Falar de “som de chill out” é prestar os devidos créditos à dupla britânica The Orb. Projeto formado inicialmente pelo DJ Alex Patterson, em meados de 1988 (o outro membro, Thrash, seria integrado posteriormente), o Orb foi criado com o intuito de ser o som que os ravers ouviriam após a balada, ou durante ela – para relaxar os neurônios até a próxima investida na pista de dança. Só que a mente criativa de Patterson não comungava apenas com os blips eletrônicos em ascensão na época, mas também com o dub jamaicano, a psicodelia caótica do Pink Floyd e as notas e camadas de teclados de Jean Michel Jarre. O The Orb pode sim ter sido o ponto de partida do trance e demais gêneros eletrônicos “viajandões”, mas a trip aqui é personalíssima. O disco “Orblivion”, de 1997, é o indicado nesta resenha por mostrar a dupla em plena maturidade, mas todos os outros álbuns são extremamente referenciais. O dub interplanetário de “Delta Mk II”, com seu baixo sub-(e bota sub!)grave ao extremo, a batida completamente filtrada e modificada, e seus climas literalmente de outro planeta, é uma perfeita introdução à “viagem orbital” deste dois malucos. No decorrer do disco, o que predomina são sonoridades de timbres esquisitos e nunca se resvalando na obviedade. Os climas são etéreos, mas forçam a sua imaginação para terrenos desconhecidos – algo como um paisagismo sonoro em outra dimensão. Papo de louco, né? Mas o Orb não caminha nos caminhos tortuosos e pretensiosos da tal da IDM (Intelligent Dance Music), com sons difíceis e por muitas vezes inaudíveis. Os beats são perfeitamente costurados entre si, ausente de intervalos entre as faixas e sem tropeços nos climas. O disco ainda possui três breakbeats poderosos. “Toxygene”, particularmente, não faria feio em meio aos grooves cavalares de um Chemical Brothers. E “Bedouim” e “Secrets” fazem dançar à maneira “The Orb”, ou seja, provocando confusão das reações de mente/corpo em relação ao espaço-tempo. Isto sim que é papo de louco...
Filhote legitimo do Orb, a (também) dupla (Garry Cobain e Brian Dougans), que atende pelo nome de Future Sound Of London, produz discos que remetem a trilhas sonoras de filmes tão díspares quanto “Blade Runner” e “O Império do Sol”. Eles começaram dançantes (vide o semi-hit “Papua New Guiné”), mas foram gradualmente enveredando para misturas bem peculiares de techno e ambient music clássica (Brian Eno e Vangelis). “Dead Cities”, de 1996, é um álbum que define bem o som destes (também...) britânicos. A alternância de climas e batidas pode soar incômoda, variando de electro futurista a trilha para cortar os pulsos, sempre com pianos semi-bregas permeando pelos canais de som. Irônico e sombrio.
Alain Wilder possui credenciais de respeito: foi ele quem substituiu o tecladista Vincent Clarke (que formaria o Yazoo e o Erasure) no Depeche Mode no início dos anos 80, sendo que sua presença na banda coincidentemente marcou a passagem do tecnopop alegrinho de outrora (vide “I Just Can Get Enough”) para um som mais denso, dark e de alto nível de produção. Alain saiu do DM após o lançamento de “Ultra” (1996) e foi dedicar-se integralmente ao seu projeto solo intitulado “Recoil”. O primeiro disco, “Bloodline” (1992), é muito bom, mas ainda se calcava muito no som de sua banda (ainda) titular. Já em “Unsound Methods” (1997), com toda a liberdade para raciocinar sem amarras, Wilder pôde dar vazão à sua criatividade produzindo um hipotético encontro entre Depeche Mode, Portshead e Nine Inch Nails. O cuidado extremo com arranjos de cordas, guitarras e pianos remete diretamente à sua ex-banda. Sonoridades sintetizadas mais pesadas estão espalhadas por todo o disco. E o uso de vocalistas femininas dá um toque de sensualidade único nesta mistura. Douglas McArthy, ex-Nitzer Ebb, canta em duas faixas (“Incubus” e “Stalker”), justamente as mais góticas e rockers do álbum. Mas o tom do disco é ditado mesmo pelas vocalistas convidadas. Em “Drifting” e “Last Breath”, Siobhan Lynch faz vocalizações delicadas e sensuais, com os climas e batidas se encaixando perfeitamente no universo trip-hop. Soul music e David Lynch (cineasta com gosto pelo bizarro e o sombrio, vide “Lost Highway” e “Twin Peaks) se encontram nas assustadoramente belas “Red River Chicago” e “Last Breath”, com vocais genuinamente negros a cargo de Hildia Campbell. E os momentos mais psicóticos ficam por conta das interpretações tensas de Maggie Step em “Luscious Apparatus” e “Control Freak”, ambas com citações a sadomasoquismo e assassinatos. “Shunt” encerra o disco de forma sombria, como uma espécie de EBM/industrial que se transforma num techno/trance sinistro da metade para o final. Belo, soturno e surpreendente este Recoil.Extras:
- The Orb é lisérgico e alienígena. Mas não ouça dirigindo chapado, pois você é capaz de bater com o carro e nem perceber. Eu já cometi este erro...
- Future Sound of London seria perfeito para animar uma vernissage que estivesse monótona. Principalmente se sangue e órgãos vitais fizerem parte desta hipotética exposição...
- Recoil é o único dos três que possui vocais, e por isso transborda sensualidade. É gélido, demoníaco, sarcástico, perigoso...




