomodados que se mudem, provavelmente me diriam. E eu mudei! Quero distância desta porra!

Até uns dez anos atrás a música alternativa (seja ela eletrônica ou acústica) tinha que ser absorvida por meio de fanzines (xerocados) e trocas de material por correio, telefone ou pessoalmente. Lembro-me que, no começo dos anos noventa, ouvia os diversos programas de dance music e rock pesado que existiam nas rádios daqui para conhecer novos sons e depois procurá-los em alguma das poucas lojas importadoras de discos. Em alguns casos o nome do selo/gravadora poderia servir de base para investir em bandas de seu catálogo - Alternative Tentacles e Wax Trax, por exemplo, foram e ainda são uma fonte absurda de novidades para mim. Muitas vezes eu olhava para o catálogo de discos importados da loja e atirava literalmente no escuro e sem conhecimento algum sobre o som que iria encomendar. Isso tudo que escrevi não se trata de nostalgia barata. Simplesmente me considero privilegiado de ter vivido esta época sem as facilidades da internet para cultivar este ímpeto por procura de informação mais detalhada. Também não sou purista e justamente o contrário que eu venho a pregar neste texto.

Meu primeiro contato com o Mundo Maravilhoso do Download se deu no meu local de trabalho em março de 2001, quando acessei pela primeira vez aquela ferramenta fantástica que era o Napster. “O que é isso, meu deus??!!”, pensei na hora quando me dei conta de que centenas de discos (e singles, Eps, ao vivo piratas...) que sempre quis ter estavam ao alcance de um clique ou de uma procura mais paciente. Depois vieram Audiogalaxy e Soulseek (eu parei por aqui, pois há quase dois anos que eu não tenho estas maravilhas diretamente em minhas mãos – um junkie sem o seu vício). Só entrei nessa de “DJ” porque pude pesquisar mais a fundo os sons que curtia (o Tourco foi o responsável pelos primeiros downloads que utilizamos em nossas festinhas, isso em 1998). E hoje me deparo com vários DJs daqui que simplesmente começaram a ouvir determinado tipo de som desde ontem e não se aprofundam no básico de sua história, cultura e possibilidades, mesmo com o singelo alcance de um clique virtual. O mesmo ocorre com trocentas bandas iguais que povoam o undergráudi local. Sinceramente, estou ficando velho demais para tentar mudar o mundo à minha volta. Uma pistinha pequena num bar perto de casa para eu tocar meus sons para amigos e interessados, 20 reais por noite e minha cervejinha sempre gelada já estão de ótimo tamanho! O prazer que eu teria com isso não demanda grandes multidões. Eu não vivo disso mesmo...

*A idéia deste texto partiu de um post publicado no blogg de meu amigo Taylor.
**Eu citei trance justamente por representar o contexto restrito ao ES. Em São Paulo, onde estive por todo o ano de 2004, pude perceber o mesmo tipo de bitolagem em diversos segmentos, principalmente house, techno, electro e indie rock. Mas o trance ainda se sobressaía mais que os outros nesta questão por agregar um público que nunca ouviria música eletrônica por outros meios que não fossem pela combinação “ecstasy-luz-negra-som-de-fácil-apelo”. Mas há um movimento em torno dos sons progressivos (mais lentos e trabalhados) do trance em SP que vem provando que BPM rápido nem synth melodies óbvias sejam sempre necessárias para uma pista bombar – a noite “Up Grade” das quintas-feiras no D-Edge é a prova disso.
***O mesmo (“bombação vs apelação”) vem ocorrendo com o público habitual do techno, que vem se cansando de esbarrar em gente travada na pista e está procurando pelos beats mais lentos e refinados da vertente minimal.
****Eu gosto sempre de lembrar duas bandas de amigos meus que se arriscam a tocar um som bom e diferente do usual em seus segmentos. O SMD (Silence Means Death) e o Tractorbilly tocam heavy/rock moderno e punk/rockabilly, respectivamente, num meio onde todo mundo só quer saber de urros e vocais estilo pavão no cio ou melodias chorosas lamentando o fora dado pela ex-namorada. Mas eu só vou aos shows deles porque são meus amigos, pois sempre tenho que aturar bandas horríveis para tal. Por favor me indiquem se há mais gente produzindo algo legal e que fuja do lugar-comum! Mas é preciso ter boas canções e um mínimo de apuro técnico e melódico, pois do contrário eu pego o exemplo do Terrorturbo: proposta radicalmente diferente e até mesmo original, mas com resultados horrorosos...

10 comentários:

Anônimo disse...

