O critério é simples: “queimar” um CD significa elevar o status de um determinado artista dentro de minhas audições. Uma coisa é você ter todas as músicas do mundo no computador e/ou num mp3 player e sair trocando de faixa descontroladamente sem muito critério. Outra coisa é você gastar uma parte do seu tempo (cada vez menor) e do seu suado dinheirinho (menos de R$ 1,00!) numa mídia “real” para poder produzir uma coletânea ou dar vida a um álbum inteiro para ser ouvido em cd-players normais. Esta lista privilegia aqueles sons que “passaram no vestibular do mp3” e venceram por suas próprias qualidades.
Discos InteirosDoll Factory

Eu estava procurando por uma banda boa de rock industrial, daquelas que você ouve um álbum inteiro sem ter de agüentar batidas e fórmulas repetidas ao longo do disco. Infelizmente o termo “personalidade” anda em falta em diversos segmentos musicais e no universo industrial não é diferente. Foram vários tiros no escuro até achar algo que realmente valesse à pena uma audição mais cuidadosa. O duo norte-americano
Doll Factory é uma essas raras e agradáveis surpresas. Numa rápida pesquisa, descobri que a banda possui como referências os segmentos mais mainstream do industrial, notadamente
Nine Inch Nails e
Marylin Manson – inclusive gravaram um cover de “Lunchbox” para um tributo a este último. Mas o som da banda não é mero xerox. Já pelo começo do disco “
Weightless” (2002), com os teclados melancólicos e a bateria seca e ao mesmo tempo com “vida” de “We Are The Hollow Men”, já dá para perceber uma identidade forte, uma presença sonora mais marcante. “Tin Girl- Tin Love”, faixa a seguir, é dançante, lotada de synths hipnóticos e com um refrão grudento – é hit certo nas pistas! Em “Bite The Coil” a cara da banda já se mostra mais coesa: ao contrário da tendência atual mais simples e fácil de se programar batidas parecidas ao longo do disco e de transparecer a impressão de que se trata de um mero live PA com vocais, o Doll Factory age como “banda” mesmo, pois ao lado da eletrônica pesada e massiva, há bateria “de verdade”, baixo marcante e guitarras ocasionais mas certeiras. Aliás, as mesmas guitarras, na maioria dos casos, dão lugar a riffs eletrônicos de sintetizador que conferem peso e personalidade por todo o álbum. Partindo daí, há faixas dançantes e com melodias perto do pop (“Rezonator”, “Shapeshifter”, “Stand & Fight”), peso industrial sem apelar para distorções exageradas (“Blank Dirge” e “Permanent” – esta com uma guitarra de timbre totalmente
stoner), e proto-baladas por vezes sombrias (“Blessed” e “Glory”) ou irônicas mesmo (“Weightless”, “Touch”). O Doll Factory merece um disquinho só seu na sua coleção!
Sister Machine Gun

Imagine uma pouco provável mistura de
Die Warzau,
Nine Inch Nails e
Morphine - é o clima
electro-cool-sofisticado (ver
resenha já publicada aqui) do primeiro, a pegada pop/rock industrial do segundo, e a vibe
jazzy-noir do terceiro. A banda norte-americana
Sister Machine Gun chegou a esta brilhante combinação no seu quarto álbum, “
Metropolis”, lançado em 1997. Eu já possuía seu segundo álbum há dez anos, (“
Torture Technique”), que mostrava um rock industrial com personalidade, mas ainda um tanto quanto imaturo, e quando vieram os downloads, tratei logo de baixar o resto de sua discografia. Em “Metropolis”, logo de cara salta aos ouvidos uma produção perfeita, exibindo o caráter conceitual da banda, que privilegia vocais cool, guitarras tratadas eletronicamente, batidas quebradas e sub-graves monstruosos. O vocal de Chris Randall se encaixa perfeitamente na massa sonora, e destacam-se faixas absolutamente empolgantes e originais (“Desperation”, “Think”, “Torque”, “Everything”, “What do You Want From Me” e “Cut Down”), climas sofisticados e mais relaxados, algo como um jazz eletrônico com trip-hop de pegada pop/rock (“Temptation”, “Living With You”, “Admit” e “Bitter End”), e até mesmo uma faixa muito maluca que joga no liquidificador rock industrial e southern rock (“White Lightning”), com direito até a guitarra slide! Os demais e posteriores discos da banda seguem na mesma linha sonora, alguns mais calmos, outros mais pesados, mas “Metropolis” é “O Disco” a ser consumido desta banda.
Translovenia Express Vol 2
O grupo esloveno
Laibach, veteraníssimo na cena industrial, lançou em 2006 um dos melhores álbuns deste ano que passou. “
Volk” elevou sua música a um patamar patamar poucas vezes visto, e não preciso tecer maiores comentários ao seu respeito, pois meu colega
Doggma já o fez de forma certeira em
seu espaço virtual. Mas foi procurando no Soulseek por este disco que acabei descobrindo totalmente por acaso que o grupo havia organizado, em 2005, um segundo volume de “
Translovenia Express”, um interessantíssimo apanhado de bandas da região da Eslovênia que gravaram covers do
Kraftwerk. Trata-se de um raro tributo que, ao mesmo tempo, reverencia e dá passos além em torno do grupo homenageado. Como no
primeiro volume (lançado em 1994), o Laibach (organizador desta iniciativa) abre a coletânea e apresenta um tema inédito de sua própria autoria, e não um cover. A homenagem aqui se dá ao fato de que a faixa é totalmente Kraftwerk, mas na visão original do quarteto esloveno. No mais, seguem-se versões surpreendentes, como o rock pesado a lá
Rammstein que o
Siddharta transformou “The Robots”, o drum’n’bass com melodias trance (acredite!) da versão do
O.S.T. para “Metropolis”, o clima trip-hop que o
Silence (com participação da vocalista Anne Clark) impôs a “Hall of Mirrors”, e aos já esperados – e até mesmo óbvios – caminhos pela house music (mais precisamente nas sub-vertentes
minimal e
progressive) que
Octex,
Alenia e
Inturk trilharam nas suas respectivas versões para “Computer Love”, “Home Computer” e “Sex Object”. Agora você pode estar se perguntando: tirando o Laibach, alguém aí conhece estas bandas da coletânea?!? Eu não conhecia alguma sequer! Inicia-se aqui mais uma fonte de pesquisa, dentro desta maravilhosa teia de informações que a internet nos propicia.
ColetâneasCertas bandas você tem que filtrar um pouco, o que gera espaços vazios no CD e que acabam sendo preenchidos por outros artistas. Fiz duas coletâneas englobando vários deles.
Seabound

