
Pista vazia só é bom no começo...
Fotos by: Kalunga
Era por volta de 1:30h da manhã (ou, pelo menos, eu deduzia), e o bicho estava pegando lá dentro. O negócio estava tão nervoso que eu resolvi dar uma voltinha lá fora, tipo para respirar um ar que não cheirasse a nicotina (e outras fumaças suspeitas) e vodka com coca-cola – já devia estar na décima dose daquela mistura. Sabe como é, “o olho do dono engorda o gado”, e fui dar uma conferida bilheteria (meio teatral era este ato, pois não tinha condições de somar algo mais complexo que dois+dois naquelas horas), ver o movimento e tal. Eis que eu vejo um monte de viaturas da Polícia Civil, com policiais de touca ninja e de metrancas exibidas nas janelas, passando em frente a mil. Como existia uma unidade policial ali ao lado, pensei que estivessem indo para lá. Ledo engano. Eles deram meia-volta, pararam à minha frente, mostraram um mandado de sei-lá-o-quê e entraram no recinto. Fodeu! Naquela baderna sem lei que estava lá dentro, com até o dono da bagaça aprontando ilegalidades das suas, iria todo mundo preso. Mas que nada! Foram do início ao final da casa, olharam alvarás e documentos em geral, cumprimentaram-nos educadamente e foram embora sem nada. Olha, ali eu reforcei minha crença de que certas situações são inabaláveis, de que uma conjunção de fatores positivos resiste a tudo. Depois foi só aumentar o som e gritar: “vamos quebrar tudo, porra!!!”.
Este episódio não vem a ilustrar algo como “o melhor bar de todos os tempos”, ou “essa época era foda”. Não é bem isso – se bem que é um pouco disso também. Aliás, se refere àqueles que, com eu, gostam dar a cara a tapa para tentar fazer e/ou usufruir de algo diferente de nosso restritíssimo usual. O extinto Pub 455 foi, pelo menos para a minha geração, o espaço mais perfeito para quem quisesse produzir algo movido a boa música, dançar boa música, embalar uma quebradeira com boa música e num local privilegiado como é nossa cidade de Vitória. Ter um pico para tomar umas e curtir um som com vista para o mar é para poucos lugares neste mundo. Reside – admito - uma boa dose de nostalgia nestas palavras pelo simples fato de um lugar assim fazer muita falta. Nem de longe era perfeito, pois tinha vários problemas estruturais como caixas lentos, filas e mais filas, banheiros que ía se deteriorando no decorrer da balada, enfim, quem quisesse falar fal, tinha munição também. Mas, na boa, aponte um local que reuniu tantos projetos envolvendo estilos musicais tão díspares quanto alternativos como este lugar aqui no Estado e eu te chamo de mentiroso. Tinha noite de house, breakbeat/drum’n’bass, techno, trance, dub, world beat, hip-hop, mpb, rock, blues, jazz, gótico, tudo o que você não vê/ouve que não seja pela tv ou pela internet. E ganhei uma boa grana nas festas que fiz por lá, reforçando a sua viabilidade como o local certo na hora certa.