Qual é Vaca, passei aqui rapidinho pois tô no computador do Léo. Esse seu post me lembrou dos MOTORHEADs embalados pelos petardos da Alternative Tentacles e Wax Trax. Bons tempos! A propósito, estava ouvindo LARD (Sindewinder; War, Pimp, Renaissance; 70s Rock Must Die) quando entrei no seu blog e vi o post. Véio, viajei no tempo agora. MOTORHEAD URGENTE!!!!
Lemmy

Kalunga disse...

Wax Trax é a fonte de coisas maravilhosas como KMFDM, Pailhead (mInistry + Fugazi), Revolting Cocks, enfim é a nata do som industrial. E a Alternative Tentacles é do Jello Biafra e só tem som louco e inusitado tipo Duh, Lard, Grotus...

Porra Lemmy, valeu pela presença!!! Motorhead urgente!!!!

Anônimo disse...

Fala garoto...
minha banda ainda naum tem condições de tocar em publico, nosso equipamento é muito tosco...
estamos investindo na banda agora, quando agente tiver pronto, vamos fazer uma festa, e claro, chamarei vc pra tocar na nossa festa...
abraço...

Mentor disse...

Está saindo de cima do muro heim kalunga!!!?

Gostei de ver!!!

O mundo é de todos. Isso inclui, também, os que não enxergam mudanças ou a alma do que está acontecendo além de seu próprio umbigo. Na boa, viver/ser superficial é estar/manter-se feliz (na idéia de mito da felicidade, somado à esse lance todo do conceito da indústria do divertimento adorniano e a força brutal do capitalismo tardio)...

Kalunga, não seria essa "passividade" uma acomodação provinda da manutenção de um estilo de vida - digamos assim - mais tranqüila, sem muitos conflitos, atritos???

Deixar como está também tem a sua função!!! Sei lá,talvez a de manter a vida branda...

Estou falando tudo isso, só para aprofundarmos mais um pouquinho na questão. Até por que você sabe que eu quero é mudança, ruptura, eu quero uma outra cultura.

"Os incomodados que se mudem, provavelmente me diriam. E eu mudei! Quero distância desta porra!" (Kalunga)

Eu vejo essa frase de outra maneira: Os acomodados é que permaneçam, eu estou indo conhecer coisas novas!!!

A grande questão, e é isso que nos revolta, é que nós quero ficar, estabelecer e viver isso aqui. PORRA! só que queremos mais, queremos ser vanguarda, queremos ir além e não ficarmos bem instalados como "acomodados".

Já basta! Chega!!! Viva à sub-ordem íntima é exclusiva!!! vivas às estacas encravadas nos peitos sonolentos!!! viva ao experimento!!! Agora falta-nos que vivamos tudo isso unidos... uma nova ordem... vamos nos impor mais... Guerrilha cultural... Não é divisão a partir de preconceitos não, é golpe de sobrevivência!

Seu blog é maravilhoso!!!

Kalunga disse...

Nossa Mentor, enfim comentátios densos e passíveis de um post à parte. O que eu posso adiantar agora (estou de saída para a minha guerrilha semanal das quintas...) é que tudo o que escrevo vem por impulso (tirando as entrevistas) e por isso mesmo algumas coisas saem sem muito aviso. E realmente as pessoas que querem permanecer passivas em suas posições devem ser e estar felizes elo direito que é delas. O que eu não concordo (e mais um monte de gente que conhecemos) é vir alguém sem o mínimo de noção do que está falando simplesmente jogando o meu trabalho no lixo e passando por cima dela para reivindicar algo que nem sabe o que é. Vou me aprofundar ainda mais nestes exemplos aqui nos meus comentários mais tarde -e existe muitos, mas muitos mesmo!!

***

Fala Ledrusso! Quando vcs puderem, já sabem que eu agito a parada da banda de vcs na maior certeza! Uma banda de industrial em Vitória??? Porra, isso tem que rolar!!! Valeu pela presença e pela atitude de fazer algo diferente!

Kalunga disse...

escrevi rápido e atropelando tudo!

Kalunga disse...

Muitas vezes alguns amigos enxergam um certo exagero em minha postura de sempre exigir mais das pessoas em termos de conhecimento e de abertura de mentes e corações. É nestas horas que, para alguns, eu estou infringindo o direito de deixar cada um ir e vir para onde quiser. Pois eu até concordo em parte. Se você quer ficar no seu canto sem demonstrar interesse em compartilhar de novos conhecimentos ou novos campos de atuação, beleza! Só não invada o meu espaço para dizer abobrinhas sem conhecimento!

Eu não sou político, não vivo de fazer eventos e de agradar a todos. Eu tenho a minha profissão que dá o meu sustento para a minha vida. Botar som é uma questão de diversão que, por conta de minha experiência profissional, eu pude explorar ao meu favor para poder transmitir este prazer para mais pessoas. Como eu já citei em outros posts no meu blogg, é muito fácil conquistar espaço na mídia local: quase ninguém aqui no ES tem a disposição de criar algo ou iniciar uma coisa que não seja pelas vias estabelecidas e viciadas em suas obviedades. Aí vc experimenta uma espécie de glória momentânea por conta deste cartaz que a mídia daqui lhe dá e pode cair na ilusão de que suas idéias se expandirão cada vez mais. E isso não é verdade.

