terça-feira, fevereiro 22, 2005

Territórios Desconhecidos

“Música eletrônica para relaxar”. A princípio, este texto pode ser interpretado como uma coleção de resenhas sobre sons relaxantes, viajantes ou qualquer outro clichê do tipo. De fato, os três discos dos quais falarei abaixo reúnem tais elementos, mas nunca de forma óbvia. Em se tratando de música eletrônica, todo o cuidado é pouco neste segmento mais light. Até porque, de light algumas músicas contidas naquelas bolachinhas não têm é nada. Experimente colocar estes sons para terceiros e se divirta com as reações de mentes chapadas à espera de manjados cânticos/mantras orientais e cítaras madraque de preset de sampler virtual. A viagem aqui é mais profunda, esquisita, incômoda...

Falar de “som de chill out” é prestar os devidos créditos à dupla britânica The Orb. Projeto formado inicialmente pelo DJ Alex Patterson, em meados de 1988 (o outro membro, Thrash, seria integrado posteriormente), o Orb foi criado com o intuito de ser o som que os ravers ouviriam após a balada, ou durante ela – para relaxar os neurônios até a próxima investida na pista de dança. Só que a mente criativa de Patterson não comungava apenas com os blips eletrônicos em ascensão na época, mas também com o dub jamaicano, a psicodelia caótica do Pink Floyd e as notas e camadas de teclados de Jean Michel Jarre. O The Orb pode sim ter sido o ponto de partida do trance e demais gêneros eletrônicos “viajandões”, mas a trip aqui é personalíssima. O disco “Orblivion”, de 1997, é o indicado nesta resenha por mostrar a dupla em plena maturidade, mas todos os outros álbuns são extremamente referenciais. O dub interplanetário de “Delta Mk II”, com seu baixo sub-(e bota sub!)grave ao extremo, a batida completamente filtrada e modificada, e seus climas literalmente de outro planeta, é uma perfeita introdução à “viagem orbital” deste dois malucos. No decorrer do disco, o que predomina são sonoridades de timbres esquisitos e nunca se resvalando na obviedade. Os climas são etéreos, mas forçam a sua imaginação para terrenos desconhecidos – algo como um paisagismo sonoro em outra dimensão. Papo de louco, né? Mas o Orb não caminha nos caminhos tortuosos e pretensiosos da tal da IDM (Intelligent Dance Music), com sons difíceis e por muitas vezes inaudíveis. Os beats são perfeitamente costurados entre si, ausente de intervalos entre as faixas e sem tropeços nos climas. O disco ainda possui três breakbeats poderosos. “Toxygene”, particularmente, não faria feio em meio aos grooves cavalares de um Chemical Brothers. E “Bedouim” e “Secrets” fazem dançar à maneira “The Orb”, ou seja, provocando confusão das reações de mente/corpo em relação ao espaço-tempo. Isto sim que é papo de louco...

Filhote legitimo do Orb, a (também) dupla (Garry Cobain e Brian Dougans), que atende pelo nome de Future Sound Of London, produz discos que remetem a trilhas sonoras de filmes tão díspares quanto “Blade Runner” e “O Império do Sol”. Eles começaram dançantes (vide o semi-hit “Papua New Guiné”), mas foram gradualmente enveredando para misturas bem peculiares de techno e ambient music clássica (Brian Eno e Vangelis). “Dead Cities”, de 1996, é um álbum que define bem o som destes (também...) britânicos. A alternância de climas e batidas pode soar incômoda, variando de electro futurista a trilha para cortar os pulsos, sempre com pianos semi-bregas permeando pelos canais de som. Irônico e sombrio.