O duo germânico
Seabound é uma boa banda que se destaca do prolífico cenário do
future pop, aquele gênero musical que compactua beats e synths do trance com melodias góticas. No caso da referida banda, o destaque vai para o alto nível de produção, os excelentes vocais (tudo bem que um tanto quanto calcados demais no
Covenant) e a variação de climas e batidas, pois em muitos momentos há influências nítidas de synthpop e rock industrial, o que proporciona uma audição mais proveitosa do que dezenas de minutos lotados de batidas dançantes, quase discos p/ DJ tocar em pista e pouco clima para ouvir no som do seu quarto – um clichê recorrente no future pop. Fiz uma seleção dos álbuns “
Beyond Flatline” (2004), “White Nights” (2003) e do EP “
Poisonous Friend” (2006) e me dei por satisfeito.
Godflesh

Num outro CD resolvi juntar faixas de
Godflesh e
Orgy. Do primeiro, eu já o conhecia de longa data, pois tenho em casa há muitos anos o fenomenal disco “
Slavestate” (1991). Trata-se de uma brilhante fusão metal/industrial totalmente personalizada (membros do
Ministry, banda ícone deste gênero musical, são fãs), com guitarras saturadas, ritmos mecânicos em exaustão e muita distorção. Para quem não sabe, é a banda de
Justin Broaderick, membro-fundador do inovador grupo de
grindcore Napalm Death. Juntei algumas faixas de “
Songs for Love & Hate”, todas pesadonas, baixão distorcido, riffs-bigorna, peso que não acaba mais e até mesmo uma influência latente de
Sepultura, e confesso: ouvir este álbum de cabo a rabo tem de ter disposição para entrar na viagem noise arrastadona dos caras.
Orgy

No mesmo CD, pesquei algumas faixas do grupo norte-americano
Orgy e seu álbum mais recente, “
Punk Statik Paranoia” (2004). Esta banda surgiu como uma boa promessa há dez anos atrás, quando participou da primeira edição da famosa turnê “
Family Values Tour”, onde o headliner
Korn, em plena ascensão, liderava um mini-festival itinerante com bandas de diversos estilos musicais diferentes e ao gosto de seus integrantes. O Orgy ficou famoso pelo fantástico cover de “Blue Monday”, do
New Order, e destacou-se naquela tour por apresentar um visual calcado nos anos 80 e por investir numa espécie de rock industrial sem samplers ou sintetizadores: todos os sons eram produzidos por guitarra, baixo e bateria/percussão lotados de efeitos eletrônicos que davam a sensação de estarmos ouvindo um som totalmente digital. O grande pecado desta banda foi o fato de terem nascido nos EUA, pois a tímida veia oitentista registrada em sua estréia poderia ter se convertido num mix electro-rock, caso fossem europeus, e hoje gozariam de alguma longevidade, dado o hype em torno da década retrasada que adentrou nos anos 2000. Mas, como residentes do território norte-americano, enveredaram pelos óbvios caminhos do
nu metal e dali não saíram mais. Sobraram algumas boas faixas, muito mais pesadas do que as da sua citada estréia (“
Candyass” - 1998), pescadas de “Punk...”. Pelo visto, estão em final de carreira.
A lista continua...