segunda-feira, outubro 31, 2005

Dando pista


Foto by: Kalunga

Existem sons de pista de dança que são atemporais, cujas batidas e melodias nunca ficam velhas. Pois é, tal proeza é raríssima, principalmente pelo fato de que a dance music propriamente dita (techno, house, trance, etc.) depende tanto de recursos tecnológicos que o prazo de validade de suas produções expira rapidamente – o recurso da “atualidade” é de uma constante meio doentia. Por exemplo: você, que tenha um mínimo de interação com a “cena eletrônica”, consegue imaginar algo mais datado hoje do que aquelas misturas de drum’n’bass com bossa nova/mpb estilo Kaleidoscópio? Ao mesmo tempo, o que era considerado o supra-sumo do ultrapassado, a acid house, de uns dois anos para cá, vem experimentando um hype fervoroso, com direito às velhas linhas ácidas da TB-303 (sintetizador de baixo pré-histórico da Roland - ouça o álbum “20 to 20”, do mega DJ Josh Wink). O que dirá, então, do electro, que atualmente infesta todas as sub-divisões da música eletrônica com seus timbres deliciosamente retrô?

No final das contas, o que fica para trás neste segmento acaba por interessar somente àqueles que se preocupam em fazer dançar e não àqueles que apenas dançam numa pista. Justamente são os DJs que lançam as tendências, promovem revisões do passado e modernizam-no. É um processo contínuo, que a cada dois anos, em média, determina que um ou dois gêneros musicais sejam os mais “modernos e atuais”. O que será das pistas de dança em 2008, por exemplo? Disco music a lá anos 70 infestando house, tecnho e adjacências? Ou teríamos misturas improváveis de minimal techno com trance dominando as tendências daqui a três anos? Sei lá! Vou apenas escrever sobre algo que está sendo e sugerir algo que poderia ser.

Psicodelia eterna

Conheci o tal do trance psicodélico numa época em que este se encontrava em plena fase de transição, entre o primal goa trance, de fortes linhas melódicas e criado por alemães que piravam a cabeça nas praias de Goa (Índia) desde o começo dos anos 90, e o então eminente israeli trance, produzido por jovens de Israel e de características mais frias e pesadas. Meu primeiro contato com este universo se deu em Trancoso, no carnaval de 1998, numa rave realizada na beira da praia (eu já descrevi a ocasião no post “Rave on U – parte I”, nos arquivos do mês de março). Eu e meus amigos Tourco e Mentor vimos, sem saber direito o que estava acontecendo, um live PA do projeto francês Total Eclipse. Logo depois, o Tourco foi caçar na internet sons daquele trio (formado pelos exímios produtores Stephen Howleck, Serge Souque e Loic Van Pocke) e acabamos por eleger a música do TE como o topo em qualidade no quesito “trance”.

Ouvindo hoje o álbum duplo “Violent Relaxation” (de 1999) e comparando-o com o padrão vigente na produção de psy trance dos últimos três anos, fica evidente que o Total Eclipse se tornou impróprio para rivalizar com os nomes mais atuais do gênero - o principal motivo é a (falta de) pressão nas bass lines se comparada com o padrão atual. Mas o som deste trio francês vai muito além dos limites restritos de um gênero específico. Os tradicionais climas estilo invasão alienígena do goa trance se fundem com sacadas melódicas referenciais que vão de samples de gritos e sirenes do big beat de Chemical Brothers e Prodigy, a batidas minimalistas vindas direto do Kraftwerk. A pegada dos caras muitas vezes era puramente roqueira, com direito a viradas de bateria e solos de synth dignos de uma guitarra elétrica (vide a faixa “Can’t do That”). As músicas puramente dançantes não se prendiam a BPMs rígidos – variavam de 130 a 148 batidas por minuto, pois cada faixa possuía vida própria. Nas faixas destinadas ao chill out, a criatividade destes caras aflorava ainda mais, com os tradicionais cânticos orientais e cascatas de notas melódicas podendo se transformar num breakbeat poderoso ou dar lugar a um violento solo de guitarra de verdade. O som do Total Eclipse é discoteca básica em música eletrônica!
*O psy trance, na minha opinião, está totalmente estagnado musicalmente, e entregue a um público que perpetua uma mentalidade (ou seria a falta dela?) cabeça-de-bagre de só depender de melodias óbvias e com a garantia certa de bombar a pista. Não há mais inovação nem renovação que me façam perder o tempo com este universo. Eu apostaria na fusão do peso atual com as melodias do antigo goa trance. Alguém aí se dispõe?
**O Total Eclipse acabou. Alguns projetos surgiram, como o Antidote e outros. O nível de qualidade diluiu-se quando cada um dos três foi para o seu canto, mas ainda vale à pena procurar as produções que envolvam os nomes de Stephen Howleck, Serge Souque e Loic Van Pocke.