Aí vc se estressa ou cai no pragmatismo. Se recolhe em seu canto ou abre as pernas para o lugar-comum. Dá o fora deste Estado ou desiste de vez de tentar mudar tudo e vai viver sua vida em paz. Quando eu digo no meu post que "menos gente, mais informação" ou de que eu prefiro uma pistinha com vinte cabeças e cerveja gelada, é porque já experimentei por todas as situações possíveis para tentar mudar algo por aqui no que concerne ao meu gosto pessoal.

Kalunga disse...

Quando eu digo "invadir o meu espaço para dizer abobrinhas", é no campo aberto de estar em público. Eu me afastei deste negócio de rave ou trance (que o Tourco soube bem definir dias atra´s a nossa postura: "nós não iniciamos porra nenhuma aqui. só fomos talvez os primeiros a gostar disso por aqui e tentamos fazer umas festas ao nosso agrado") definititivamente quando fui tocar eu muma festa em 2002 e o local tava cheio para os padrões da época (umas 200 pessoas), o público era bem abastado (Audis e Hondas no estacionamento) e, quando fui acertar meu cachê, um dos donos do tal evento me alegou que não podia pagar os R$ 50,00 combinados anteriormente porque "a festa não tinha dado lucro". Pois o local estava porcamente decorado, lotado, o som era dos caras e eles haviam faturado, que eu vi, uns dez mil só vendendo ecstasy ali mesmo. O público pagava 50 paus numa bala mas não podia dar cinco paus de entrada, os organizadores utilizaram os DJs para ganhar grana em cima de otários como eu. Começava aí uma mentalidade vazia e escrota de que para ouvir trance teria que ter a tal da balinha. Eu tava correndo o risco até de ser preso numa festa dessas.

Depois fui fazer festas pequenas para tocar outros sons, tipo breakbeat e progressive trance/house, e ainda me vinham os péla-sacos pedindo pra acelerar o som e tal. Eu não assumo paternidade alguma disso aí que falei! Eu e o Tourco iniciamos algo apenas para nós e para o nosso gosto. Deixei de ganhar em média R$ 200 paus por festa para poder seguir meu caminho sem aborrecimentos. Tocar para um bando de zumbis atrás de um som monotemático é demais para mim. Me ofende ver um trabalho de pesquisa musical e cultural sendo jogado no lixo quando vem alguém completamente drogado exigindo algo que nem sabe o que é direito.

Eu não sou político e não faço questão de ser. Apenas procuro me cercar de pessoas que, se não gostam do que faço (ou da música que ouço/toco), pelo menos respeitam o meu trabalho. Pego por exemplo os meus amigos, que 90% não curtem o som mas que vão aos meus rocks. Isso eu respeito. Assim como quando vem um cara pedir para saber que som está rolando. Eu gravo o CD para a pessoa que se interessar, já fiz listas de sons para muita gente poder baixar e ouvir em casa. Quero compartilhar conhecimentos, quero absorver novidades, ainda que elas sejam antigas mas que eu ainda não as conheça. E tenho quase trinta anos e definitivamente não devo mais me estressar com atitudes burras e vazias. Mas estar em (grande) público demanda paciência com certeza.

Mentor disse...

As emoções de indivíduos isolados levam-nos a observar ou apreciar determinados fatos decorridos no seu ambiente, pois, quando agrupados, suas emoções transformam-se em sentimento coletivo, o qual expressa a forma de percepção de um grupo sobre um assunto, podendo estar presente na multidão, massa e no público. O que acontece hoje é que a "passividade" dos indivíduos se dá por seu isolamento de busca por informação (tendência essa eminente à forma de vida capitalista/individualista contemporânea). Ainda carregamos conosco a cultura de consciência e atitude de massa quando estamos numa relação coletiva, porém, em nosso íntimo (e isso não é uma pala gay), todas as opiniões aparecem de forma radical, ou seja, crua.

Existem, portanto, duas possibilidades de atitudes "passivas". Uma é a unanimidade das relações coletivas, e a outra está infiltrada na incapacidade e/ou preguiça de analisar as coisas a nossa volta. O novo é um dos maiores causadores de medo da humanidade.

Tudo bem, eu sei. As coisas estão aí... Cata quem quer... Mas a imensa maioria está de mãos atadas... Nós temos uma função nessa sociedade: a de informar!!!

Kalunga disse...

Perfeição este seu comentário, Mentor. Não tenho mais palavras a dizer...