
Comprei a Rolling Stone brasileira. Apesar de toda a desconfiança do mundo, de saber que aquela revista, retratada miticamente no filme “Quase Famosos”, atualmente (na verdade, desde os anos 80) se resvala no máximo que a cultura pop que habita e se alimenta do mainstream seja a força motriz de algo que já foi, quem diria, um baluarte do bom jornalismo musical/cultural. Pois é, apesar de tudo, eu ainda pertenço a uma geração que necessita de leitura que possa ser manuseada por meio de folhas e não somente por cliques no mouse. Porra, eu ainda gosto de levar uma revista para ler no sagrado momento da cagada matinal, por exemplo. É por esta necessidade, até mesmo fisiológica, que acabo comprando também revistas de heavy metal, mesmo não sendo muito afeito àquele universo. Eu preciso ler alguma revista!!! E a Rolling Stone tupiniquim até que me surpreendeu, tendo em vista a enorme e inofensiva placidez que reina em nossas bancas de jornal neste segmento específico.
Pra começo de conversa, a capa com “A Nossa Maior Pop Star”, Gisele Bündchen, não deixa dúvidas sobre qual universo a Rolling Stone nacional se situa: é pop, pop e pop! A matéria, propriamente dita, é um embuste sem conteúdo algum, mas também um tiro inicial certeiro para atrair compradores que englobem tanto uma senhora dona de casa e leitora de Caras, quanto um senhor quarentão nostálgico e ávido por boa leitura musical/cultural que ficou perdida em algum lugar dos anos 70 (e que deve viver sonhando em “dar um trato nessa Gisele aí”). Chamadas na capa com hypes tipo Franz Ferdinand e todas aquelas bandas novíssimas com “The” no nome, e pronto: chama-se a atenção também para a “geração web”, sedenta por downloads rápidos e informações rasas. Já entraram em campo com todos os goleadores no time titular, chutando para os dois gols ao mesmo tempo, querendo agradar a todas as torcidas e acreditando na classificação final por goleada. Some-se o altíssimo poderio que a matriz norte-americana possui para rechear as páginas com exclusivas de artistas hollywoodianos e tem-se uma revista em ponto de bala para reinar no seu segmento, certo?
A comparação com a versão atual da Revista Bizz é inevitável. Pois a nova Rolling Stone brazuca repete matérias e resenhas com artistas que são figura cativa nas páginas da publicação da Editora Abril. As seções fixas de ambas se parecem muito, inclusive. Mas a Stone nacional deixa a Bizz no chinelo por uma mera questão quantitativa. Ao oferecer quase o dobro de páginas e em tamanho maior, nossa filial brasileira disponibiliza, enfim, um conteúdo um pouco mais detalhado e que faz fixar o leitor na revista por um período que seja maior que o de uma hora – que é o tempo médio gasto para consumir a Bizz de cabo a rabo. A mesma Bizz insiste em tentar agradar à “geração download” disparando matérias superficiais com artistas de carreiras superficiais, construindo lindas peças de editoração gráfica (estariam eles querendo abocanhar algum prêmio nesta área?!?) e oferecendo muito pouco do que fora prometido em sua volta: “textos mais profundos e informações exclusivas”. Qual informação é exclusiva a uma publicação de papel se a web fornece tudo mais adiantadamente? E que textos estes que são tão profundos assim se a revista perde a maior parte de seu espaço total com matérias não maiores que uma página - quando muito? A Bizz só gasta um pouco mais o nosso tempo com matérias um tanto quanto aprofundadas ao abordar nomes/fatos do passado (residem ali, admito, algumas excelentes reportagens), enquanto que patina abobalhadamente quando tem de escrever sobre algo mais recente.