Na quebrada

O termo breakbeat surgiu do hip-hop, por conta de cortes e quebradas de ritmo feitos ali, na hora, nos toca-discos, dando origem a novas músicas. No final dos anos 80/início dos 90’s, era sinônimo de anarquia sonora, dando cria ao jungle (pré-drum’n’bass) e ao hardcore techno (pré-gabba), com suas violentas e rápidas rajadas rítmicas. No meio da década passada desmembrou-se no big beat, com batidas mais lentas e grooveadas, e uma estreita relação com o rock – a era de grandes álbuns eletrônicos (antes só haviam singles) de Prodigy, Chemical Brothers, Leftfield, Crystal Method, entre outros. No começo desta década o breakbeat voltou com força, por conta de batidas mais organizadas (menos barulhentas e quebradas que o big beat) e fundindo-se com electro, house, techno e o que mais vier à cabeça. Transformou-se em um gênero forte, sólido e irresistivelmente dançante, englobando tudo o que veio antes, criando novas formas a todo momento.

Plump DJs, Drumattic Twins, Lee Coombs, Soul of Man e Meat Kattie estão na linha de frente do breakbeat, e o selo Finger Lickin é a principal matriz destes abalos sísmicos sonoros. O gênero atualmente encontra-se numa maturidade impressionante, mesmo sendo considerado o estilo que mais engloba referências diversas. Batidões electro-funk podem ser acompanhados por synths psicodélicos e vozeirões de soul music numa mesma faixa, por exemplo. Às vezes parece que James Brown e Funkadelic foram robotizados (Soul of Man); noutras o Prodigy surge ainda mais bombástico que antes (Plump DJs - definitivamente o maior nome da cena – no single “Get Kinky”); em certos momentos uma avalanche de percussão africana se sobrepõe a pesados beats digitais (Lee Coombs); a house music é estuprada com bass lines cavalares e quebradas de ritmo perfeitas (Meat Kattie); e os anos 80 são postos no caldeirão dos breaks atuais (Drumattic Twins). E esta galera toda acaba se cruzando (ops!), se remixando e produzindo juntos a torto e a rodo. Os breaks voltaram para ficar!
*Logicamente o breakbeat não se restringe a estes artistas/selo. Há muitos outros afluentes por aí, produzindo boa música para as pistas. Tal gênero musical, em termos de downloads na internet, ainda é bastante restrito a singles em vinil, portanto, meio chatinho de achar.
**Segundo o Marcel, que recentemente fez uma gig pela Europa com sua banda Zémaria, o breakbeat já se encontra num estágio em que o hype no clubes underground já o vem descartando entre os mais antenados, dando vazão a fusões de breaks, electro e house como os italianos do Pressalaboys. Olha aí a música eletrônica e sua fome doentia de se atualizar constantemente – para o nosso bem!

16 comentários:

Anônimo disse...

Como a produção de música eletrônica pressupõe gravação, síntese e manipulação dos sons, depende também do suporte e dos meios utilizados para estas apropriações e interferências.