Alain Wilder possui credenciais de respeito: foi ele quem substituiu o tecladista Vincent Clarke (que formaria o Yazoo e o Erasure) no Depeche Mode no início dos anos 80, sendo que sua presença na banda coincidentemente marcou a passagem do tecnopop alegrinho de outrora (vide “I Just Can Get Enough”) para um som mais denso, dark e de alto nível de produção. Alain saiu do DM após o lançamento de “Ultra” (1996) e foi dedicar-se integralmente ao seu projeto solo intitulado “Recoil”. O primeiro disco, “Bloodline” (1992), é muito bom, mas ainda se calcava muito no som de sua banda (ainda) titular. Já em “Unsound Methods” (1997), com toda a liberdade para raciocinar sem amarras, Wilder pôde dar vazão à sua criatividade produzindo um hipotético encontro entre Depeche Mode, Portshead e Nine Inch Nails. O cuidado extremo com arranjos de cordas, guitarras e pianos remete diretamente à sua ex-banda. Sonoridades sintetizadas mais pesadas estão espalhadas por todo o disco. E o uso de vocalistas femininas dá um toque de sensualidade único nesta mistura. Douglas McArthy, ex-Nitzer Ebb, canta em duas faixas (“Incubus” e “Stalker”), justamente as mais góticas e rockers do álbum. Mas o tom do disco é ditado mesmo pelas vocalistas convidadas. Em “Drifting” e “Last Breath”, Siobhan Lynch faz vocalizações delicadas e sensuais, com os climas e batidas se encaixando perfeitamente no universo trip-hop. Soul music e David Lynch (cineasta com gosto pelo bizarro e o sombrio, vide “Lost Highway” e “Twin Peaks) se encontram nas assustadoramente belas “Red River Chicago” e “Last Breath”, com vocais genuinamente negros a cargo de Hildia Campbell. E os momentos mais psicóticos ficam por conta das interpretações tensas de Maggie Step em “Luscious Apparatus” e “Control Freak”, ambas com citações a sadomasoquismo e assassinatos. “Shunt” encerra o disco de forma sombria, como uma espécie de EBM/industrial que se transforma num techno/trance sinistro da metade para o final. Belo, soturno e surpreendente este Recoil.
Extras:
- The Orb é lisérgico e alienígena. Mas não ouça dirigindo chapado, pois você é capaz de bater com o carro e nem perceber. Eu já cometi este erro...
- Future Sound of London seria perfeito para animar uma vernissage que estivesse monótona. Principalmente se sangue e órgãos vitais fizerem parte desta hipotética exposição...
- Recoil é o único dos três que possui vocais, e por isso transborda sensualidade. É gélido, demoníaco, sarcástico, perigoso...

19 comentários:

Mentor disse...

pra mim o melhor da festa é chill out!!!! estou numa faze "dubrula"...

Kalunga disse...

estes sons estragariam qualquer chill out...

Kalunga disse...

Mentor, isso aí sim que é "som para ouvir sozinho".

val bonna 665 >> 667 disse...

anda produzindo excelentes textos... boas dicas!

Anônimo disse...

ô! só agora descobri seu novo blog. visitante assídua daqui pra a frente, hein? beijão :)

Kalunga disse...

Nati, qual é o seu endereço???

ainda hoje eu atualizo este muquifo

Anônimo disse...

r. dr. paulo césar, 87.
icaraí - niterói - rj.
:P

Anônimo disse...

engraçadinha eu, não?

Anônimo disse...

engraçadinha eu, não?

Anônimo disse...

ops, foi mal. também não sou tão engraçada assim :P

Kalunga disse...

Qualé Nati, heheheheheh...

Quando eu for ao Rio, já sei onde te encontro.

Mas eu queria também o endereço do teu blogg.

Anônimo disse...

E então kalunga, catou o orblivion mas pelo menos fez um texto, né? ;)

caio disse...

Esse texto não tem a sua marca, Kalunga. Pensado demais, sem aquela fluência. Parece um texto meu. Não gostei.

Kalunga disse...

caio, o texto tava escrito há tempos, desde o ano passado, só apenas completei-o com informações técnicas. acho que vc se acostumou com meus textos escritos em meia hora com acesso restrito. é bom se acostumar, pois agora tenho mais tempo...

Kalunga disse...

se bem que eu poderia escrever um monte de coisa e não postei quase nada - simplesmente não fabirco idéias assim, porra! prefiro agir por impulso...tipo quando catei pela enésima vez o disco do Orb do Turco, hahahahahaha

Kalunga disse...

se bem que eu poderia escrever um monte de coisa e não postei quase nada - simplesmente não fabirco idéias assim, porra! prefiro agir por impulso...tipo quando catei pela enésima vez o disco do Orb do Turco, hahahahahaha

nati disse...

eu, sei, kalunga. mas é que eu não tenho mais um blog... por isso a piadinha :)

Kalunga disse...

então crie outro, porra!!! hahahahahaha!!

Kalunga disse...

Altamiro, o motivo do deste post especificamente falando, foi justamente mostrar sons que derrubam os clichês de "sons relaxantes". Boto o meu na reta que estes três discos são surpreendentes.

E otrance psicodélico atualmente agrega o mesmo público do axé. É verdade!