
Foto by: Kalunga
Existem sons de pista de dança que são atemporais, cujas batidas e melodias nunca ficam velhas. Pois é, tal proeza é raríssima, principalmente pelo fato de que a dance music propriamente dita (techno, house, trance, etc.) depende tanto de recursos tecnológicos que o prazo de validade de suas produções expira rapidamente – o recurso da “atualidade” é de uma constante meio doentia. Por exemplo: você, que tenha um mínimo de interação com a “cena eletrônica”, consegue imaginar algo mais datado hoje do que aquelas misturas de drum’n’bass com bossa nova/mpb estilo Kaleidoscópio? Ao mesmo tempo, o que era considerado o supra-sumo do ultrapassado, a acid house, de uns dois anos para cá, vem experimentando um hype fervoroso, com direito às velhas linhas ácidas da TB-303 (sintetizador de baixo pré-histórico da Roland - ouça o álbum “20 to 20”, do mega DJ Josh Wink). O que dirá, então, do electro, que atualmente infesta todas as sub-divisões da música eletrônica com seus timbres deliciosamente retrô?
No final das contas, o que fica para trás neste segmento acaba por interessar somente àqueles que se preocupam em fazer dançar e não àqueles que apenas dançam numa pista. Justamente são os DJs que lançam as tendências, promovem revisões do passado e modernizam-no. É um processo contínuo, que a cada dois anos, em média, determina que um ou dois gêneros musicais sejam os mais “modernos e atuais”. O que será das pistas de dança em 2008, por exemplo? Disco music a lá anos 70 infestando house, tecnho e adjacências? Ou teríamos misturas improváveis de minimal techno com trance dominando as tendências daqui a três anos? Sei lá! Vou apenas escrever sobre algo que está sendo e sugerir algo que poderia ser.
Psicodelia eterna

Ouvindo hoje o álbum duplo “Violent Relaxation” (de 1999) e comparando-o com o padrão vigente na produção de psy trance dos últimos três anos, fica evidente que o Total Eclipse se tornou impróprio para rivalizar com os nomes mais atuais do gênero - o principal motivo é a (falta de) pressão nas bass lines se comparada com o padrão atual. Mas o som deste trio francês vai muito além dos limites restritos de um gênero específico. Os tradicionais climas estilo invasão alienígena do goa trance se fundem com sacadas melódicas referenciais que vão de samples de gritos e sirenes do big beat de Chemical Brothers e Prodigy, a batidas minimalistas vindas direto do Kraftwerk. A pegada dos caras muitas vezes era puramente roqueira, com direito a viradas de bateria e solos de synth dignos de uma guitarra elétrica (vide a faixa “Can’t do That”). As músicas puramente dançantes não se prendiam a BPMs rígidos – variavam de 130 a 148 batidas por minuto, pois cada faixa possuía vida própria. Nas faixas destinadas ao chill out, a criatividade destes caras aflorava ainda mais, com os tradicionais cânticos orientais e cascatas de notas melódicas podendo se transformar num breakbeat poderoso ou dar lugar a um violento solo de guitarra de verdade. O som do Total Eclipse é discoteca básica em música eletrônica!
*O psy trance, na minha opinião, está totalmente estagnado musicalmente, e entregue a um público que perpetua uma mentalidade (ou seria a falta dela?) cabeça-de-bagre de só depender de melodias óbvias e com a garantia certa de bombar a pista. Não há mais inovação nem renovação que me façam perder o tempo com este universo. Eu apostaria na fusão do peso atual com as melodias do antigo goa trance. Alguém aí se dispõe?
**O Total Eclipse acabou. Alguns projetos surgiram, como o Antidote e outros. O nível de qualidade diluiu-se quando cada um dos três foi para o seu canto, mas ainda vale à pena procurar as produções que envolvam os nomes de Stephen Howleck, Serge Souque e Loic Van Pocke.
Na quebrada

Plump DJs, Drumattic Twins, Lee Coombs, Soul of Man e Meat Kattie estão na linha de frente do breakbeat, e o selo Finger Lickin é a principal matriz destes abalos sísmicos sonoros. O gênero atualmente encontra-se numa maturidade impressionante, mesmo sendo considerado o estilo que mais engloba referências diversas. Batidões electro-funk podem ser acompanhados por synths psicodélicos e vozeirões de soul music numa mesma faixa, por exemplo. Às vezes parece que James Brown e Funkadelic foram robotizados (Soul of Man); noutras o Prodigy surge ainda mais bombástico que antes (Plump DJs - definitivamente o maior nome da cena – no single “Get Kinky”); em certos momentos uma avalanche de percussão africana se sobrepõe a pesados beats digitais (Lee Coombs); a house music é estuprada com bass lines cavalares e quebradas de ritmo perfeitas (Meat Kattie); e os anos 80 são postos no caldeirão dos breaks atuais (Drumattic Twins). E esta galera toda acaba se cruzando (ops!), se remixando e produzindo juntos a torto e a rodo. Os breaks voltaram para ficar!
*Logicamente o breakbeat não se restringe a estes artistas/selo. Há muitos outros afluentes por aí, produzindo boa música para as pistas. Tal gênero musical, em termos de downloads na internet, ainda é bastante restrito a singles em vinil, portanto, meio chatinho de achar.
**Segundo o Marcel, que recentemente fez uma gig pela Europa com sua banda Zémaria, o breakbeat já se encontra num estágio em que o hype no clubes underground já o vem descartando entre os mais antenados, dando vazão a fusões de breaks, electro e house como os italianos do Pressalaboys. Olha aí a música eletrônica e sua fome doentia de se atualizar constantemente – para o nosso bem!