segunda-feira, junho 06, 2005

O Processo e as Contradições


Muita coisa gira nos sulcos deste vinil, além da música em si
Foto by Kalunga


Algumas questões bastante pertinentes foram postas em cheque nos comentários da primeira parte da série ‘Computadores Fazem Arte’, e resolvi abordar alguns tópicos interessantes a partir do que fora comentado e também do que vem martelando (bate-estaca?) na minha cabeça atualmente.

Funk You!

Odeio funk carioca! Considero-o mal produzido e de conteúdo lírico o mais banal possível. O hip-hop paulistano dá um banho de conteúdo nos cariocas em termos de ‘música de pretos, pobres e favelados’. A propósito, hoje em dia é proibido falar mal do funk carioca, pois os antropólogos-de-plantão dirão que você é racista e/ou burguês para criticar uma ‘manifestação genuína da pobreza nacional’”. Pois é... Eu pesquei estas frases não de algum texto da internet mas sim de um discurso pré-estabelecido de minha cabeça. O fato é que, mais do que nunca, o tema “Funk Carioca” vem sendo debatido, martelado e esfregado em nossa cara. Sou absurdamente crítico com esta súbita valorização deste gênero/cultura/manifestação social, justamente quando uma elite burguesa-pensante resolve olhar para um buraco onde quem não vive nele prefere que este nunca tenha existido. E este buraco realmente é bem profundo.

A minha antipatia, sempre existente no plano superficial (sim, pois nunca havia me aprofundado nesta discussão como agora), está sendo posta em cheque, porra! Tenho lido bastante sobre a suposta revolução promovida pelo pancadão. Enxergo em 99,9 % do que li um oportunismo barato, pseudo-engajado e de consistência tão profunda quanto o modo como o interesse pelo tema fora despertado: através da massificação. Mas se salvam sim um 0,01% que me tocou numa entranha que sempre procuro expor, que é o confronto gerado pela quebra de (pré)conceitos. Tal ínfima porcentagem de textos citada aborda o motivo real da repulsa provocada por esta invasão e cita como exemplo o surgimento do rock and roll e da música eletrônica face aos formatos mais conservadores das culturas estabelecidas. O funk carioca realmente vem provocando uma revolução neste sentido.

O pancadão dos morros cariocas é uma bomba suja, perigosa, escatológica, precária e de efeito (i)moral indesejavelmente sem volta. Tá tudo dominado! Cérebros tupiniquins privilegiados com o acesso ou à iniciativa de procura por culturas globalizadas (como o meu!) relutam em aceitar que o funk carioca também faz paralelo com os conceitos minimalistas perpetuados por gente de respeito como Stockhausen, Brian Eno, Jon Cage e Kraftwerk. O diferencial é que o pancadão parte de um universo que o Brasil prefere ignorar. É feio, sujo e malvado, e por isso mesmo também é minimalista ao extremo, ingênuo em sua forma musical e desafiador a tudo o que vemos/ouvimos hoje. Além da música em si, o confronto social e seus resultados práticos estão sendo exportados para fora. Dói no coração dos puristas que preferiam que apenas a MPB e a bossa-nova/drum’n’bass servissem de vitrine para a gringaiada – é um cutucão fortíssimo em nossa ferida mais profunda, é a maquiagem nacional sendo desmanchada em grande escala! Tive que encarar minhas contradições para poder dar o devido respeito a este tipo de manifestação. Ainda não gosto da música, mas o seu caráter de ruptura e de confronto ganharam, tardiamente, a minha admiração incondicional.

O Minimalismo da Culpa

Eu parei para encarar de frente o funk carioca ao dar conta de que meu exercício de compreensão de algo novo estava direcionado a um gênero musical da gringa. Tenho martelado minha mente com o tal do minimal techno, estilo (inicialmente) quase que incompreensível para as pistas de dança – o que dirá para as mentes viciadas em formatos tradicionais da música popular? Para bombar um dancefloor há elementos fáceis e apelativos (BPMs rápidos, melodias óbvias, estruturas já conhecidas e banalizadas), mas o tal do minimal techno é difícil justamente por ser bem mais lento e básico que o próprio techno em si. Como ouvir este troço??? Simples: abrindo sua cabeça e seu coração!