Nossa Rolling Stone, já sabem os bem informados, pretende ser algo aqui da mesma forma como ela já é - e não o que tenha sido - lá nos States: uma mídia extremamente mainstream, com algumas pitadas a mais neste segmento. Estas pitadas a mais vieram em forma de boas matérias como a sobre o Acre e a do PCC (da Redação nacional), e as que enfocam as personalidades de Jack Nicholson, Bob Dylan e Daniel Pichenback (uma espécie de “guru psicodélico” dos tempos atuais) – todas estas últimas produzidas pela matriz norte-americana. Apesar de haver uma preocupação em manter equilíbrio entre a quantidade de material gringo e nacional, os nossos representantes locais deixaram a desejar nas matérias sobre Brasília (muita opinião, mas pouca apuração de fatos propriamente dita) e demais micro-entrevistas (não acrescentaram nada além do que você já leu bem antes na internet). Fora que a linguagem utilizada parece querer se comunicar globalmente, transparecendo um certo ranço superficial tais quais são os textos, por exemplo, de Sérgio Martins (que, acreditem, já foi editor da Bizz!) sobre música na Veja. Uma coisa que eu não esperava de nossa Rolling Stone, mas que fora alardeado aos quatro ventos pela Bizz, acaba faltando em ambas: ousadia! Isto, até a extinta Zero (lembram-se dela? Foi há tantos anos...) tinha mais a oferecer quando realizou matérias interessantes, como as experiências in loco com ácido lisérgico no Centro de São Paulo, e entrevistando personalidades tão distintas como Serginho Chulapa, Bozo e Negreti (o ex-baixista da Legião Urbana, que deve ter tomado umas para entregar tantos podres, de uma vez só, sobre o maior culto do pop/ rock brasileiro de todos os tempos).
A Rolling Stone brazuca não ladra por aí que quer ser ousada. A Bizz late, late, mas não morde ninguém – a minha mais recente decepção ficou por conta das “Dez histórias que os fãs não gostariam de saber sobre Renato Russo”: prometeram “ousar” e mexer num vespeiro, mas apenas fizeram o básico para garantirem grandes vendagens em cima de um mito inabalável. Por essas e outras que acredito que a nossa Stone vá engolir por total a “concorrente” Bizz. É como um grandalhão forte e dono de uma empresa cheia de investimentos em dólar querendo tomar o lugar de um indie nerd e magricela, que depende da mesada dos pais (leia-se: Editora Abril) para se manter. Nas bancas de jornal, aqueles conteúdos de cultura pop que realmente fazem a diferença incoerentemente residem em publicações que não se anunciam como residentes deste universo, tais quais algumas ótimas reportagens em publicações como Trip, Playboy, TPM (a única revista feminina que não é machista nem panfletária!) e até mesmo Fluir. Todas estas revistas são voltadas para um público mais adulto, mais maduro como elas afirmam. A Bizz parece ser tocada por trintões que estão perdidos num espaço-tempo que varia entre resgatar o passado que não viveram e correr atrás do que os mais novos conseguem com muito mais rapidez por meio de um clique virtual. Já a nossa Rolling Stone, em seu primeiro número, faz tudo isso e mais um pouco – com muito mais páginas! Pelo preço de capa das duas (a Stone é 1 real mais barato), presumo que a Bizz esteja com seus dias contados e que seus colaboradores devam mesmo é estar sonhando com a estabilidade dos dólares de Tio Sam que pairam sobre a redação da Stone brasileira.
*Apesar de tudo o que escrevi, vou continuar comprando estas revistas. Elas ainda me são bastante úteis e conseguem me arrancar algum prazer. Mas tenho que sentar o ferro na boneca, pois satisfeito eu não me encontro!
*Ainda penso que os melhores textos e reportagens residem por aí no meio de comunicação mais democrático de todos os tempos: a internet. Mas ela ainda não é tão acessível (paga-se, ainda, um preço bem salgado por uma conexão decente), tem de se filtrar muita, mas muita coisa para se chegar a um resultado satisfatório, e simplesmente não dá para levar o computador para o banheiro na minha cagada matinal!