segunda-feira, março 14, 2005

Rave On U - parte II

A maior besteira que já li sobre as raves era de que tal cultura se tratava de uma versão “anos 90” do movimento hippie, argumentando-se que a psicodelia e o clima de “paz e amor" estavam de volta na forma de música eletrônica e de uma nova droga sintética – o ecstasy. De fato, reuniões de dezenas de milhares de cabeças em prol da dança e de uma suposta comunhão de interesses pacíficos e de celebração acabou incentivando inúmeros espertinhos a apelarem para tal comparação. Por mais que você despreze o ideal hippie nos dias de hoje (e eu o desprezo!), há de se reconhecer que os tempos eram outros, de que havia uma guerra em andamento (a do Vietnã), e que a música naquela época se transformara num complemento perfeito para mudanças de comportamento bastante sérias como a liberação sexual, o crescimento dos movimentos feministas e anti-racismo e, obviamente, o uso de drogas. Aliás, neste último ponto os ravers se assemelham bastante aos hippies de outrora: drogas e mais drogas, neurônios perdidos no espaço e muita alienação no ar. A busca pela “liberdade” muitas vezes se dissipa em atitudes meramente vazias.

O filme “24 Hours Party People” (no Brasil, “A Festa Nunca Acaba”) exemplificou bem a mudança de comportamento do público inglês quando as bandas de rock perderam espaço para os DJs. De repente, letras e posturas de preocupação coletiva foram deixadas de lado em prol da dança e do transe hipnótico individual – ainda que vários corpos estivessem juntos no mesmo espaço, estava cada um em sua trip solitária, comunicando-se com o cosmos ou algo do tipo. É neste ponto que reside minha maior crítica ao universo rave: não há troca de energia verdadeira entre os indivíduos a partir do momento em que substâncias químicas produzidas em laboratório ditam suas ações. Como havia escrito na primeira parte deste texto, o coletivo sorridente e aparentemente feliz numa pista de dança na verdade esconde uma realidade individualista e, por que não, vazia de conceitos. O espírito chamado de “PLUR” (Peace, Love, Union and Respect), tão presente em flyers de festas do gênero, acaba quando a onda do ecstasy vai embora. Sorrisos, liberdade, união na pista de dança... a bala se dissolve no suor e cada qual parte de volta ao seu mundinho.

Logicamente há exceções – argumento este que já fora terrivelmente utilizado até para nazistas, diga-se de passagem. Na própria Europa, berço desta cultura, as raves são consideradas um importante instrumento de mobilização cultural e social. Desde meros desafios às autoridades (raves ilegais com mais de 60 mil pessoas, durante três dias e sem nenhum poder público sabendo disso), até o fortalecimento de sociedades alternativas (os squaters, que invadem imóveis abandonados e instalam modos de viver peculiares, por exemplo) e de meios de comunicação sóbrios e ao mesmo tempo inovadores (um grupo raver criou um canal de TV independente na França, onde a divulgação de suas festas divide espaço com campanhas de prevenção à Aids, pró-aborto e pró-minorias étnicas). Particularmente nos países do Leste Europeu, as raves se tornaram um instrumento de liberdade individual, social e cultural como eles nunca o tiveram, sendo comparável (sim!) ao movimento hippie dos anos sessenta na América do Norte. Trata-se, enfim, de uma cultura com raízes muito profundas na Europa e, portanto, dotada certamente de uma carga política bem consistente.

No Brasil, como não poderia deixar de ser, os valores são outros. Qualquer cultura importada do exterior passa primeiramente (e, às vezes, não sai dali) pelas mãos de classes mais abastadas, que contam com um acesso maior à informação de fora. E nossas contradições sociais se afloram também neste universo. As festas rave são direcionadas a um público maioral das classes A e B, com poder econômico suficiente para pagar ingressos caríssimos para os padrões comuns brasileiros. Artifícios ecológicos e espirituais são constantemente ligados aos eventos do tipo. O público consome isso com avidez impressionante, mas parece não aprender absolutamente nada. Festas na beira da praia ou ao lado de cachoeiras lindíssimas são o supra-sumo do desejo raver. Mas a quantidade de gente mordendo a orelha nas pistas dificilmente estará se preocupando com o meio ambiente local. Uma atitude puramente alienante, vindo justamente de uma faixa de público privilegiada e que teve acesso à boa educação e à informação.

O fio condutor desta história descamba para o exagero. Muita gente na cena, muita droga rolando, muitos pais se indignando. O fato é que, de uns três anos para cá, as raves têm se tornado o “Inimigo Número Um da Família Brasileira”, dados os excessos cometidos pela maioria. No Rio de Janeiro e em Santa Catarina as raves estão simplesmente proibidas. Telejornais de grande audiência vez ou outra despejam matérias de cunho sensacionalista na cara de todo mundo – se bem que é muito fácil filmar gente cheirando, fumando e entornando substâncias ilegais numa rave, pois quase todo mundo o faz! A Liga das Senhoras Católicas de Nazaré está pronta para invadir as raves e jogar água benta nas almas perdidas da música eletrônica!! É engraçado, é irônico, é triste também.

Bem ou mal, o fato é que as raves aqui no Brasil têm sido cada vez mais forçadas a assumir posturas mais sérias diante das autoridades. Parece que estão cortando o barato da galera que só quer se divertir. Mas, quando traficantes de ecstasy, ácido, maconha e cocaína bancam a realização de grandes festas, é sinal de que algo está desandando. Infelizmente, para muita gente de fora deste meio, rave é sinônimo de diversão perigosa, alienada e sem futuro para ninguém. Quando eu disse na primeira parte do texto que “alguma coisa mudou em minha vida”, queria afirmar que um tipo de diversão, que fora outrora uma descoberta tão legal para mim, não poderia levar um fim tão sinistro. Ainda adoro a idéia de me divertir dançando num lugar paradisíaco, viajando numa decoração alucinante e sem preocupações com o mundo. Mas, ao mesmo tempo, há uns três anos que eu não me sinto bem numa rave, pelo simples fato de não conseguir arrumar amizades ou mesmo estabelecer qualquer tipo de comunicação mais profunda com quase ninguém neste ambiente. É uma pena.