Sinceramente, eu não consigo imaginar um gênero da dance music mais inacessível do que o minimal techno (PS: há o tal do hardcore/gabba, ultra rápido e pesado, mas aí já é música para seres espasmódicos) à primeira vista, pois a técnica do microssampling (colagens de ritmos e fragmentos de melodias em milissegundos, só possíveis de serem realizadas com a tecnologia digital atual) reduziu o que já era diminuto e pegou o ouvinte pelas freqüências desconhecidas de seu cérebro. Aí vem a questão básica: é música??? É sim! Mas carece de uma forma de percepção diferenciada. Não espere sair cantando junto um hit de minimal techno, por favor. É preciso apreciar de outra forma. Para gostar de minimal techno, você tem que passar por diversos estágios iniciais que não possuem qualquer vínculo com o formato pop/rock, por exemplo. Tal processo pode ser doloroso (‘terei que deixar de ouvir meus clássicos do Led Zeppelin???’, perguntariam os incautos), mas todo confronto é assim mesmo. A culpa pode vir junto, mas o discernimento será o seu melhor amigo nestas horas, pois nada precisa ser necessariamente deixado para trás para assimilar novidades tão drásticas.

9 comentários:

Kalunga disse...

Guarapa??? Olha, se foram as do último Motorhead na casa de Mariquito, é mais fácil Lacaio mandar (estão com ele também), pois são muitas e am inha conexão-fusquinha não dá conta de tanto peso!

Anônimo disse...

FUNK YOU! Poizé, o pancadão é praticamente o fruto da inclusão digital nas favelas... Afinal de contas, para quem anda de Transcol e trabalha ou mora na perifieria, enxerga que a "Zona Sul" é só um pedacinho da cidade, que se torna um universo quando multiplicado pelos tubos de raios catódicos dos nosso queridos e indispesáveis aparelhos de televisão...

Enxerga que o FUNK na verdade é uma maré... Maré mesmo, cheiro ruim. Segundo fontes bastante instruídas sobre o assunto, o FUNK seria o apelido do sub-produto mais underground da dance music: o CÊCÊ.

Poizé... O cêcê é o único elo entre o FUNK e o FUNK, estilos separados por cerca de 20 anos, um nos EUA e outro no Brasil. E não é um fenômeno carioca não... Quando fui tocar em uma tenda eletrônica em Venda Nova, organizada pela elite da produção de festas trance do ES, a dupla Pablo e Brás, donos da marca Ipnotyca, assisti a uma das cenas mais surreais da minha vida: descendentes de alemães e italianos, um grupo social praticamente ariano, radicados no interior de um pequeno estado de um país continental do 3o mundo, pedindo em alto e bom som, para que, ao invés de trance, que eu tocasse o primo pobre, com a pergunta: "Rola de tocar um pancadão?". Socorro!!! Aventuras de um DJ no interior...

Até eu gosto de pancadão. Mas na verdade, gostaria mesmo é de um estilo de pancadão mais instrumental... Seria o pacandão progressivo? ;) Essa é boa... progressive funk... Eu gosto tanto que uma vez inventei de produzir uma trilha para um pessoal que tinha composto uma letra para o FUNK DO AFEGANISTÃO. A letra não foi em frente, mas a trilha instrumental foi composta, mixada e masterizada. Foi uma experiência interessante e serviu para me mostrar que, mesmo sendo rotulda como "lixo", é difícil produzir uma coisa tão pouco elaborada...

É aquele velho paradigma do LOOP IDEAL: uma coisa que simplesmente se repete, igualzinho, e mesmo assim fica IRADO!?!?!? O instrumental do FUNK é meio assim, assim como JB. Mas o nosso é bem mais tosco: melodias a la DTMF (aqueles barulhos que o teclado do telefone faz), e subgrave batendo forte, fruto do sincretismo musical do Miami Bass com Samba nas favelas do Brasil. O resto... foda-se... É pura festa, com muita sacanagem. E se o vocal não estiver gritado e distorcido, não é de verdade, NÃO BOMBA!

E quem quiser conferir na prática, dá uma passadinha no Horto de Maruípe aos sábados às 23:00 para ver o corredor no meio da praça, a galera curtindo o funk... É aí que a gente vê o que é que é música underground: Dá medo de encarar o rock, LITERALMENTE!!! Vai lá mané!!!

Kalunga disse...