A Gênese do estilo foi marcada pela utilização de fitas magnéticas e manipulação por cortes e interferências na velocidade de reprodução, dando origem a uma técnica que dá o tom, ou melhor, o timbre, de um estilo tido hoje como novidade, o minimal techno. Esta técnica é o microsampling, talvez o que define o estilo como minimal. Para se ter uma referência, Stockhausen levou o microsampling às últimas consequências em Kontakte.

Hoje em dia os computadores são a base da produção. O setup básico de qualquer artista standard é um micro interligado a controladores externos, que permitem a manipulação de programas que geram e alteram sons digitalmente. O acesso praticamente irrestrito a qualquer software define hoje a relação do público com o "estilo vigente"... e a evolução tecnológica acelerada de hardware e software digitais então acaba tornando inevitável a sucessão de estilos.

Imagino que o quesito interface acabará dominando a cena da segunda década do milênio, permitindo uma interação com parâmetros de manipulação sonora através de recursos de realidade virtual, como os tracers, datagloves, sensores de proximidade e sistemas de reconhecimento de imagem. Neste ambiente imagino que a Dance Music atingirá seu objetivo, que seria a perfeita combinação de movimento do corpo com reprodução sonora livre e totalmente original em timbre e performance.

Kalunga disse...

Fala Professor Turco!


Absolutamente complementar e referencial o seu comment em qualquer texto sobre música eletrônica!

doggma disse...

E aê Kalunga! :D

Vi a foto do topo do texto e vou te ser sincero... sempre achei que a discotecagem em vinil cairia rapidamente com a popularização dos BPM Studio, AtomMix e outros softs de execução de áudio da vida. Mas, nesse sentido e que vai na contramão do conceito "tomorrow technology" da música eletrônica, essa 'transição' está caminhando de forma bastante lenta. Talvez seja porque é aí que mora o elemento humano na eletrônica, discussão que tanto rendeu críticas/discussões. De qualquer forma, é um paradoxo. :)

Você citou o grande Kraftwerk... o último álbum deles está demais: o ao vivo Minimum Maximum. Eles fizeram excelentes releituras de todos aqueles clássicos. Se você ainda não tiver esse, o disco (duplo) está disponível neste endereço para download:
http://webdisk.planet.nl/skodr012/publiek/album/Forms/AllItems.aspx?RootFolder=http%3a%2f%2fwebdisk%2eplanet%2enl%2fskodr012%2fpubliek%2falbum%2fMuzika%2fkraftwerk

doggma disse...

A propósito... coloquei um banner para o Flame Job lá no meu blog: http://blackzombie.blogspot.com/

Depois me fala se ficou do seu agrado. Abração!

Ps.: E vamos agitar aquele rock aqui em Vila Velha! :D

Kalunga disse...

Fala Doggma! Desculpe a demora em responder, mas estou com meu monitor queimado e tenho que acessar internetr de maneira muito restrita, por enquanto.
***

Eu particularmente sou um entusiasta da evolução tecnológica na música, e de maneira alguma defenderia posturas "puristas" sobre o uso ou não do vinil, por exemplo. Pelo contrário, pois se não fossem as facilidades da web, por exemplo, eu não teria a mínima chance de brincar de botar som por aí. Comprar vinil no mercado (ele existe?) capixaba de DJs é proibitivo, pois não há nenhum retorno de $$$ com isso.

Sobre os softwares de produção de áudio, estou só aguardando uma brecha de $$$ para que eu finalmente possa montar uma boa máquina para manipulá-los.

Muitos músicos ainda torcem o nariz para tamanha evolução tecnológica. Eu particularmente acredito que nada vem para substituir, mas sim para acrecentar.

Kalunga disse...

Este disco do Kraftewrk, acredite, eu fui procurá-lo ontem na Laser e o vendedor havia me informado que todos os exemplares foram recolhidos, pois estava sendo exposto sob consignação. Agora, só por encomenda em sites especializados. Mas estou doido atrás desta porra!

