
Era o clichê dos clichês! Para ir a Matilde (espécie de "São Tomé das Letras capixaba", á época) pela primeira vez, tinha que passar pelo ritual de iniciação para ser aceito pela galera quando chegasse lá. E tome Led Zeppelin, Raul Seixas, Janis Joplin (não virei fã de nenhum deles, por sinal), e exibições de "Hair" (deste eu consegui fugir na época!), "Woodstock", "The Doors" e "Easy Rider". Não! Não vou forjar aqui neste texto uma história envolvendo a minha pessoa como que se eu fosse mais velho do que sou, que tivesse vivido os anos 70 e curtido um barato legal. Este episódio se passou em 1995! Eu tinha apenas 19 anos, e vivia aquela fase típica de pós-adolescente, quando você tem idade pra dirigir, pra aprontar todas e ainda assim de viver na aba dos pais. É a época de fazer muita merda, de bancar o rebelde e também de correr para baixo da cama da mamãe quando o bicho pegava de verdade. Enfim, lá estava eu, aquele cara que gostava/gosta mesmo era de technopop, de Cure, de Front 242, de sons modernos, que odiava o chiado do vinil, que não suportava hippies e adjascentes... e que também queria se auto-afirmar a qualquer custo, mesmo que fosse preciso vestir uma máscara que não se encaixava na minha face.
Fomos eu, o Qualhada, o Lemmy, o Ganso e o Macaco assistirmos "Easy Rider - Sem Destino" na casa deste último. O ritual estava todo preparado: baseado apertado, vinho vagabundo em mãos, e toda aquela euforia de estarmos prestes a sermos apresentados a um dos ícones da contra-cultura - e também de uma época de acabara bem antes de nascermos, por sinal. Mente entorpecida, apertamos o play para darmos início a algo que, ao final, fugiria completamente de nossas expectativas iniciais. O começo da película já nos deu um impacto meio pesado. Afinal, Dennis Hopper e Peter Fonda de cara já mandaram pra dentro do nariz aquele pó branco vindo da Colômbia, negociado com umas figuras chicanas pra lá de esquema! Ué, a filosofia da parada não era a tal da lisergia, como imaginávamos antes? Cocaína não se encaixava nas nossas pobres e ingênuas mentes metidas a psicodélicas. Enfim, logo depois veio a clássica - e a mais clichê - cena do filme, com os caras pegando a estrada ao som de "Born To Be Wild". Agora sim! E o filme foi se desenvolvendo em suas partes. Do que nós esperávamos, haviam: maconheragem a rodo, assim como doses maciças de LSD e alguma putaria; trilha sonora fantástica (ainda que só rolassem, na maioria, faixas menos óbvias de artistas famosos); comunidades hippies; paisagens magníficas desbravadas pelo ronco das Harley Davidsons; um Jack Nicholson impagável; confrontos diversos com sociedades conservadoras - yeah! Teve tudo isso sim! Mas o filme nos jogou na cara também uma série de informações bem pesadas, enterrando vários chavões que achávamos que poderíamos viver iguais naqueles dias também. Ao final, todos saíram calados, ninguém se arriscou a dizer um pio. Estarrecidos como ficamos, deixamos para trás qualquer tipo de conclusão sobre o filme. Era mais cômodo picar a mula para Matilde e esquecer de "Easy Rider".
Todo aquele romantismo acerca de comunidades alternativas, de uso de drogas lisérgicas, de afrontas às sociedades conservadoras foi, ao meu ver, jogado água abaixo por "Easy Rider". Quando a dupla protagonista da história baixa numa comunidade hippie, se depara com problemas de saúde, de fome, e de individualismos que podem corroer qualquer ideal. Quando vai dar suas voltinhas e tirar uma onda com as gatinhas de uma cidadezinha qualquer, acaba pegando cana. Quando resolve finalmente tomar aquele ácido poderoso ao final do filme, já tendo alcançado o destino final previsto, rola uma bad trip absurdamente pesada, daquelas de desestimular qualquer empolgadinho imaturo (como éramos todos ali naquela sala, por sinal) a experimentar aquele tipo de coisa. Mas o pior mesmo ficou para o final. Tratava-se de um fim abrupto, seco, rápido e cruel. Era o término de um sonho, que mais parecia uma ilusão mesmo, e que acabara se tornando um pesadelo. E foi mesmo uma espécie de pesadelo que vivi, ao tentar me encaixar nos moldes de uma época que já foi há tempos. Era um martírio ter de participar de rodinhas de violão em volta da fogueira. Tinha vontade de vomitar quando sentia cheiro de insenso. E, ao mesmo tempo, me sentia pressionado a ter de encaixar naquele circo todo para não me sentir excluído. E sempre me voltavam à mente as cenas mais pesadas de "Easy Rider". E sabem porque? Porque simplesmente eu não aceitava viver algo que significou alguma coisa num passado do qual eu nem estava previsto a fazer parte deste mundo. Porque eu não suportava ter de ouvir conceitos tribalistas de gente que pregava a entrega a um ideal, mas que na prática só durava enquanto ia enrolando a formatura na faculdade - bancado pelos pais, é lógico! Hoje eu olho para aquela época com um certo alívio. Alívio este de hoje saber o que eu realmente quero para a minha vida, e também para descartar ideologias que não me servem e nunca me serviram. Vivi minha adolescência e início da fase adulta entre os anos 80 e 90. Se eu tivesse que tirar alguma conclusão sobre algo que veio antes de "minha época", que fosse verdadeira, e não imersa numa bolha nostálgica de outra era. Sendo assim, "Easy Rider – Sem Destino" é o filme mais anti-hippie que já assisti.