Porra Turco, FODASSO teu comentário e absolutamente complementar ao que postei. A visão de quem vem da música eletrônica ainda insiste em enxergar no funk o gênero de baixo calão (e é!) e diminuí-lo por isso. Eu também gostaria que o puncadão fosse melhor elaborado instrumentalmente (eu adoro a batida!) ao mesmo tempo em que voclistas mais afinados cantassem também. Mas isso é uma visão elitista, pois como vc vai exigir apuro técnico de quem vem, sim, da favela????

Continuo não gostando do funk como um todo, pois a música (ou a falta dela) ainda me incomoda. Mas, quando eu cito minimal techno como música sim, tenho que admitir que o funk/pancadão também é música, com o diferencial de não ter sido produzido por europeus enxarcados de equipamentos de última geração em busca do minimalismo conceitual. O minimalismo do funk carioca é residual, é um resultado prático do que o brasileiro médio gostaria de ver enterrado num lixão. É autêntico e, pasmem!, está correndo o mundo como "representante da cultura brasileira". E é mesmo!

Mentor disse...

sai de cima do muro Kalunga!!!

Kalunga disse...

É muito fácil sair detonando algo que vc não conhece, dizer que não gosta por puro preconceito. Eu quero ver alguém aí ter culhões para dar para trás e admitir seu próprio preconceito e entrar fundo no assunto outrora criticado sem fundamento. Eu expliquei tudo aí no post e nos comentários, aliás como foi nos outros posts também... Simplesmente não posso responder sobre "sair de cima do muro" se eu expliquei detalhadamente a minha visão do assunto - da qual eu não concordo com esta sua colocação. Mentor, me desculpe, mas se seu comentário foi provocação ou não, o fato é que ele caiu no vazio. Poste algo decente, pois provocações por si só eu simplesmente não darei mais a mínima.

Kalunga disse...

Mentor, quero porrada embasada, porra!!!! Ou então poste algum comentário detalhado, porra!!! Eu quero seus comentários, porra!!!! Cadê?, porra!!!!!!

Mentor disse...

kalunga, vc ataca e defende o funk sem nos dar referências de critérios (vc o ataca usando um critério pessoal e extremamente opinativo e o defende usando uma mistura de crítico social com pesquisador genealógico musical).

Ou seja, ataca a partir de seus preconceitos,conceitos e experiências(que é muito legal, acredito que todas as considerações e julgamentos devam ter esse mesmo princípio), mas defende utilizado como fundamentação argumentativa a questão da origem do estilo musical encontrado no ritmo denominado "funk carioca". Aí, nesse momento, vc mistura sociologia com a história do "minimalismo" (logicamente, traçando um paralelo entre ele e o funK) e retorna para suas experiências musicais (e isso ficou, deveras,muito confuso em seu texto).

Retorno a repetir,experiência é fundamental, mas temos que ter outros critérios e eles são muito necessários!

Kalunga, vc não pode colocar a questão do preconceito como critério,utilizando-se de um discurso meramente opinativo, pois esse é recheado de preconceitos.

Cara,ficaria muito mais claro para todos se vc definisse o seu conceito de "minimalismo,ou especificamente de música minimalista", para que pudéssemos fazer essa relação com a questão revolucionário do "pancadão" do Rio de Janeiro( que também tem lá seus minimalismos, principalmente nos discursos poéticos,minimamente explorado.

Kalunga, onde está a ruptura e confronto causado por esse gênero, suas manifestações e agentes?

O que há, é um bando de intelectual oportunista defendendo o que eles não acreditam,não gostam e nem admiram. Sabem apenas que é uma manifestação genuinamente brasileira (apesar das importações de referências, aliás, o Brasil nasceu assim) que é viva e tem que ter espaço (PORQUE É POLITICAMENTE CORRETO). Porém, meu caro, há coisas tão vivas quanto que não têm espaço. Então o critério não pode ser o de dar espaço por dar espaço - Ah, mas por eles também são Brasil - .

Existem vários brasis, ele é do tamanho do mundo e não TEM MURO QUE O SEPARE não.

E outra coisa, assimilar o novo é muitas das vezes discordar dele e isso não é preconceito não.

Kalunga disse...

Mentor, vou fuçar as minhas fontes aqui e detalharei mais sobre o que estou defendendo. Trata-se de um assunto em constante mutação, seja por parte de seu universo e do meu. Vai vir post sobre isso, pois vou mostrar os resultados práticos deste estudo!

Mentor disse...

A distribuição da opinião depende dos instrumentos de percepção e expressão disponíveis e do acesso que diferentes grupos têm a eles!!!

Vivamos as diferenças!!!!