Localizado em um ponto nobre do bairro Barro Vermelho, região de Praia do Canto, Vitória, o Pub 455 pagou o preço por estar justamente entre os nobres - choviam reclamações dos vizinhos sobre barulho, bagunça, drogas, enfim, tudo aquilo que seus filhos aprontam, mas que não era bem o local que eles freqüentavam. Pobres alternativos, que não fazem mal a uma mosca e carregam a má fama por não freqüentarem boates da moda. Moda? Se bem que muita gente que ía para alguma destas boates bombadas (inclusive os filhos da vizinhança nobre!) acabava ficando por lá, atraídos pela enorme fila do lado de fora, e foda-se o som que estivesse rolando. Fenômeno estranho este que rola por aqui, de misturar patrícias, maurícios, indies, clubbers, góticos e pitboys num só lugar, todos muito diferentes entre si, mas incapazes de resistir a um recinto lotado até o cú rasgar. Este mesmo fenômeno é o que fazia o Pub 455 bombar e cair vertiginosamente numa constância absurda. A mistura é saudável até certo ponto, pois é muito bacana atrair para sua festa gente de todo o tipo – mais cabeças diferentes para plantar informação, saca?. Mas as motivações duram até o dia em que seu evento não encher tanto assim, de perder o interesse até mesmo de seu próprio público (tipo indie de festa de rock alternativo, tranceiro de festa trance, e por aí vai) por conta de alguma micareta que, mesmo que você não fosse, não se arriscaria ir ao Pub com aquela clássica e patenteada pergunta capixaba-provinciana: “Será que vai dar gente?”. Foi assim que propostas inovadoras caíram no esquecimento, fazendo com que o Pub 455 amargasse quase um ano de ostracismo, de descrença geral, até surgir um súbito renascimento nos seus últimos seis meses de vida. Atolados de dívidas diversas (contas, encargos trabalhistas, multas), os donos do local fecharam tudo e picaram a mula daqui. Terminou, pelo menos, no seu auge.
Agora não adianta chorar pitangas! Cansei de ver gente que detonava o lugar e agora está se lamentando por seu fim. Capixaba é feliz e não sabe. Recebe o doce na sua boca, come tudo e ainda tenta arrancar sua mão. Passei outro dia lá em frente e o local está totalmente destruído. Manja aquele final do filme “Poltergeist”, quando a casa da família que é assombrada pelos espíritos acaba simplesmente sugada para debaixo da terra? Pois é, parece ter recebido o mesmo fim, levando consigo toda a carga provinciana recebida em pouco mais de um ano de vida para sete palmos abaixo. Esqueçam de fazer qualquer coisa por lá, pois sua época já foi, e só com muita grana na mão para poder reeguer aquela estrutura. Mas algumas lições sempre permanecem.
O Pub 455 registrou uma troca de guarda de gerações, e foi um local onde se reunia gente entre beirando e após os trinta, e também recém chegados à idade adulta. Tinha que ter um tanto de disposição para encarar o desconhecido, de apostar em novas propostas, um ímpeto que se dilui quando se dão muitos tiros n’água – e foram muitos, ainda que inadivetidamente, naquele lugar. A tal troca de guarda se deu entre a primeira fase do Pub, de seu início em 2002 e metade de 2003 - quando um povo viciado no esquema “pô, tem que pagar para entrar” (lembra daquela galera que lotava o lado de fora do Sala 11 e não entrava? Era esta gente...) afundou o local pela primeira vez – e o segundo semestre de seu último ano, quando uma nova geração, munida de downloads e fotologs (anda não havia Orkut) combinava de se encontrar no local onde rolava seus sons preferidos. Este mesmo público lota todas as festas da Antimofo, que o satisfaz no ritmo conta-gotas, com eventos esporádicos para não cansar a galera. Pois é, o povo daqui cansa quando tem o que gosta. O Pub 455 cansou nossa beleza! Que venham outros iguais! Eu vou estar lá, me cansando para cansar a beleza dos outros, pode crer!
+ Fotos:

Esta foto minha junto com o Fuka resume a cachaçada que rolava naquela cabine de DJ. Matamos uma garrafa de wisky ali mesmo e mais um monte de doses de vodka

Vista da área externa

Ah, a fluorescência...

Botar som pra pista lotada assim é bom...

Taylor, um dia, já foi O DJ de Rock daqui. Sai da toca, meu filho!
Ainda criança e até pré-adolescente, fui desviado dos Caminhos do Mal do Heavy Metal (cujo primeiro disco de minha vida foi o “Creatures of The Night”, do Kiss, em 1983) por um álbum do Kraftwerk (“Electric Cafe”), e assim acabei adentrando no mundo maravilhoso do techno-pop dos anos 80 – e já contei esta história ano passado por aqui. Fora os escassos discos de vinil que tinha acesso, minha fonte de informação nesta área se ampliou com uma fitinha K-7 que continha, entre outras maravilhas, duas músicas fantásticas do Ultravox. Veio a internet e fui saber que o seu ex-vocalista, John Foxx, tinha uma respeitável carreira solo, e que havia lançado em 2003 um excelente álbum, totalmente inserido no electro atual. “Crash & Burn”, realizado com seu parceiro de longa data Louis Gordon, vai além desta definição simplória, pois se configura num excepcional representante da música eletrônica como um todo, agregando valores como o já citado electro, além de synthpop, EBM/industrial, melodias marcantes, minimalismo eletrônico, vocais estilosos, letras inteligentes e a vasta experiência de um cara que sabe bem cada passo que dá. Faixas como “Drive”, “Broken Furniture” e “Ray 1/2” são exemplos perfeitos de synthpop clássico e atual ao mesmo tempo, enquanto que “Sidewalking”, “Sex Video” e a faixa-título beiram a EBM/industrial e com ecos de trance. Supreendentemente, “Cinema” e “Once a While” soam como um um remix minimal techno em ritmo jazzy, ao passo de que a onipresente influência de Kraftwerk ressoa em “Ultraviolet/Infrared” e “She Robot” de forma incisiva. Tudo é muito dançante, com inúmeros detalhes ecoando das caixas de som, sempre com as melodias e arranjos em constante evolução ao longo dos minutos que correm no CD-Player – ou MP3 player, se preferir.
De uma única faixa que constava numa coletânea em vinil de EBM/industrial lançada em 1989 pela extinta gravadora Stiletto (acho que se chamava “Generate” e que me foi roubada), não tive mais nenhuma referência sobre The Legendary Pink Dots, ao contrário de Cassandra Complex, The Neon Judgement e The Young Gods, também presentes na tal compilação e que tive a sorte de saber mais sobre eles logo depois, para justamente correr atrás de vossos materiais. No meio de tantos downloads realizados nos últimos cinco anos, lembrei-me deste grupo e corri atrás. Trata-se de uma dupla de Londres, composta por K-Spel e Phil Knight que, tão logo se mudaram para Amsterdã, parecem ter se aproveitado bonito da política liberal quanto ao uso de drogas naquela cidade. O fato é que “Cursed Velvet Apocalypse”, lançado em 1990 (ainda à epoca da tal coletânea), transparece um tipo de psicodelia cujo conteúdo eu nem sabia que existia. Tentando achar uma definição: parece um cruzamento de Jethro Tull com as faixas mais doentes do Skinny Puppy. Mas não é só isso! Os vocais de K-Spell (que nominho, hein?) parecem ter saído de algum esquete do Monty Phyton, e instrumentos acústicos como violas, cellos, harpas e percussões se fundem com manipulações eletrônicas vindas direto dos circuitos digitais da EBM e do som industrial. É um troço esquisito, mas está longe de ser inaudível. Sobressaem-se melodias medievais (é sério!) que até dão para cantar junto, aliadas a ambiências sonoras que pululam de um canal a outro no fone de ouvido. A faixa chamada “The Death of Jack The Ripper”, por exemplo, soa como se fosse o fundo musical do que seria um filme de Rei Arthur rodado no cenário de Matrix! Já “C.V.A.” não faria feio num filme de Tim Burton, tipo “A Noiva Cadáver”. Dentre as demais misturas malucas, temos música indiana mixada com trilha para funerais (“Green Gang”), folk tribal (?) com base EBM (“Hellsville”), Dead Can Dance e Renaissence se encontrando com o Robocop (“New Tomorrow”) e uma balada gótica legítima (“Princess Coldheart”). Como o papo de “rock progressivo/psicodélico” pintou em alguns comentários de posts anteriores, posso dizer que estou adentrando neste estranho universo de trás para frente. Uma hora eu chego no Vale das Maçãs...