“Skyshaper” tem uma das capas mais horríveis que já vi, mas o seu conteúdo sonoro é de primeira. O Covenant conseguiu dar um passo adiante naquilo que ajudou a criar. Uma das minhas grandes queixas para com o future pop era justamente o apreço que as bandas deste gênero tinham com melodias bregas e melosas de sintetizador do eurotrance (tipo as faixas mais babas de Tiesto e Paul Van Dynk). Pois bem, o Covenant limou o excesso de sacarose e cometeu um discaço. “Ritual Noise” abre o álbum com o balanço típico do future pop - batida trance e clima gótico. Porém, percebe-se um apuro cuidadoso com as melodias e os arranjos (rola até um vocoder). A faixa seguinte, “Pulse”, surpreende: trata-se de um electro de primeira! A balada “Happy Man” é curta e com clima totalmente synthpop, ao melhor estilo de Gary Numan. “Brave New World” segue na fusão do estilo consagrado com timbres do electro atual, enquanto que “The Men” aposta novamente no pop de sintetizadores 80’s, agora de uma forma bem dançante. “Sweet & Sally”, “Greater Than Sun” e “20 hz” fundem EBM antiga com o future pop de forma magistral, com perfeitas soluções dançantes e melódicas. Os DJs vão gostar de “Spindrift”, com sua batida puramente techno servindo de base para uma melodia tensa. “The World Is Growing Loud” fecha o álbum na forma de uma balada bela e tocante. Ao procurar alternativas para enriquecer o som que os consagrou (e que vem sendo amplamente copiado e desgastado nos últimos anos), o Covenant assumiu a ponta de lança no future pop, aliando o passado com o presente e novamente apontando para o que vem por aí. Ouça sem contra-indicações. 
Por falar na Gigolo Records, um dos artistas de seu cast, Terence Fixmer, sempre procurou se espelhar no lado mais anárquico e radical da música eletrônica produzida para as pistas de dança dos anos 80 – especialmente o duo britânico Nitzer Ebb. Eis que o tal acabou por chamar metade daquela emblemática banda para participar de seu último álbum, “Between The Devil” (2004). Douglas McArthy, vocalista do NE, registrou seus inconfundíveis vocais – entre o rock and roll/pós-punk e o gótico – nas bases eletrônicas beeem pesadas de Fixmer. O resultado é uma atualização da fase “That Total Age/Belief” (1987/88), do NE, que nada mais era do que uma fusão de electro, punk e EBM, tudo produzido com sintetizadores e drum machines. Em alguns momentos surge um hard techno radical, com sintetizadores rascantes e a voz de McArthy dando um molho rocker na coisa toda. Noutros, parece que o NE voltou à ativa, tamanha a semelhança – ou seria descaramento? - com o som de um dos ícones underground dos 80’s.

“The Greater Wrong of Right Live – DVD”, dos gods canadenses do Skinny Puppy, foi um presente de aniversário que tive que dar para mim mesmo! Sou fã desta banda única e maravilhosa há mais de 15 anos, e este lançamento (na verdade, é do final do ano passado) preenche absolutamente todas as expectativas que eu tinha. Trata-se do registro da fase atual da banda, que voltou oito anos depois da morte por overdose de heroína do tecladista/programador Dwayne Goethel, e que provocou seu fim em 1996. “The Greater Wrong of the Right” foi o álbum da volta, um disco à altura da carreira da banda, sem nostalgias baratas e mantendo seu curso evolutivo. Pois bem, vamos à vaca-fria! Este DVD (com luxuosa produção em digipack), como é de praxe nas produções atuais, conta com som e imagem de altíssimo padrão de qualidade, e fico só babando de ver/ouví-lo num home theater. Ao vivo, a dupla original Nivek Ogre (vocais) e Cevin Key (programador/multi-instrumentista) recebe a nobre ajuda de William Morrison (guitarra/baixo, além de ser o editor deste DVD) e Justin Bennet (bateria/percussão), o que acrescenta em muito ao som da banda. O show (gravado em Montreal e Toronto – Canadá) é em si um espetáculo de alta tecnologia sonora, pois Cevin Key se farta em seu vasto equipamento (synths, percussões, theremim digital, lap-tops, etc.), Justin Bennet utiliza-se de todo o poderio de sua bateria/percussão acústica e eletrônica (o cara é um monstro!), William Morrison simplesmente toca baixo e guitarra na mesma música, além de fazer linhas de synth nas quatro cordas e, por fim, Nivek Ogre destila seus vocais com efeitos de distorção e delay idênticos aos de estúdio. Visualmente, metade da banda (Key e Bennet) soa meio nu metal, com roupas modernas e dreadlocks na cabeça, enquanto que Morrison encarna o visual gótico sem a menor cerimônia. Já Ogre... bem, o cara não mudou nada, pois começa o show com um visual pra lá de estranho (com chifres e roupa toda rasgada) e vai se transformando no decorrer da apresentação, terminando totalmente imundo, parecendo ter saído do inferno. Seus vocais (únicos, diga-se) estão muito mais afinados e poderosos do que no registro em vídeo anterior (“Ain’t Dead Yet”), colocando mais melodia e preocupando-se bastante em “dar conta do recado”. O repertório do DVD privilegia o disco mais recente, com nada menos do que quatro faixas no começo, e também mais quatro de “Vivisect VI” (1988). Além de versões magistrais de seus hits underground (“Testure”, “Worlock”, “Deep Down Trauma Hounds”, “Smothered Hope”, etc.), eles supreendem ao tocar faixas pouco usuais ao vivo como “VX Gas Attack”, “Hexonexon” e “Cruscible”. O visual do palco, com iluminação futurista, telão e diversos monitores de TV despejando imagens, é um espetáculo aos olhos vistos. Aos fãs, a satisfação atinge os níveis máximos!