***

A propósito, eu dei uma olhada no teu blogg, muito maneiro, com muitas infomações e com lay out dez! Quando estiver com meu monitor consertado, vou participar mais dele, blz?

***

A "festa" de que lhe falei deve rolar mesmo ou no Bar do Simpsom (no Centro de Vitória) ou em algum lugar da Ufes. Vou deixá-lo informado!

valeu!

Anônimo disse...

Hey, eu tenho o Minimum-Maximum em mp3!
Vamos trocar? Vc tem NIN,etc e tal...
O q acha?

Kalunga disse...

Kate, deixe umas mídias comigo que eu gravo este monte de tralha que escrevo no meu blogg. Eu poderia disponibilizar por download, mas minha conexão é aquele fusquinha devagar-quase-parando...

este Kraftwerk eu faço questão de comprar, pois é uma das poucas bandas que eu ainda gasto $$$ com disco "real". Se bem que uma copiazinha pra matar minha sede não faria mal...

Anônimo disse...

trocar MP3???

QUE BAIXARIA!!!

SHARE YOURSELF!!!

Anônimo disse...

calma Kate...

brincadeira...

é só pra atiçar sua generosidade...

Pra falar nisso... o Klga me passou o 1o disco do Kraft em MP3... tá afins?

Kalunga disse...

este primeiro disco é beeeem experimental! é de 1970, eu acho...

doggma disse...

Aê Kalunga! Sharear é viver! :D

Olha só... tô estocando uns links de álbuns neste endereço:

http://espiritopublico.blogspot.com

Tens uns My Life With The Thrill Kill Kult, uns Fields Of The Nephilim, Gil Scott-Heron e outras belezinhas, mais puxadas pro alternativo - alternativo meeeesmo, não o jabaculê habitual das rádios.

Mas, por outro lado, tem um U2 lá também, rs...

Mentor disse...

Fala Vaca, Como vão as coisas aí em vix?
Aqui no Rio a "parada" está começaaaaaando a acontecer, mas acho que darei certo aqui...
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Turco, q porra é essa? o seu coment tá maior que o post do Kalunga... eheheheheheh... vc quer dominar esse blog???

Kalunga disse...

Turco é figura-chave nesta porra, hehehehehe..e o cara agora tá com uma MC 909 Roland, fudeu!

***

Porra Dogma, valeu pela dica, mas eu infelizmente nem tento baixar nada com conexão telefônica, hehehehehe... mas são ótimas bandas, inclusive gosto do U2!

***
Mentor, que bom que as coisas estão indo bem! Vc merece, porra!

Anônimo disse...

Bela foto!
Acho que é minha agulha, não!?
Abs e até quinta!
Battle of the Breakz
Zeela Vs. Buteri
Gazz - Curva da Jurema
23:00 - 03:00

Anônimo disse...

OI FABIO, DJ CRISTIANO.
ACHO SÓ UMA COISA , QUE A MUSICA ELETRONICA AINDA ESTA NO BERÇO AINDA LEVANTANDO VOU , PORQUE AINDA ESISTEN ENUMERAS OUTRAS OPINIÕES SOBRE A MUSICA ELETRÔNICAS,MAIS VOLTANDO AO ASSUNTO ACHO A QUE AS NOVAS TENDENCIAS DE MUSICAS ELETRÔNIS É O QUE VAI MANDAR DAQUI HÁ ALGUNS ANOS COMO VC MESMO DICE, ENTÃO É SÓ ESPERÁR PARA VER
JÁ EXISTEN MUITAS VARIAÇÕES DA MUSICA ELETRÔNICAENTÃO A TENDENCIA É SÓ VARIAR MAIS,
ESSA É A MINHA OPINIÃO.ASS:DJ CRISTIANO SOUZA
AI FABIO ESTOU ESPERANDO UM TELEFONEMA SEU PORQUE MEU TEFONE ESTA CORTADO.