19 comentários:

caio disse...

Bem, precisaria de um post pra trabalhar o meu ponto de vista. Mas o principal ponto de distinção entre o movimento hippie e a turma dos ravers (turma, não movimento, falta uma identidade coletiva) encontra-se justamente na finalidade, não nos meios. O hedonismo dos segundos nada tem a ver com a proposta de paz e revolução política dos primeiros. Os hippies conjugavam o verbo "transformar", a galera eletrônica (a regra) busca o máximo de prazer (como os ripongas) como um fim em si mesmo. Mas os procedimentos são semelhantes, sim. Falo mais em outra oportunidade.

Kalunga disse...

Na Europa os ravers têm se organizado há mais de uma década em prol de atitudes mais consistentes. Mas a atitude geral do público raver reflete as mentalidades individualistas, consumistas e egoístas das épocas que passou. Eeu acredito que a "identidade coletiva" que vc citou realmente é muito vazia. Mesmos os movimentos e inciativas citados no meu texto também ocorrem (e até antes) pro meio de grupos como punks, rastas, imigrantes, etc. Como instrumento de minorias, a Europa raver ainda tem algo a dizer. Mas como agente de massas, não há nada mais profundo.

Eu, pelo menos, enxergo isso assim.

pegoretti disse...

Sushi todos os dias??? ahahahah
Essa eh uma das milhares de lendas que o arquipelago japones carrega nas costas. Uma visao ocidental que nao corresponde nem um pouco a realidade do oriente.
O sushi esta para o Japao assim como a coxinha esta para o Brasil. E agora eu eh que te pergunto: Vc come coxinha todos os dias?

PS.: Porra, vaca! Vc escreve bem pra caralho! Ja pensou em ser jornalista? (piadinha mais sem graca nao existe, ne?)

Anônimo disse...

Porra Kalunga... Só de três anos pra cá??? hehehe

Kalunga disse...

Pois é...é o mesmo que alguém achar que eu como moqueca todos os dias, só por ser capixaba. eu digo: quem me dera!!!!

e, porra, eu sou jornalista, caralho! me arrume um emprego aí no Japão!!!

***

Sai fora Turco! Aliás, vc saiu fora bem antes, hehehehehe...

Anônimo disse...

música é música. Essa coisa eletrônica aí não pode ser chamada de música. Fábio, seja jornalista e esqueça a música, ela não leva a nada.

ass: mamãe

Mentor disse...

Eh ehehehehehehe heheheheheh eheeheheheheheh ehehehe ehehe

o anonymous acima sou eu...
ehehehehehehe
eheheheheheh

nati disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAA
pô, kalunga! cadê a sua pragmática? a coisa do jornalista era uma piadinha... hahaha.

Kalunga disse...

Puta que pariu!!! caralho!!!

Kalunga disse...

vejo vcs numa rave, hahahahaha!!

Anônimo disse...

Aí, me diz então qual música hoje em dia não se utiliza da eletrônica? Ultimamente meu caro "anonymous" (aka mamãe), tudo o que vc ouve.

Vai aprender primeiro o significado da palavra "eletrônica" antes de falar qq coisa... Aproveita também e olha o significado da palavra "música" em algum dicionário (do século 20 ou 21, de preferência).

Anônimo disse...

caro amigo anonymous, a música cantada na beira da fogueira não depende em nada dessa porcaria de eletrônica! isso é só um exemplo...

o som de uma percussão rústica (madeira talhada à mão, pele de cabra, etc...) na beira da rodovia do sol!!!

um solo de suvaco na beira de uma quadra de basquete, e a galear acompanhando com beatbox... muito foda!!!

caro amigo, na verdade, não existem significados, as coisas provocam uma semântica apenas.

Mas vamo-nos aprofundar no assunto... para começar: part I: música não é arte; arte não tem nenhuma importância; e o que é importante não é coletivo, é pessoal!!!

partII: eletrônica não é física; física não é ciência; ciência não é importante; e o que é importante não é coletivo, é pessoal!!!

e outra coisa, adoro batata frita!!!

Kalunga disse...

sai fora, Ferrugem!!!

e bato muito em termos com esta última pala sua!

Aprofunde-se, porra!!!

Quero discussão!

caralho!

Kalunga disse...

foi vc mesmo, Ferrugem???

Se não foi, vai aí minha consideração escrota, pois quero mais que vc (quem for...) me destrua!!!


hahahahahaha!!!

Ask question Later???

nem fodeno!

Anônimo disse...

massa isso aki!!!

Kalunga disse...

Altamiro: apareça mais e detone!

Kalunga disse...

Altamiro: apareça mais e detone!

Kalunga disse...

ela já é um elemento a mais para a música, sei lá, uma alternativa, mais uma posibilidade, não devemos dar as costas para ela ao mesmo tempo que não devemos cosiderá-la como o único acontecimento de modernidade na música.

Altamiro, esta sua pala é perfeita para que os cabeças-duras que torcem o estilo para a música eletrônica.

Sobre as raves, do jeito que elas estão, o caminho é a regressão deste "movimento", a busca por "raízes", e a desejada evolução por meios não tão exagerados e vazios. Eu penso e desejo que seja assim.

Anônimo disse...

Acho que conheço este Altamiro ?!