Al Jourgensen não parece dar sinais de cansaço! Num curto espaço de tempo, o pai da fusão de metal+industrial do Ministry lançou um disco (“Houses of The Molé” – excelente!), uma coletânea de 25 anos de carreira (“Ranthology”, com versões ao vivo e alternativas de hits seus), o disco do projeto paralelo Revolting Cocks (“Cooked & Loaded” – imperdível!), e agora mais um disco novo, “Rio Grand Blood” (um torcadilho com o ábum “Rio Grand Mud”, do ZZ Top, que por sinal participou de "Cooked & ..."). Eu já havia feito antes neste blogg a comparação entre Ministry e Motorhead, tanto por causa do ritmo frenético de lançamentos, quanto por conta do peso cada vez maior de sua música, apesar da idade mais avançada. Pois bem, reitero a comparação. “Rio...” é sem dúvida alguma o álbum mais pesado, brutal e heavy metal moderno do Ministry, que parecia ter perdido o entrosamento com as gerações atuais e só produzia música para seus fãs mais ardorosos. A grande novidade aqui fica por conta dos convidados especialíssimos como Tommy Victor (guitarra/vocal do Prong), Paul Raven (baixista do Killing Joke) e Nº 7 (baterista do Slipknot) que, além do velho colaborador Mike Saccia (guitarrista do Mindfunk), imprimem suas marcas pessoais neste monolito - praticamente um dinossaurodo do rock/metal industrial. A faixa-título abre o disco da forma tradicional, com batida veloz, riffs minimalistas e refrão palavra-de-ordem. Já na segunda faixa, “Señor Peligro”, a massa sonora lembra Slayer e Megadeth, com uma quebrada totalmente Sepultura (Chaos AD) e vocais monstro. O ritmo travado e quebrado de “Gangree” nos levam aos momentos mais pesados de “Filth Pig” (1995), tendo como convidado o velho chapa Jello Biafra (ex-Dead Kennedys tendo lançado dois álbuns e dois EPs c/ o Ministry no projeto hadrcore-industrial Lard) destilando sua ironia no começo. “Fear (Is Big Business)” tem riff fantasmagórico e termina totalmente speed metal. “Lies, Lies, Lies!” é a melhor faixa do disco, com uma troca de riffs impressionante, além de um refrão espetacular. A partir daí a porção melódica do Ministry começa a aparecer com mais intensidade e o álbum ganha força com isso. “The Great Satan” é Motorhead puro, com levada de dois bumbos o tempo inteiro e refrão totalmente punk rock. Tommy Victor faz das bases de “Yellow Cake” algo totalmente Prong, enquanto que Jourgensen produz um refrão psicodélico, lembrando até mesmo Jane’s Addiction. “Palestina” também segue na mesma linha Prong, com refrão totalmente melancólico. “Ass Clown” tem climas mântricos (a cargo da vocalista convidada Liz Constantine), bateria tribal e vocais sombrios ao estilo de “Scarecrow” (1991), dando um toque de pesadelo apocalíptico à faixa. O disco termina com uma música escondida, com Jello Biafra aprontando das suas. Ao final, o único porém é a respeito da temática das letras, pois Jourgensen destila pela enésima vez sua raiva e ironia contra George W. Bush, o que denota uma repetição já cansativa desta abordagem - lembrem-se que o disco anterior foi todo dedicado ao presidente norte-americano. Voltando ao som, se este é o álbum mais pesado do Ministry, não restam dúvidas. Tommy Victor mostra suas garras em riffs animalescos, enquanto que o batera do Slipknot imprime velocidade nos bumbos e modernidade nas viradas sem deixar de parecer industrial. E Paul Raven simplesmente co-assina metade das faixas (as melhores, por sinal). Al Jourgensen pode estar ficando velho, mas mostra que ainda sabe das coisas e se fez valer de ótimas parcerias. Um dos discos do ano, com certeza!